sábado, outubro 31, 2020

Travar os turcos


A avaliar por algumas leituras rápidas, o culpado destes casos de terrorismo que ocorreram em França nos últimos dias é de Emmanuel Macron e das suas declarações. Só que Macron não incitou ninguém à violência; limitou se a dizer o que devia ser dito: que aquele país tem regras, que não podem ceder à violência de fanáticos e que quem não gostar de viver naquela sociedade não pode impôr regras e tem de se sujeitar às vigentes, dentro do sistema democrático e da liberdade de expressão que este concede.

 Se há alguém que tem de ser condenado é em primeiro lugar Recep Erdogan, um dos maiores incendiários do nosso tempo. Só este ano já enviou tropas para a Líbia para proteger a sua facção, reconverteu a Santa Sofia, outrora maior igreja da cristandade e nas últimas décadas um museu, em mesquita, apoiou o Azerbaijão na guerra contra a Arménia na questão do Nagorno-Karabakh nvectivando os arménios de forma inaceitável (um chefe de estado turco a dizer coisas semelhantes aos arménios equivale à chanceler alemã a insultar judeus) e agora diz que Macron tem "problemas mentais" e apela ao boicote à França; ou seja, a França é atacada no seu território por extremistas gritando "Alá Akhbar"e ainda recebe ameaças deste fulano. Relembre-se que nos anos anteriors já tinha um extenso currículo com a repressão aos curdos, a participação na guerra da Síria (onde atacou mais os curdos que o Daesh, por vezes até favorecendo este último nos ataques que realizava às YPG), a reacção à tentativa de golpe de estado de 2016 com a prisão de milhares de pessoas, tentou fazer comícios às populações emigrantes turcófonas em países europeus a quem, perante a evidente recusa, acusou de serem "nazis", etc, etc. Por importantes que sejam as relações comerciais com a Turquia, já é tempo de pôr essa sinistra criatura no seu lugar e de chamar os bois pelos nomes. Se assim não for, o sultão de opereta vai continuar a insultar e a incendiar impunemente, aproveitando-se de qualquer fraqueza para estender a sua influência neo-otomana. Agora talvez se perceba porque é que a Grécia tem uma fatia tão grande do PIB reservada à defesa.

Nenhuma descrição de foto disponível.

terça-feira, outubro 13, 2020

As Bodas de Prata da Britpop

 

Ah, os anos noventa. Depois da nostalgia dos oitenta, eis que a última década do século também desperta saudades, até porque invoca um tempo de paz, prosperidade e optimismo (coisa com que nem todos concordarão, sobretudo na Sérvia, Rússia ou Ruanda). E olhando para os tempos sombrios que atravessamos, essa sensação nostálgica ainda se acentua mais.

Como todas as décadas do último meio século, a cultura pop teve uma influência tremenda. O surgimento dos cinemas em multiplex, a TV por cabo, a entrada em cena, ainda que lenta, da internet (e dos telemóveis), e claro, a música, com os concertos de estádio e os festivais a replicar-se em cada Verão. A música pop, em especial, assistiu a uma melhoria visível em relação aos anos oitenta. Se ainda havia vestígios fortes do hard-rock orelhudo (de que os Gun´s Roses, com hercúlea popularidade, que aliás ainda se mantém, foram demonstrativos), surgiam outras correntes, mais despojadas e substantivas, como o Grunge, da região de Seattle, tendo os Nirvana, Pearl Jam e Soungarden como embaixadores itinerantes, grandemente influenciados pelo indie-rock dos Pixies e dos Sonic Youth.

No país que tinha inventado a pop-rock moderna, o Reino Unido, dominava o desânimo nos primeiros anos, passada que estava a época dos Queen, Pink Floyd, e também de Thatcher e dos Smiths, aliás (algo malevolamente) influenciados pela Dama de Ferro. Mas aí a chegar aos idos da década, e com um primeiro travão do Grunge, os britânicos começaram a ver uma luz. E ela tornou-se especialmente ofuscante no Verão-Outono de 1995, há precisos 25 anos, quando irrompeu a que ficou conhecida como a Batalha do Britpop, essa nova corrente que resgatava os Beatles e outros artista dos Swinging Sixties.

A imprensa musical britânica, bastante pujante à época mas desejosa de uma boa novela épica, aproveitou os novos lançamentos de dois grupos emergentes para criar uma guerra pop. Os Blur consolidavam a sua obra depois do excelente Parklife e os novatos Oasis lançavam-se ao "difícil segundo disco" após o prometedor Definitely Maybe, ambos de 1994. Antes do lançamento dos discos propriamente ditos vieram os singles, ainda em Agosto de 1995, com propaganda à altura, qual combate no ringue. Assim se cunhou a "Batalha da Britpop" e começou a rivalidade. Para mais, as próprias características sociológicas dos dois grupos prestavam-se a isso: de um lado os londrinos Blur, de Damon Albarn, de classe média e pólos Ralph Lauren; do outro, a classe operária pós-industrial de Manchester dos Oasis dos irascíveis irmãos Gallagher . O single dos Blur, Country House, venceu o primeiro assalto a Roll With It. Mas com os álbuns seria diferente. 


The Great Escape, dos londrinos, saiu logo em Setembro e teve enorme sucesso da crítica e do público, no Reino Unido (e vendas medianas na Europa). Em Outubro saiu (What´s the Story) Morning Glory, dos mancunianos, bem considerado pela crítica e um estrondoso sucesso comercial tanto no Reino Unido (onde ainda hoje é dos álbuns mais vendidos de sempre) como na Europa e nos Estados Unidos. A ajudar à festa, trocas de provocações e de críticas azedas, em especial vindas dos Gallagher, que nem entre si se entendiam. De qualquer das formas, a rivalidade teve tal impacto que os britânicos discutiam qual das duas era a maior banda pop-rock do Mundo, e consta que os nomes dos manos Gallagher, Liam e Noel, foram dos mais atribuídos às crianças do país em 1996, ano em que a Inglaterra recebeu também o europeu de Futebol, que curiosamente marcou o regresso da Selecção Portuguesa às grandes competições oficiais.


Mas nem só à rivalidade Blur-Oasis se limitava a Britpop. Na altura surgia a Terceira Via, protagonizada pelo emergente, sorridente e europeísta Tony Blair e o seu New Labour, prestes a abocanhar os despojos do imenso desgaste dos Conservadores. A Britpop também tinha a sua Terceira Via, com os Pulp, que por aqueles dias lançavam o fabuloso Different Class, com Jarvis Cocker dançando enquanto entoava Disco 2000 e Common People (diz-se que directamente inspirada pela mulher de Varoufakis). E embora não tivessem discos novos em 1995, os Suede também tinham direito ao seu galardão de pioneiros do gênero musical da moda. Outros aproveitaram a onda, como os Elastica, James, Ocean Colour Scene, Kula Shaker, The Verve, etc. E diga-se que esses meses nem foram propriamente destituídos de qualidade no que toca à pop-rock. Também em Outubro de 1995, igualmente há um quarto de século, os Smashing Pumpkins revelavam o superlativo Mellon Collie and the Infinite Sadness, e os Radiohead, a quem também tentaram erroneamente ligar à Britpop, tinham lançado The Bends.



Cavalgando a onda do estilo em voga e da Cool Britannia, Tony Blair chegou ao poder em 1997. Precisamente a altura em que a Britpop começava a esmorecer, sendo progressivamente substituída por outras correntes. Os grupos continuariam as suas carreiras, nalguns casos separando-se e voltando a
juntar-se (menos os Oasis, à espera da reconciliação dos irmãos), mas o êxito de meados dos anos noventa tinha ficado para trás, embora artisticamente tornassem a apresentar projectos válidos. De qualquer maneira permaneceu a memória desses saudosos meados dos anos noventa, protagonizada por personagens carismáticas, antes da música desmaterializada. Os protagonistas da Britpop estão vivos e activos, ao contrário da maior parte da brigada do Grunge, e comemorar as suas Bodas de Prata impõe-se numa altura mais sombria. Teremos com certeza mais novidades deles. Hurrah pela Britpop!