Enquanto muito sonhavam ver Bono e os habituais óculos escuros, ladeado por The Edge de chapéu texano, Clayton e Mullen sob holofotes e neons, cantando o Vertigo entre os azulejos amarelos e verdes de Alvalade, o meu pensamento ia para aquela banda meio esquizofrénico, meio masoquista, proveniente de Boston, e que se tinha voltado a juntar após demasidos anos de separação. Isso mesmo: os Pixies.
Esse grupo, chefiado por um alucinado de mais de cem kilos com o estranho nome artístico de Black Francis/Frank Black, e por uma senhora com ar de dona de casa e voz estridente chamada Kim Deal, acompanhados pelo guitarrista filipino Joey Santiago e pelo baterista David Lovering, mudou a face do rock dos anos oitenta/noventa, com o seu noise (menor que o dos Sonic Youth, apesar de tudo) melódico, que influenciou gente como Kurt Cobain - ainda que este nunca lhes tenha chegado aos calcanhares. Músicas cantadas (ou berradas) ora em inglês, ora em espanhol, sobre OVNIs, praias portoriquenhas, mentes a explodir ou bastardias avulsas eram o mote deste quarteto. Claro que a dita influência não se notou assim tão bem a olho nu, já que os seus discos não rebentavam com as platinas da época, e muito injustamente, diga-se (veja-se esta notícia, se ainda estiver online). O que é certo é que a banda espalhou os pós que haveriam de criar o grunge e depois dissolveu-se, por decisão unilateral do seu líder que queria enveredar por uma carreira a solo.
A vida de Franck black não melhorou com isso; Kim Deal conseguiu alguma notoriedade com as suas Breeders; mas sabiam que a sua carreira se devia à mítica banda que fora a sua.
Há alguns anos atrás, também eu punha os Pixies como um dos três ou quatro grupos que mais gostaria de ver ao vivo, mas acrescentava sempre um desconsolado "mas isso é impossível, porque eles não se vão voltar a juntar", enquanto ouvia o seu álbum live.
Oh, homem de pouca fé que eu era! Algures no ano passado, os agora distintos quarentões decidiram-se juntar-se e fazer umas tournées, sem esquecer a Ocidental Praia Lusitana. Para meu infortúnio, não pude comparecer na comissão de boas vindas dos Pixies a Portugal, vulgo público do Superbock Superock, e, vésperas do EURO. Prometi a mim próprio que se me fosse dada mais uma oportunidade, não a perderia por (quase) nada. E assim sucedeu. Aí em Maio soube que voltavam para actuar no festival de Paredes de Coura. a 17 de Agosto. Essa data não mais me saiu da memória, até porque sabia que nessa altura ia estar igualmente no Alto Minho. Chegado o grande dia, e mesmo com problemas de óleo no carro (e mais de trinta kms pela frente), ainda sem bilhete e com os meus companheiros de romaria courense a cortar-se à última do hora, rumei ao local escolhido. Curvas e mais curvas depois, ao som do Death to the Pixies no discman da viatura, consegui deixá-la num qualquer campo convertido em parque por uma quantia exagerada. Tal como era a que se pagava pelo bilhete. Mas deu tempo para inspecionar o local, ( hélas, demasiado tarde para ver os Arcade Fire), comer e beber alguma coisa e dar uma vista de olhos à Blitz (a única coisa grátis em toda aquela noite). As rádios e TVs "jovens" andavam todas por lá, mas infelizmente não vislumbrei a Rita Andrade.
O sítio, novo para mim (Paredes de Coura era mesmo o único concelho do Alto Minho que desconhecia), é bastante acidentado, com numerosos altos e baixos e um anfiteatro natural, inclinado para o palco, com o rio Coura - ali quase um ribeiro - atrás. Devo dizer que o seu primo mais velho de Vilar de Mouros é bem mais confortável e menos poeirento, além da proximidade e acessibilidades.
O que é certo é que ainda assisti aos Queen of Stone Age, bem cá atrás, não fosse ser acometido de uma surdez crónica, tal era o som e a potência da banda, mas não desgostei. Com o hiato da praxe, aproveitei para me chegar umas centenas de metros à frente, até que, quase inesperadamente, sem nada que os anunciasse, os Pixies fizeram a sua entrada em palco. Carecas todos, menos a senhora. Frank Black ainda mais gordo e com ar de sono (Kim Deal também ganhou uns kilos), envergando roupas banais, nada de blusões de couro, óculos escuros ou chapéus de texano. O que é certo é desde o início atacaram os clássicos: Wave of Mutilation, Where is my Mind, Here comes your Man, tudo seguido, para pôr o público efervescente, muito embora algumas estátuas de cera no meio dessem a impressão de nunca ter ouvido tal coisa na vida. Estas figuras irritam-me particularmente, quase tanto como aqueles que no seu frenesim musical quase que agridem as pessoas ao lado à cabeçada involuntária.
Claro que depois de semelhantes temas, vieram as menos conhecidas, pontuadas sempre com um ou outro clássico a meio (como a soberba Gouge Away, óptima para se ouvir à noite, perfeita quando tocada sob o luar). Houve um encore e a oportunidade de ver Mrs Deal balbuciar coisas em português, na sua simpatia contagiante, antes de encerrar com o seu Gigantic. Sem grandes rasgos, foram 25 músicas em hora e vinte de espectáculo, mas é sabido que as canções do grupo de Boston não primam pela sua longa duração. Não sendo o concerto da minha vida, a coisa teve a sua piada e dei-me por satisfeito. Embora tivesse sabido a pouco, os lendários Pixies ficaram vistos ao vivo e a cores; mais um para a colecção; mas se voltarem a este torrão ibérico num futuro não muito longínquo, e se tiver uma oportunidade clara, não deixarei de os rever. Porque apesar de tudo julgo que ainda me devem algo; se assim for, considerarei sempre um tal evento como a segunda parte do concerto do qual estive à espera tempos a fio. Caso contrário, não será por isso que me vou chatear com eles.
PS: para provar a minha boa vontade, no regresso vim o caminho todo a ouvir a segunda parte do Death to the Pixies: um concerto ao vivo dado pelos mesmos em Utreque, por volta de 1990. Exactamente o que tinha ouvido antes, só que com mais voz e um pouco mais de "loucura".
2 comentários:
Admito q só conheço o clássico "Here Comes You Man..." mas quem conhece bem diz q gosta...
Abraço grande da Zona Franca
Há muito mais para conhecer. Além das músicas que referia, há outras, como Monkey gone to Heaven, Debaser, Allison ou gouge Away (talvez a melhor interpretada em todo o concerto). Não faltam aí colectâneas da banda.
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