sexta-feira, dezembro 29, 2006

A divisão da Somália


As fronteiras da Somália redefinem-se pela enésima vez em cem anos. Depois de ser uma colónia quadripartida entre a Itália, Inglaterra, França e Etiópia, de se ter unificado num território independente, de ter assistido ao colapso do regime de Siad Barre, à tribalização do seu poder (balcanização seria aqui um eufemismo) e a uma desastrosa intervenção da ONU, que deixou traumas bem conhecidos, contra Aidid e restantes senhores da guerra, o governo interino que tinha sido estabelecido com um pacto entre várias facções, há dois anos, acabou por ser varrido pela União dos Tribunais Islâmicos, ao que se crê com ligações ao terrorismo islamita. Os radicais islâmicos, seguidores de várias correntes como o Waabismo e o Salafismo, conseguiram entrincheirar o governo interino em Baidoa. E teriam certamente acabado com ele se a Etiópia, invocando ameaças ao seu território, não tivesse entrado em cena.

O conflito ganhou alguma dimensão religiosa (a cristã Etiópia contra os radicais islâmicos), e, como se viu pelos espectaculares avanços, a pátria de Selassié e do Prestes João mantém em bom estado o armamento cedido pela URSS. Mogadíscio caiu sem grande dificuldade, assim como boa parte do território. Agora, é o governo de Baidoa e seus apoiantes que avançam sobre os islamitas. Mas há que contar com a reacção da Eritreia. A jovem nação africana, que ajudou os actuais dirigentes etíopes a expulsar Mengistu do poder, vive agora em permanente conflito com os antigos aliados, e, por razões tácticas, auxilia os tribunais islâmicos. O Sudão, sob a presidência de al-Bashir, um dos responsáveis pela tragédia do Darfur, é outro dos apoiantes dos radicais. O Quénia posiciona-se ao lado da Etiópia.

A Norte, a Somalilândia, antiga colónia britânica que há já largos anos declarou a independência, apesar de não ser reconhecida pela comunidade internacional, tem conseguido manter a estabilidade e uma certa paz, com o seu governo misto, semi-democrático e com representação dos clãs. Assim o deixem no seu canto.

Um caldo étnico, religioso, territorial e cultural que promete não parar por aqui, num dos países mais martirizados de África, verdadeiro símbolo do estado anárquico sem rei nem roque. O seu futuro depende dos resultados dos combates em curso e da entrada em cena (ou não) dos diversos actores regionais, além da impotente União Africana, sediada precisamente na Etiópia. Veremos se é desta que a Somália consegue transformar-se em qualquer coisa que lembre um país digno desse nome.

PS: as origens da Somália e dos seus conflitos são mais facilmente percebidas neste post do Herdeiro de Aécio

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