terça-feira, abril 29, 2014

Vasco Graça Moura 1942 - 2014


Na torrente de mortes de figuras públicas dos últimos tempos, a de Vasco Graça Moura não surpreendeu, infelizmente. Sabia-se que estava doente há já bastante tempo, minado pelo cancro já metastizado. Na cerimónia de entrega da Grã-Cruz de Santiago e Espada, em Janeiro, na Gulbenkian, isso já era bastante visível.

Mas de entre todas as mortes recentes, esta é talvez a que sinto de mais perto. Embora só tenha falado uma vez com Vasco Graça Moura, o seu nome era uma referência muito presente na minha família e na geração dos meus pais, a que viveu intensamente os anos setenta e que se encontrava alegremente no bar do Hotel Boavista. Dizem-me que eu, que tão pacato era em tempos de que já não me lembro, me portei pessimamente na única vez que me levaram a sua casa. Mas ele não se importou minimamente. Provavelmente, politicamente incorrecto como era, não se importaria que as regras fossem quebradas por uma criança quase de colo. Mesmo em sua casa. Apesar de ao mesmo tempo dar uma enorme importância à ordem e à autoridade.


Esta faceta provocadora e frontal era das mais notórias, o que lhe granjeou imensos ódios. Isso e o empenho político. Era o puro intelectual engajado, só que ao contrário da grande maioria, não escolheu o lado dos "amanhãs que cantam" nem do "antifascismo" (o que lhe criou ódios suplementares). Aderiu ao PPD em 1975, e anos mais tarde tornar-se-ia o intelectual do cavaquismo (dizia-se "cavaquistíssimo"), embora sempre se tenha considerado de centro-esquerda. Também ocupou cargos políticos, como o de eurodeputado, e, brevemente, como Secretário de Estado nos governos provisórios. É verdade que era por vezes bastante sectário, e demonstrou alguns dos piores tiques do intelectual partidarizado. Mas seria sempre reconhecido muito para além disso. Era um tradutor notável, essa função tão desgastante e tão pouco reconhecida, que traduziu Shakespeare, Dante, Petrarca, autores franceses e alemães (e aprendia as línguas como uma autodidacta). Notabilizou-se como poeta, ensaísta e ficcionista (talvez a sua obra menor). Presidiu à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, à Fundação da Casa de Mateus,  comissariou o pavilhão português na Expo 92, de Sevilha, e ainda teve funções directivas na Gulbenkian, para além de outros cargos, sempre com assinalável competência. Era presidente do CCB e cumpriu funções até limiar das suas forças e ao último dia. Ganhou ainda um conjunto de prémios e distinções literárias de relevo, como o Prémio Pessoa. Ironicamente, sendo um portuense, foi um dos autores da ideia, juntamente com Mega Ferreira, de se organizar uma exposição mundial em Lisboa, que como sabe deu frutos e se tornou na majestosa e saudosa Expo-98. Para além das páginas, talvez seja esse o seu legado mais conhecido. A memória de um grande, de um autêntico Intelectual perdurará ainda durante bastantes anos, espero eu. E as cinzas regressaram ao seu Porto que em sua honra declarou dois dias de luto municipal, e que devia, imperativamente, imortalizá-lo na sua toponímia.

segunda-feira, abril 28, 2014

O que nos resta dos "Capitães de Abril"


 A propósito dos quarenta anos do vinte e cinco de Abril e das suas comemorações (sem nada de novo, excepto alguns murais), lembrei-me daquela expressão duvidosa "os melhores...são os que estão no cemitério". No caso dos Capitães de Abril isso é mesmo verdade. Foram-se Melo Antunes, Jaime Neves, Vítor Alves, Marques Júnior (estes há bem pouco tempo), e sobretudo Salgueiro Maia, o homem do terreno, que deu o peito às balas, que permitiu que a revolução não fosse sangrenta (houve sangue, mas não por sua culpa) e que se transformasse quase numa celebração, que protegeu Caetano e os ministros, que depois se remeteu ao seu quartel e à sua carreira, discretamente, sem exigir louvores ou promoções, nem constituír a sua própria "força revolucionária", traído por uma doença que o levou demasiado cedo e que, sabe-se agora na altura em que propuseram a transladação do seu corpo para o Panteão Nacional, quis imperiosamente ficar em campa rasa. Em vez disso ficámos com a eterna cara de pau de Otelo, o amnistiado, e as proclamações do inaturável Vasco Lourenço, sempre a ameaçar com nova intentona contra os governos de que ele não gosta e que por acaso têm um suporte eleitoral maioritário. Grandes democratas, como se sabe. Valha-nos que ainda há um ou outro como Sousa e Castro para conservar um mínimo de bom senso.


sábado, abril 26, 2014

Grand Budapest Hotel

 
Antes de o ver, já imaginava que Grand Budapest Hotel seria um dos filmes do ano, mesmo que estejamos ainda em Abril. Não me enganei. Os filmes de Wes Andersson nunca me desiludiram nem me levaram ao engano.
Está lá tudo: a riqueza combinada com rigor estético, o retro-fashion nostálgico impecável, os laços de paternidade subsidiária, o elenco impressionante, com rostos de sempre (Bill Murray e Owen Wilson, claro) e algumas estreias (a começar pelo protagonista, Ralph Fiennes). Desta vez, o cenário passa-se na Europa Central, em épocas diversas, fazendo flashes de flashes do passado, mas sempre com o Hotel do título como cenário. Mas a acção principal dá-se em 1932, na fictícia república de Zubrowka, típico estado da Mitteleuropa arrancado ao Império dos Habsburgos, em que o Grand Hotel, sob a guarda do seu zeloso concierge, atrai aristocratas de todo o continente. Em fundo, a ameaça de invasão militar, a fazer lembrar o Anschluss. Não faltam exércitos "prussianos", com oficiais disciplinados mas respeitáveis (lá está, entre o espírito prussiano e o austro-húngaro), agentes psicopatas directamente vindos das SS (ou no caso, das ZZ), estâncias de inverno, mosteiros beneditinos nas montanhas, aristocratas decrépitos, cidades barrocas, pastelarias quase de fantasia e um conjunto de personagens bizarras e multi-étnicas, como é comum nos filmes de Andersson, a começar no paquete Zero Mustafá, que anos mais tarde se tornará no proprietário do hotel e narrará toda a história, já num ambiente soviético decadente. Mas o filme reveste-se de todo um típico ambiente de entre-guerras, já nostálgico do passado e a pressentir a vinda de um novo mundo, não necessariamente melhor. Não é por acaso que o cenário real do hotel baseia-se em Karlovy Vary, uma deliciosa cidade termal, hoje checa, a fazer lembrar Sintra, mas com mais floresta, e também em Dresden (curiosamente passei pelas duas no espaço de horas) e em Gorlitz. E aquela dedicatória a Stefan Zweig, um autor outrora muito na moda e cuja obra está felizmente a ser reeditada, depois de longos anos de relativo esquecimento. Zweig era um dos grandes representantes desse mundo legado pelo império dos Habsburgos, e acabou com a vida, fugido da 2ª Guerra, porque acreditava que tinha acabado definitivamente. A dedicatória é não só compreensível como inteiramente merecida.
 

terça-feira, abril 22, 2014

Trinta e três


Deixemos as habituais piadas de "Jorge Jesus ressuscitou na Páscoa" e as referências ao número trinta e três como idade de Jesus aquando da sua morte (sim, esses também usei no último post). A Páscoa é também época de arrependimento e redenção. Por isso, há que fazer mea culpa: precipitei-me quando escrevi isto e isto. Achei que a época seria um fiasco total, que Jesus  era prejudicial e que ficaríamos atrás do Porto, que faria uma época q.b., embora com mais dificuldades, e do Sporting, em recuperação. Nada disso sucedeu, felizmente. E embora eu ache que talvez outro técnico conseguisse os mesmos resultados, e que o Benfica tinha sérias dificuldades no início da época, tenho de reconhecer que Jorge Jesus corrigiu vários erros, teve força para unir e acalmar a equipa quando necessário e levar a nau a bom porto. Também Luís Filipe Vieira arriscou todas as fichas e ganhou. Seria sempre injusto recusar o mérito a quem o teve.


E por muito que se diga agora que o Benfica teve o caminho facilitado pelos erros clamorosos do Porto e pela "verdura" do Sporting, é bom recordar que os escolhos não foram poucos: a depressão do terrível final da época passada ainda estava nas cabeças de todos, o péssimo início de campeonato, o clima tenso no balneário, ainda sem sanar o caso de Cardozo, as inúmeras lesões, que ainda não terminaram (vejam-se Salvio e Sílvio, que começaram lesionados e  lesionados terminam), e até o desaparecimento de símbolos vivos como Eusébio e Coluna, que podem ter servido também de incentivo à equipa. A verdade é que o Benfica começou a mostrar melhor futebol precisamente quando morreu o "Pantera", no jogo contra o Porto, verdadeiro click deste campeonato. A partir daí só não ganhou um jogo (em Barcelos), dando pelo meio um baile de futebol ao Sporting, chegou às meias finais da UEFA, com cinco triunfos e um empate, e classificou-se para a final da Taça de Portugal, afastando um derrotado FCP. Melhor seria quase impossível. E neste domingo de Páscoa, alcançou o 33º título, pondo como sempre meio país em festa. As imagens dos festejos no Marquês de Pombal foram particularmente impressionantes, com aquelas tochas a fazer lembrar a recente revolta na praça Maidan, em Kiev. Nem Sebastião de Carvalho e Melo escapou à camisola sagrada. Há quatro anos também ali estive, num cenário idêntico, mas desta vez limitei-me a festejar o triunfo em Vila Real, onde, como no resto do país, houve festa rija, inundando a Carvalho Araújo.


Passado o primeiro objectivo há que pensar nos outros. O próximo já aí está, contra uma fortíssima Juventus que dará tudo para ganhar a competição no seu estádio e que não deixou boas recordações na última vez em que defrontou o Benfica (que o diga Silvino, a quem partiram o nariz sob a complacência do árbitro). Exige-se a desforra contra a equipa dos Agnelli. A equipa do Benfica certamente que terá isso em mente. Isso depois de pôr um país a dizer TRINTA E TRÊS.

quinta-feira, abril 17, 2014

Uma vitória decisiva



Uma confissão que se impõe: tenho sido um homem de pouca fé em numerosas ocasiões dos últimos tempos. Não em Deus nem na Santíssima Trindade, mesmo que haja dias em que essa Fé esteja mais ou menos clara (Santa Teresa de Ávila explicaria melhor), mas no meu clube, o Benfica. Fruto das desilusões dos últimos anos, sem dúvida, e de acontecimentos que minaram a minha confiança. Nas coisas da bola sou supersticioso, e normalmente quando estou optimista as coisas saem ao contrário. Por exemplo, no ano passado estava convencido de que íamos sair das Antas com uma derrota. E quando entrámos nos empatados descontos, comecei enfim a crer que podíamos sair com um resultado satisfatório. Eis senão que o improvável Kelvin marca um golo saído do nada e de uma abada as coisas se alteram completamente. Nas semanas seguintes, tudo o que laboriosamente tinha sido construído pelo Benfica ruiu de forma trágica. E no início deste ano, parecia que a época se arrastaria tristonhamente, e que seríamos espectadores do confronto entre o Porto e o revitalizado Sporting.

Como se sabe, os acontecimentos seguiram outro rumo, particularmente neste segundo turno do campeonato, em que o Porto segue de desastre em desastre, o Sporting perdeu algum fulgor inicial, e o Benfica segue na frente quase imaculado, com oportunidade de ganhar mais taças e perto de um confronto com a Juventus. Ontem era um dia decisivo: perto de se tornar campeão, o Benfica recebia o FCP para a Taça de Portugal com a tarefa de dar a volta a uma derrota de 1-0 na primeira mão. As numerosas ausências já tornavam a missão bastante complicada. E a expulsão exagerada de Siqueira mais ainda, deixando o Benfica a ganhar por 1-0 mas a jogar uma hora com menos um. Mas os jogadores mostraram, para além da sua qualidade técnica, uma união, uma raça e uma vontade que ainda não lhes tinha visto. Mesmo em inferioridade numérica foram capazes de dar a volta ao jogo, e num ambiente absolutamente louco, André Gomes marcou um fabuloso golo que pôs o Benfica no Jamor. Mas a importância desta vitória passa além da própria Taça: revelou que o Benfica perdeu o temor ao Porto, que afastou os fantasmas dos últimos anos e que marcou uma posição que poderá ser importantíssima para o futuro. Tem a hipótese de ganhar mais troféus e retirou ao Porto a possibilidade de atenuar a desastrosa época que vem fazendo, incluindo a supertaça do próximo ano, onde por norma estão representados. Se isso significa que se mudou um ciclo no futebol português só se verá daqui a uns tempos. Mas se alguém ainda negava, ficou provado que o Benfica é sem sombra de dúvidas a melhor e mais confiante equipa portuguesa da actualidade. O duplo confronto com a Juventus será o grande teste internacional desta época.


quarta-feira, abril 16, 2014

Domingo de Páscoa não é Domingo de bola

 
É certo que o Benfica está à beira de ganhar o 33º título de campeão nacional. E que ainda está envolvido em mais três provas, quase umas em cima das outras, uma contra a Juventus e outras duas contra o Porto (a próxima é hoje e o Benfica não só parte em desvantagem como tem cinco titulares lesionados), qualquer delas muito difícil de conquistar. Mas apesar disso, disputar um jogo, para mais aquele que pode dar o título de campeão, no Domingo de Páscoa, não é uma escolha acertada. Por alguma razão não há jogos na Páscoa: mesmo que nem todos comemorem a Ressureição, é sempre um dia para reunir a família, à mesa e onde for. Em Portugal, o futebol não é exactamente como no Reino Unido, nem sequer como em Espanha, não é um factor de aglutinação familiar. Arriscamo-nos ainda mais a esboroar os momentos familiares sacrificando-os à idolatria desportiva. Por isso mesmo, devia-se deixar o dia que marca a quadra livre de competições oficiais. Até porque os jogadores também merecem gozá-lo. O Benfica podia perfeitamente jogar no Sábado ou na Segunda à noite, que era quase igual, e não inaugurar um mau precedente, que ameaça banalizar a Páscoa e transformá-la num simples Domingo em que há bola e em que algumas famílias se decidem reunir ao almoço. Já que os compassos se tornaram raros, ao menos mantenham o cabrito pascal.
 
PS: para mais, se o Benfica ganhar, haverá inundação de piadas que já circula, como "Jorge Jesus ressuscitou na Páscoa", ou "na Páscoa o Benfica tem tantos títulos como a idade de Jesus".

terça-feira, abril 15, 2014

O grande fogo de Valparaíso


A magnífica Valparaíso, a maior  pérola da América do Sul no Pacífico, segunda cidade chilena e sede da respectiva assembleia nacional, uma espécie de S. Francisco do hemisfério Sul, com uma extensa baía e bairros de casas coloridas a despenhar-se das colinas, unidas por eléctricos e funiculares, está por estes dias sob chamas e sob fumo. Quinze pessoas morreram, várias ficaram gravemente feridas, quase três mil casas foram destruídas, e milhares de pessoas foram desalojadas. Não se conhecem ainda as causas do fogo, que trepou e desceu pelas colinas, sem dar grande oportunidade de o apagar. A zona da baía e o centro terão ficado incólumes, bem como o parlamento, mas muitos bairros mais modestos foram completamente destruídos, deixando milhares sem nada. Ainda há dias "viajei" por Valparaíso, no âmbito de um trabalho de pesquisas baseada na net, e descobri que não só é uma cidade encantadora como tem uma vida cultural intensa e vibrante. Apeteceu-me na altura fazer as malas e voar, ou mais ainda, navegar até lá. Se o tivesse feito estaria provavelmente a apagar fogos e a ajudar no rescaldo. Valparaíso bem merecia.



 
 

As chamas à noite, com a Assembleia Nacional chilena em primeiro plano.




segunda-feira, abril 14, 2014

Enfim um Bispo para o Porto



O Porto e a sua milenar diocese têm finalmente Bispo. Já não era sem tempo. Desde Julho, altura em que D. Manuel Clemente ocupou o Patriarcado de Lisboa, que a Sé do Porto não tinha titular. Durante o hiato, especularam-se nomes, como D. António Marto, bispo de Leiria e Fátima (e saudoso professor de mundividência cristã na Católica do Porto) e D. António Couto, bispo de Lamego (e, segundo me dizem, também ele um excelente pedagogo), ou mesmo D. Pio Alves, o administrador apostólico que geriu o lugar enquanto não era nomeado sucessor de D. Manuel Clemente. Depois de tão longa espera, a escolha: D. António Francisco dos Santos, até agora bispo de Aveiro, será o novo titular da Diocese portuense. O facto de os aveirenses terem ficado pouco contentes com esta mudança é bom sinal para o Porto.

Na semana passada D. António tomou posse como Bispo do Porto, com a Sé e o terreiro fronteiro a abarrotar de gente, tanto leigos como clérigos das mais diversas ordens religiosas, e seminaristas diocesanos. No portal da sé, o bispo cumprimentou as pessoas que o apludiam, com ar risonho mas algo envergonhado e humilde. É um bom sinal. O Porto tem novamente bispo. De novo um António, o mesmo nome de alguns bispos notáveis que passaram recentemente por esta diocese, como eram D. António Barroso e D. António Ferreira Gomes.

sexta-feira, abril 11, 2014

Desaparecimentos recentes

Não conheço a fundo a obra de Jacques Le Goff para fazer uma crítica póstuma à sua extensíssima obra de medievalista. Mas para além de uma carreira profícua, longa e honesta, há que relembrar o homem que sempre tratou a Idade Média como uma época extremamente complexa e rica, de alguma transição, mas nunca a "Idade das Trevas" e do "obscurantismo" com que os Iluministas a pintaram (ou melhor, descoloriram). Houvesse mais gente minimamente atenta a isso e que se prestasse mais a debruçar-se sobre a história do que a macaquear lugares-comuns e não veríamos sempre o epíteto "medieval" colado a situações menos positivas ou consideradas "ultrapassadas".

De José Wilker muitos falaram do seu papel na Gabriela (a original, já que tempo apareceu no remake com um papel totalmente diferente). Como não me posso recordar da novela que fazia com que os trabalhos do Parlamento encerrassem diariamente antes do seu começo, recordo o papel do actor em Roque Santeiro, tão ou mais popular (deu o nome ao maior mercado africano, em Luanda)que Gabriela, em que interpretava um  ex-artesão que todos julgavam morto, 17 anos depois da data presumida da sua morte, e que se tinha tornado entretanto um mártir popular e objecto de veneração e de comércio, quando na realidade era apenas um vigarista fugitivo. Morreu agora, com sessenta e tal anos, mas deixou o seu nome bem firmado no cinema, teatro, e claro, na televisão brasileira, exportadora de boa parte da imagem do gigante sul-americano que inventámos. Seria interessante se alguma vez passassem por cá a minissérie JK, sobre a vida de Juscelino Kubitschek, encarnado por Wilker.

sábado, abril 05, 2014

E um pouco mais abaixo, em Israel



Israel é um país sob críticas constantes. Algumas são justas e oportunas, sobretudo quando mais um colonato ocupa irregularmente uma terra pertencente a palestinianos. Outras são claramente abusivas e até aberrantes, como quando dizem que Israel tem "um regime nazi"(ou mais patético ainda, um regime "nazi-sionista"). Não haverá nenhum país nas proximidades de que se possa dizer da mesma forma que é um estado de direito.

Recentemente tivemos mais uma prova disso: o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert começou a semana condenado por um caso que remetia ao tempo em que presidia à câmara de Jerusalém, por um suborno que recebeu para dar luz verde a um enorme complexo residencial e que se tornou num dos maiores escândalos de corrupção no país. E o mais provável é que Olmert, que governou o país durante três anos depois do AVC do recentemente desaparecido Ariel Sharon e que enfrentou a crise do Líbano em 2006, dê mesmo entrada na prisão.

Mas já não é a primeira vez que uma alta figura de estado ouve uma sentença condenatória em Israel: em 2011 o ex-presidente Moshe Katsav (que protagonizou alguns segundos históricos ao falar com o então presidente iraniano, Kathami, no funeral do Papa João Paulo II) foi condenado em todas as instâncias a pena de prisão por violação. Registe-se que as primeiras acusações ainda vinham do tempo em que estava na presidência.

Pergunto-me se em países vizinhos poderia acontecer algo de semelhante. Houve o caso de Mubarak, claro, e agora o de Morsi, no Egipto, mas ambos resultaram da alteração da situação política por meio de revoluções ou golpes de estado, e não de um processo judicial apolítico que ninguém imagina que pudesse acontecer sem o seu derrube do poder. A maior parte dos dirigentes políticos do Médio Oriente tem uma condição financeira algo difícil de atingir com simples remunerações. A Arafat nunca se questionou a enorme fortuna que acumulou, na Síria o clã Assad tem um histórico de violação dos direitos humanos que veio até aos nossos dias. E mesmo na Turquia o primeiro-ministro Erdogan tem torpedeado os fortes indícios de nepotismo que se têm acumulado.

Por isso, a conversa de que Israel é "um estado ditatorial" deveria evaporar-se sempre que se apontar a incomparável diferença com que a justiça actua num e noutros países. Mesmo assim, haverá sempre obstinados que se recusam a olhar para isso e que, organicamente politizados, porão sempre em causa as evidências e dirão que se trata de "propaganda sionista".