terça-feira, janeiro 31, 2006

Sobre o fim de semana que passou

Inesperadamente, a equipa que perdeu em casa com o Halmstad conseguiu vencer no imenso reduto de outra que voga na Liga dos Campeões, no jogo conhecido como "Derby português". Por obra e graça de um brasileiro esguio que ainda na semana passada tinha falhado golos que até eu, que raramente acerto numa bola, conseguia faturar. E ainda por um veterano, cujo hobbie é desatar ao estalo a seleccionadores, que há uma eternidade não marcava um penalty. É merecido, mas chato, e ainda tivemos de ouvir os remoques da lagartada, escondidos desde o trágico (para eles) mês de Maio passado. Um simples acidente de percurso, que talvez tenha a utilidade de acordar mentes acomodadas.

Os noticiários de Domingo anunciaram que "nevava por todo o país, de Norte a Sul". Em certas regiões a neve era quase novidade, mas do Mondego para cima, nem vê-la, excepto talvez no Nordeste transmontano. O frio apertava, mas o céu continuou limpo como uma rua suíça. Essa coisa de "todo o país" tinha umas certas falhas geográficas que pouco contemplavam o litoral norte (e até cidades como Viseu e Vila Real) e não abonavam muito a favor dos seus autores.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

250 anos com três dias de atraso



Pois é. Os duzentos e cinquenta anos do nascimento de "Woferl" na principesca Salzburgo foram referidos por tudo quanto é orgão de informação, blogoesfera incluída. Não sendo um conhecedor profundo da sua obra musical (apesar da sua curta vida me ter despertado o interesse em tempos remotos), sei o suficiente para reconhecer o carácter Divino que manifestamente a inspirava.
Como não podia deixar de ser, Amadeus, de Milos Forman, passou nos ecrãs nacionais, pouco depois da série de um seu contemporâneo ainda mais libertino, Bocage. Já tinha escrito sobre o filme e as consequências ainda hoje visíveis do anátema de Salieri. Constança Cunha e Sá (invocando Mario de Sá Carneiro num dos seus melhores poemas) e João Gonçalves foram mais além e mencionaram "o talento do fracasso". É justo. Se não servir para reabilitar o Salieri compositor, como o Scalla tentou fazer na sua reabertura, ao menos que reabilite o Salieri reconhecedor da influência Divina pelo milagre da música.

E um conselho: os jovens austríacos, nos seus momentos de boémia, têm o costume de ingerir de um trago uma bebida extremamente alcoólica, parecida com brandy, flamejante como um crepe flambée, com um chocolate Mozart no fundo, justamente chamada Burning Mozart. Pode ser outra forma de homenagear o génio na sua faceta mais estroina, mas deglutir toda aquela massa agridoce em brasa é tarefa complicada e sufocante.

sábado, janeiro 28, 2006

Interioridade



Num certo fim-de-semana de tempo mais agreste, Bragança ficou isolada. O único limpa-neves disponível estava avariado. Limpezas, só mais tarde e apenas no IP-4. Aldeias no Montesinho e localidades como Vinhais tiveram de esperar que o ciclo da água fizesse o seu trabalho, convertendo a neve e o gelo ao estado líquido. Entrar no distrito, só até Macedo. Nem a comitiva do Dr. Mário Soares conseguiu fazer as acções de campanha previstas em Bragança (pelo que se vingaram atacando os covilhetes da pastelaria Gomes, em Vila Real).
Atrás deste cenário de brancura imaculada e de crianças brincando com bolas de neve está uma terrível realidade conhecida como "interior profundo". As picardias regionais costumam ficar-se entre Lisboa e Porto, Coimbra e Aveiro/Viseu, Alentejo e Algarve, etc. Mera lana caprina. A autêntica divisão está entre o litoral, sobrecarregado, desenvolvido, habitado, e o interior desertificado, envelhecido, sem emprego nem oportunidades.

As regiões mais esquecidas são Trás-os-Montes e a Beira interior. O Alentejo, com os projectos turísticos e de regadio que tem recebido, está numa situação bem mais confortável, apesar de tudo, e o mesmo vale para o Minho. Mas outros distritos, como Bragança e Guarda, não só têm uma gritante falta de infra-estruturas e equipamentos como ainda lhes querem retirar parte dos seus serviços.A situação não é nova: em Chaves, na altura dos governos de Guterres, quando se pretendia tirar um contigente da polícia local, sem que tivesse sido instalado um pólo universitário já prometido, a população saíu à rua em protesto, promovendo boicotes e cortando estradas. O governo voltou atrás e ainda acedeu a outras exigências dos flavienses.

Passa-se uma situação semelhante no nordeste transmontano, ali perto: a ideia é tirar determinados serviços de saúde e de polícia de Mirandela, Bragança e Macedo, para redistribuição territorial e corte de despesas. Como se aquelas terras não tivessem já falta deles. É certo que a população é escassa e há que redistribuír as coisas pelos locais onde há mais densidade populacional. Mas entramos aí num círculo vicioso: se se retira num sítio, as pessoas deslocam-se para latitudes onde tenha maior acesso aos bens. Mais despovoamento, menos meios, a situação piora, e é precisamente isso que se passa com o interior português.

Para estes dias está programada uma manifestação nas ruas de Mirandela, um pouco à imagem do que aconteceu em Chaves. No IP-4, no ponto de entrada do distrito de Bragança, foram colocados cartazes com a inscrição "Aqui termina o Portugal da igualdade de oportunidades" e "Daqui a 70 quilómetros, Espanha". Não sei se os habitantes da terra quente transmontana irão empunhar bandeiras espanholas, como se chegou a fazer em Bragança, em tempos do Estado Novo (o que só demonstra grande coragem), noutra prova de desagrado quanto à condição a que estavam votados. Não sei qual será a máxima reivindicação - se ficar com a polícia, a maternidade, a Direcção Regional de Agricultura, essas coisas que quase todo o resto do país tem. Mas se quiserem atemorizar, usem mesmo o pendão do vizinho castelhano. Talvez assim as nossas autoridades centrais se assustem e pensem que o interior desertificado merece mais do que auto-estradas e IPs a caminho de Espanha. E que também aí existe a soberania do estado português. Que um país macrocéfalo e sobrecarregado no litoral não é viável. A não ser que reserve o interior para deserto oficial, com meia dúzia de cidades no meio, para servir de oásis a deconhecedores turistas, ávidos de ver uma espécie de so typical vazio lusitano.
posted by João Pedro at 5:59 PM 0 comments

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Resultados

A coisa ficou confirmada ainda antes das dez da noite: Cavaco ganhou mesmo à primeira volta, com os mesmos 50.6% que obteve em 91. Ainda assim, ficou abaixo de Sampaio, quando o derrotou há dez anos. e não se livrou de um breve susto. por uns momentos, estava aver que teríamos segunda volta, mas os resultados acabaram por estagnar lá pelas nove e meia.

Cavaco será o novo Presidente a partir de Março. Seria talvez um excelente pretexto para se voltar a discutir a questão monarquia-república, mas neste momento talvez me interesse mais pensar que tipo de relação terá com o governo: complementar e de cumplicidade? Quezilenta e belicosa? Irá chocar com Sócrates, com óbvias parecenças consigo mesmo, ou pelo contrário, completar-se-ão? A partir de dia 9 de Março sabê-lo-emos. Será curioso ver como será o Presidente Cavaco silva: austero e autoritário como há dez anos, ou mais humilde e aberto (ainda que mudo) como agora.

O dia marca ainda o mais que provável fim do poder do clã Soares. O velho patriarca sofreu uma derrota estrondosa, ele que venceu sempre os seus combates mais difíceis. Uma queda da qual não se recomporá eleitoralmente, até porque a idade pesa sempre, mesmo que não o admitamos. Serviu para provar que não há titulares de cargos políticos e que mesmo aquele que consegue 70% numas eleições pode à vontade perder mais de 50% do total nacional em condições diferentes. Desconfio porém que daqui a uma ou duas semanas Soares já se terá esquecido dos resultados. Desconfio mesmo que a razão pela qual se candidatou terá sido a de fazer nova e prolongada campanha eleitoral, onde se sente como peixe na água. Como está assegurado o seu lugar na história, que se encarregará de fazer esquecer esta derrota, não tem muito com que se preocupar.

Jerónimo de Sousa é um fenómeno curioso cujo sucesso nenhum dos nossos analistas, habitualmente tão visionários, conseguiu prever. Num ano em que sucederam os acontecimentos que fatalmente acelerariam a derrocada do PC (a morte de Cunhal e e eleição de um ortodoxo, Jerónimo himself, para o lugar de Carvalhas), não só conseguiu estancar a hemorragia de votos contínua como ainda pôs o partido de novo em 3º lugar e subiu nas autárquicas, tendo mesmo reconquistado a junta metropolitana de Lisboa. Agora tem este resultado muito razoável e bem acima de Louçã. É uma derrota tendo em conta que Cavaco ganhou logo à primeira; mas não é um mau resultado comparado com os índices eleitorais da CDU, e com as amorfas campanhas presidenciais que protagonizaram no passado, quando era sempre para desistir ou para ficar pouco acima dos 5%.

Louçã teve um resultado aquém do esperado (por ele) e abaixo do que o seu BE teve há menos de um ano. Será talvez um indicador dos limites do seu movimento, que se estendeu demasiado nas legislativas. Conseguiu passar a barreira dos 5% por pouco, o que o salvou de algumas contas mais pesadas, e no duelo com Jerónimo perdeu claramente a partida; já devia saber antes que o PC tem uma organização velha mas bem oleada, com a qual o Bloco não pode competir. Não será, apesar de tudo, o princípio do fim de Louçã, como ouço para aí dizer. Mas dificilmente conseguirá atingir votações muito mais altas.

Garcia Pereira eclipsou-se: depois de quase 2% há cinco anos, teve uma votação marginal, abaixo mesmo do normal no velhinho MRPP - caso espantoso, sabendo que o advogado é maior que o seu partido. Consequência directa da divisão da esquerda em inúmeras candidaturas e da escassa mediatização da sua campanha. Provavelmente o único com razões para se queixar da comunicação social.

Alegre: o meu candidato. Como era previsível, ficou em segundo, a distância considerável de Soares. Não conseguiu porém atingir o objectivo principal, a segunda volta, que poderia hipoteticamente dar-lhe a vitória a 12 de Fevereiro. Ainda que não tenha ganho, é um dos vencedores da noite. Sem figuras gradas da política, sem grandes fundos ou máquinas partidárias, obteve um milhão de votos e suplantou as candidaturas de esquerda. Sussura-se que no PS prepara-se já a contagem de espingardas. Outros, pelo contrário, dão como certo que os votos de pouco servirão a Alegre e que Sócrates tem o partido na mão. Não estou tão certo nem de uma coisa nem de outra. Parece-me é que o poeta de Águeda tem os pensamentos noutra dimensão, abstraída do PS, e que se prepara para voltar a novas batalhas neste novo formato, mais independente. Pode até voltar à AR, da qual é vice-presidente. Mas com certo distanciamento do partido, depois da forma como o puseram de parte. Seria bom se expusesse novas ideias, novas soluções para uma maior participação cívica. Ficou muito por dizer nesta campanha, em que por vezes a emoção e o sentimento toldaram a razão. Mas não terá sido exactamente por isso que tantos eleitores não só puseram a sua cruz, como apostaram, literalmente, no seu Quadrado?

Outras curiosidades: a interrupção da declaração de Alegre por Sócrates, com o primeiro-ministro a vir mais tarde defender-se porque "não sabia que Alegre estava a falar no momento da sua declaração". Está-se mesmo a ver...

Pensamento de terror: Maria Cavaco Silva vai ser a primeira-dama provavelmente nos próximos dez anos.

Supra-partidária: com o surgimento das projecções, o aparecimento de Cavaco e o seu discurso de vitória deixou de valer a pena vir com o estafado discurso do "supra-partidarismo". Quase não se viam bandeiras da candidatura; o que se via era um mar laranja, com as setas do PSD, e algumas do CDS à mistura. Parecia um comício da AD. Nem faltaram os gritos de "PSD, PSD", até alguém vir oportunamente mandá-los substituir a palavra de ordem.

Todos dizem que pela primeira vez a direita chega à presidência da República em trinta anos. Mas fico com uma dúvida: como hão de justificar que o novo presidente seja alguém que se define como um...social-democrata? Uma boa questão para todos os conservadores, liberais e demais gentes de direita que nele votaram. No Acidental já se percebeu isso mesmo.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Vou votar em...

Falei apenas uma vez, com mais profundidade, sobre as actuais presidenciais, expondo os meus pontos de vista, as minhas causas de (des)interesse, e explicando porque razão votava sendo monárquico. Olhando bem, e na véspera do escrutínio, houve alguns pontos que mudaram ligeiramente.
O mais importante será sem dúvida quem gostaria que ganhasse. Soares não, pelas razões expostas. O mesmo para Jerónimo e Louçã, e Garcia Pereira apenas se candidata por uma questão de intervenção (embora a minha cruzinha há cinco anos tivesse sido precisamente para o juslaboralista do MRPP). Quanto a Cavaco, nada a opôr, mas para além de não ser cavaquista e de me lembrar de alguns aspectos mais negativos daquele a quem muitos vêem como um salvador, não acho que a sua candidatura seja particularmente entusiasmante (sim, os silêncios do candidato que parece não se comprometer com nada contribuem para isso).

E Alegre? No início, tinha apenas uma vaga simpatia pelo candidato sem tropas e pela confusão que trouxe a estas eleições, não permitindo que cada partido se identificasse com um candidato. A sua campanha não decorreu da melhor forma, fosse pela ausência de meios e de fundos ou pelo temor reverencial que muitos militantes socialistas demonstraram se o apoiassem abertamente.
Contudo, as sondagens começaram a ser-lhe favoráveis e a sua candidatura passou a ser levada a sério. Várias razões justificam esta simpatia emergente: além da posse marialva e quase única do candidato, o seu afastamento dos apoios partidários, da forma como disparou sobre todos sem fazer ataques pessoais e de uma basta coerência com os seus princípios, há um certo lirismo pueril e um sentimento patriótico que veria com agrado um poeta em Belém. E o patriotismo levantado por Alegre não é menos apelativo: entre os radicais da esquerda com medo do "Antigamente" que se dizem "cidadãos do mundo" e uma direita sem ideologia e memória para quem os sentimentos patrióticos "são coisa do passado" e que só responde perante o mercado, a pátria surge como um valor de importância maior, numa época de globalização e encontro de raças e povos, sem a carga xenófoba que tantas vezes lhe atribuem.
"E a diversidade, o cosmopolitismo?" perguntarão alguns, lembrando os perigos que o desejo de pureza nacionalista representa. Sim, tudo isso é louvável, mas que interesse há em falar de diversidade cosmopolita se não houver identificação de cada povo ou cultura? E afinal, qual é o perigo de se clamar pela pátria quando desde o início dos sentimentos patrióticos que grande parte dos combates pela liberdade passa por aí? Um mundo globalizado terá de ser uma salada russa sem identificação nem causas?
Por mim, podem dizer que Alegre está ultrapassado, é um lírico pseudo-nacionalista, não vive neste mundo, etc. Eu já escolhi. Estou farto dos argumentos a favor da "experiência", do "relançamento da economia", de "homens providenciais ou que sabem unir", de tudo o que se tem ouvido das outras campanhas. Não escolhi viver em República, não acho que as competências do Presidente sejam determinantes nem decisivas, como se quer fazer crer, exceptuando a da dissolução do Parlamento. Assim sendo, porque não um presidente-poeta? Medo do ridículo, ausência de exemplos? Temos o de Vaclav Havel, um dramaturgo, com quem os checos se deram muito bem, como já lembrou o Blasfémias (que também usaram o argumento da "superioridade estética"). Chefe Supremo das Forças Armadas? Não lhe falta coragem nem experiência militar. E quanto à questão da representação do Estado, a função não podia ficar mais bem entregue do que um poeta que invoca a pátria. Querem melhor representação de Portugal do que esta? Procurem-na. Se a poeisa é a alma deste povo tão particular, quem a cria e compreende é indubitavelmente o mais habilitado a representá-lo.

Por isso, e por outras razões mais, eu, monárquico e católico, vou votar em Manuel Alegre, um republicano agnóstico, no próximo dia 22.



PS: não é razão para isso, mas inspirado nesta campanha decidi-me finalmente a ler Alma, a autobiografia de infância de Alegre. O livro é magnífico e absolutamente cativante, como também o afirma esta já longínqua recensão. Encontrem-no e devorem-no, mas tentem não o fazer em transportes públicos durante o fim-de-semana, não vão sofrer acusações de "violação do dever de reflexão" iguais aquelas que recaíram sobre Mário Soares há pouco tempo.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Lembrei-me há pouco




Este blogue faz hoje dois anos. Nunca pensei que durasse tanto. Já pensei em parar, mas não consigo. Por isso, este espaço vai continuar, para infelicidade de quem cá vem. A esses, o meu agradecimento pela resistência. O essencial disse-o há um ano, e os estatutos continuam actualizados.

domingo, janeiro 15, 2006

Histórias de sondagens

Uma reportagem televisiva de ontem recordou-me tempos passados a calcorrear montes e vales, de manhã cedo até altas horas da noite, com incómoda cargas às costas, e em difíceis contactos com as populações locais. Pensarão de imediato: será que ele era carteiro? Almocreve? Caixeiro-viajante? Vendedor de enciclopédias?

Nada disso, caros (eventuais) leitores. O que eu fazia, nos meus tempos de estudante da eterna UCP, era o trabalho prático, de campo, para as famosas sondagens RTP/Universidade Católica/ Público. Eu e mais uns quantos, que acorriam ao "recrutamento" como gato a bofe, porque o trabalho, ainda que fisicamente exigente, era monetariamente compensador para as nossas modestas carteiras de mancebos de vinte anos.
Onde se lê "trabalho de campo" deve-se entender, muitas vezes, em sentido literal. Porque ao contrário do que é corrente, os estudos não eram feitos por via telefónica, com voz metálica e robotizada, perguntando pelo dono da casa. Íamos directamente ao cerne da questão, à soleira das casas dos entrevistados, pedir-lhe a sua opinião, oral ou escrita, se fosse o voto. Para tal, usávamos os nossos boletins e uma urna eleitoral, presa ao ombro, que nos arranhava a carne, embora nem fosse tão pesada quanto isso. Fazíamos o clássico porta-a-porta, mas tínhamos de estabelecer um intervalo entre casas, ou andares, se fosse num prédio, dependendo da particular concentração populacional nas diferentes localidades que visitávamos.

Como éramos da UCP Porto, fazíamos a metade norte do país, até ao mondego. Os sítios para onde nos deslocávamos eram do mais contrastante possível. Iam do centro do Porto à mais remota aldeia da Serra da Peneda. no meu caso, lembro-me de ter andado pela Foz do Douro, a poucos passos da faculdade, mas de ter ido igualmente a Ermesinde, Ançã (Cantanhede), São João da Madeira, Marco de Canaveses, Nelas, Pinhel e, na minha estreia, a Almalaguês.

Esta localidade é, para quem não sabe, uma freguesia do concelho de Coimbra, a uns quinze kilómetros da cidade dos estudantes, mas com recantos de uma ruralidade inimaginável. Dispersa em meia dúzia de lugares, nem sempre era fácil percorrer a freguesia. Algumas pessoas recebiam-nos com desconfiança, pensando que íamos fazer um peditório ou propaganda a uma qualquer seita. Outros, pelo contrário, demoravam-nos e faziam-nos perder tempo precioso, falando da estrada em más condições, dos horários da carreira, dos impostos, de todo o tipo de mazelas, como se conhecêssemos perfeitamente a terra e os seus problemas.

Uma das regras básicas e obrigatórias neste tipo de sondagens é o de entrevistar a última pessoa a ter feito anos naquela casa. Não sabia exactamente porquê, mas aquilo era sagrado, por razões de fiabilidade estatística. Acontecia por vezes termos alguém predisposto a responder, com toda a boa vontade, na única casa em centenas de metros, mas... a última pessoa do algomerado que tinha feito anos há menos tempo estava ausente. Desapontadíssimos, tínhamos de agradecer com um sorriso amarelo e partir para outra tentativa. E, digo-vos, era duro, até porque, como já disse atrás, raras vezes as recepções eram calorosas.
Outro dos efeitos da regra dos aniversários revelou curiosas situações de patriarcado: numa garagem, a família encontrava-se toda reunida, e a pessoa habilitada pelo nosso método a responder era a dona da casa. Mas sempre que punha as questões do inquérito, era sempre o marido que respondia; quando me dirigia directamente à senhora para que fose ele a responder, ela levantava a cabeça do fogão onde cozinhava e retorquia: "é assim como o meu marido diz".

O desconhecimento sobre a política nacional e os seus protagonistas era também grande noutras terras esquecidas, como numa dos distrito da Guarda, onde um idoso me disse que por ele "era do CDS do Professor Freitas do Amaral"; mais adiante, um casal afirmava-se "pelo PS do Mário Soares". Só faltaram mesmo invocações de Sá Carneiro, Cavaco ou Cunhal. O inquérito, note-se, era para a regionalização. Também se verificava a tendência em votar em quem já ocupava o lugar; certa inquirida, depois de considerar que a sua autarquia estava má em todos os aspectos, acabava por confessar que votaria no mesmo presidente, porque gostava muito dele. E até pude assistir à caricaturada e espremida confusão entre cultura e agricultura!

Encontravam-se pessoas de todo o tipo nestas viagens, desde rapariguinhas com menos de vinte anos já casadas até idosos que ficavam sem perceber bem as nossas intenções, mesmo depois de acabado o inquérito, ou ainda outras pessoas que receavam ficar com o nome na polícia ou aparecer na televisão (os inquéritos eram rigorosamente anónimos). O "Portugal profundo" estava ali, vendo os dias passar com o mesmo vagar de sempre, indiferente à política nacional e aos acontecimentos do mundo, mais preocupado consigo mesmo, com a família e os problemas locais do dia-a-dia, desconfiado dos forasteiros e dos que lhe quebrassem a pacatez habitual. A experiência das sondagens permitiu-me isso, entre outras coisas. Também me deu a possibilidade de conhecer os meus companheiros de trabalho, pessoas que às vezes mal conhecia de vista da faculdade, como um ex-colega meu que mais tarde venceu um reality-show televisivo e agora entre num programa de humor da mesma estação.

Por isso, se alguma vez um estudante de urna ás costas, com o crachá do Centro de Sondagens da Universidade Católica, lhes perguntar para responder às suas perguntas, não o enxotem de pronto, e se não tiverem nada ao lume, respondam às suas peguntas. Há duas boas razões para isso: a primeira é que o inquiridor agradece imenso qualquer inquérito feito, até porque o seu trabalho só acaba quando todos estiverem preenchidos, excepto por razões de força maior; não se pode voltar com folhas em branco para a base. A segunda é que estas sondagens são realmente fiáveis, como já se pôde comprovar, e são as que mais se aproximam dos resultados finais. Muito mais do que se fossem feitas por telefone, com toda a probabilidade. São razões de sobre para não tratar o inquiridor como um intruso inoportuno. É ele que calcorreia o país para que se fique com ideia de quem vencerá os escrutínios, e para que os jornais tenham matéria de sobra com que dissertar.

Ah: podem informar-se melhor aqui, e já agora dar-lhe os parabéns pelo primeiro aniversário.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Os nomes dos blogues

Como já disse num post passado, as eleições presidenciais são uma coisa que pouco interesse me desperta. Só mesmo a campanha, uma coisa que aterroriza Vasco Pulido Valente e semelhantes, é que me sugerem uns sorrisos de ocasião, ao ver Soares nas suas sete quintas a dançar nos mercados, o embaraço de Alegre só atenuado em Coimbra, os abraços a que Cavaco está sujeito, as aventuras de Jerónimo e Louçã por terras da margem sul do Tejo (e não só: nesta campanha, já vi pessoalmente o líder bloquista duas vezes, na Baixa do Porto) e as visitas de Garcia Pereira a terras de Basto, com a sua comitiva enfiada num Mercedes dos tempos da RDA.

Tenho também prestado uma curta atenção a alguns blogues "não oficiais". O conteúdo, como cá fora, serve em 80% dos casos para atacar aquele que se pensa ser o adversário directo. Mas a concepção e os participantes têm o seu valor, assim como as denominações. Mas, neste campo, quero fazer uma ressalva: Pulo do Lobo, Super Mário e O Quadrado são nomes bem achados e que fazem uma subtil ligação aos candidatos respectivos. Todavia, nem todos se recordarão dos fins de semana do Professor no "Portugal profundo", nem das personagens dos jogos da Nintendo, ou menos ainda de algumas colectâneas de contos recém saídas do prelo. Assim, e de nada valendo nesta altura do campeonato, darei apenas o meu contributo moral: proporia alternativa e respectivamente os nomes de O Bolo Rei, O Bochecas, ou A Mim Ninguém me Cala. Garanto que os candidatos ficariam imediatamente identificados pelo português comum. Eu sei, já é tarde, mas vale a intenção, lamentavelmente atrasada.

domingo, janeiro 08, 2006

As novas Sete Maravilhas

Leio no jornal que já são apenas vinte e um os candidatos a "novas Sete Maravilhas do Mundo". Parece que a escolha final vai ser feita pelo público - o que me deixaria apreensivo, não fosse a lista bastante razoável - via telefone (não me perguntem os custos das chamadas, que serão certamente embaraçosos).
Mentalmente já tenho algumas ideias. Para começar, a Pirâmide de Keops, por inerência, como representante única das Sete Maravilhas da Antiguidade. Depois, claro, a Acrópole de Atenas, um dos monumentos que visualmente (e não só) me fascinou mais, no sopé da qual fica o espaço que deu nome a este blog. O romântico e afamado Taj Mahal seria outro digno representante, assim como o enigmático e solitário Stonehenge, outra construção que na altura me espantou. Do Novo Mundo, a Estátua da Liberdade, como legítima descendente do Colosso de Rodes; que me desculpe o Cristo Redentor, do Rio, mas Miss Liberty fisicamente é mais parecida com Apolo, e se um simbolizava a luz do sol, a outra representa a luz da Liberdade.
Temos portanto dois lugares vagos. Entre a Torre Eiffel, o Castelo de Neuschwanstein e a Grande Muralha, opto pela longa obra dos súbditos do Filho do Céu, que não só não tinha propósitos meramente estéticos como deve ter dado muito mais trabalho. E no fim? Escolhas não faltam, como as já referidas, ou ainda o Alhambra, Angkor Vat ou o representante da Roma Imperial, o Coliseu. Mas, retirando todo o simbolismo ou carga histórica, resgataria, se possível, uma lamentável ausência da lista dos vinte e um por razões puramente visuais. E seria ainda no Extremo-Oriente. Sim, a Sétima Maravilha seria o palácio do Potala, em Lhassa, antiga morada dos Dalai Lama.
Agora, podem escolher a oitava, se quiserem. Mas é complicado. Já ouvi milhares de vezes referências à "oitava maravilha", e eram sempre radicalmente diferentes umas das outras.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Tristezas de diferente grau

Decididamente o ano não está a começar bem. Espero é que seja apenas uma fase pior e não uma antevisão dos próximos doze meses.

Para começar, a Tasca da Cultura fechou as portas. Digam o que disserem, para mim era um blogue de referência, um dos primeiros que comecei a seguir, intrigado pelas suas "histórias de uma família sem metáforas". Aliás, "fecho" não é o termo correcto. Houve sim um trespasse (provavelmente a primeira operação do gênero entre blogues, embora eu duvide que tenha obedecido às regras da legislação comercial), por parte do Bom Selvagem, esse mito da blogoesfera, cuja saída implica na prática o fim da Tasca como a conhecíamos; o trespassário dá pelo sigla de DEF, acolitado por uma companhia com iniciais MDB. A ver vamos...

A catrefada de jogadores que chegaram ao SLB também não é de molde a animar as hostes. Moretto chegou envolvido numa confusão com estalos à mistura, rufias, amizades quebradas e supostas tentativas de desvio por parte do Porto. Cá para mim, trazia-se de volta Yannick Quesnel do Marselha (que já não precisa dele) e a vaga ficava preenchida.
Marco Ferreira é outro mistério que não se percebe, só mesmo por gula. Fonte será eventualmente para acautelar o futuro. Manduca é um jogador interessante, que veio a baixo custo, embora eu pessoalmente não tivesse mandado Bruno Aguiar definitivamente embora. Ainda nos vamos arrepender largamente. Mas pior do que isso é a vinda de Laurent Robert. Não é que o francês faça má figura ou seja caro, mas para além dos trinta aninhos, a sua vinda só demonstra uma coisa: que simão está mesmo de saída. Luís Filipe Vieira refutou essa hipótese? Ah, pois, ainda deve estar a negociar se vende o passe por dezasseis ou dezoito milhões de euros. Vão por mim.

Mas má notícia a sério é o desaparecimento de Carlos Cáceres Monteiro, jornalista da primeira linha dos acontecimentos, quantas vezes perigosos, antigo responsável de O Jornal, até ao fim director da Visão. Deixou-nos neste início de 2006, com apenas 57 anos. A descrição da sua vida profissional, como jornalista acompanhando as mudanças no mundo, é simplesmente fabulosa. Pudesse eu escolher e seria esta a minha actividade, para a qual, diga-se, precisaria de coragem e perseverança, a mesma que Cáceres Monteiro tinha a rodos.

terça-feira, janeiro 03, 2006

2006

Sob o frio e a humidade, lá entramos em 2006. Depois do habitual convívio familiar, tive um resto de primeira noite de Janeiro algo tonitruante, ou, como diriam os cabeças de cartaz do evento onde me encontrava, "um tanto ou quanto atarantado". O dia seguinte - ou a continuação do mesmo - serve, logicamente, para a recuperação do corpo e do espírito, mesmo que desta vez tenham falhado os tradicionais Concertos de Ano Novo da saudosa Viena.

Uma notícia triste, para começar, a ensombrar o já deprimido panorama cinematográfico portuense: como já temia, o cinema Nun Álvares fechou as portas. A último sala de bairro da cidade (se não contarmos com o teatro do Campo Alegre e o"alternativo" Passos Manuel) acabou. O cinema mais próximo de minha casa, o mais acolhedor; a sala onde assisti aos primeiros filmes no grande ecrã, aí com cinco ou seis anos. Nessa tela vi coisas como 24 Hours Party People, Diários de Che Guevara, O Delfim, Gosford Park (ainda com muito público), e muitos outros. ainda me lembro, há coisa de doze anos, de haver centenas de pessoas a acotovelar-se para ver Jurassic Park.Mas nos últimos tempos era visível a falta de público, e dá-se agora o inevitável fecho, já prevista no blog Hoolywood neste post em tom de lamento. Como se tivesse um mau pressentimento, estive lá no último dia, a ver Oliver Twist, de Polansky (a penúltima vez fora pouco antes, a seguir à vitória do Benfica sobre o United, para ver a Marcha dos Pinguins e assim acalmar-me um pouco da emoção do jogo) . No dia seguinte encerrava-se o Nun´Álvares.



Restam-nos agora os multiplex e os centros comerciais. Os filmes podem ser os mesmos (no caso do Nun Álvares não são com certeza), mas as salas e o ambiente, como todos sabem, nem por sombras. Alguns dir-me-ão sempre, como já vi escrito, que "são as regras do mercado", que estas lamúrias são típicas dos portugueses, que "é por atitudes destas que somos um país de pedintes", etc. Mas eu, se não se importam, estou-me a borrifar para o que dizem as leis do mercado em casos destes e agradecia que me deixassem as minhas próprias lamúrias em paz.

Lamentos à parte, vamos ver o que nos reserva 2006.