terça-feira, dezembro 31, 2013

O costume do dia de hoje

 
Ah, 2013. Tinha ainda tantos posts para escrever, mas infelizmente a voragem inexorável do tempo vai-me obrigar a deixá-los para o ano que vem (i.e. os próximos dias). E já que a pressão social nos obriga aos desejos, às resoluções para o novo ano, às retrospectivas com "os acontecimentos" e as "figuras" do que passou, à festa na noite de hoje, etc, desejo apenas o trivial: saúde paz, amor e convívio. Para mim, apesar de ter tido alguns momentos curiosos, 2013 desiludiu em vários capítulos. Por isso, e perdoem-me o egoísmo, espero que 2014 me surpreenda pela positiva, que já vai sendo tempo. Ah, e não esquecer que em 2014 A Ágora completará 10 anos de existência. Não é para todos os blogues, perdoem-me a imodéstia.

Um feliz 2014 para todos os leitores.

segunda-feira, dezembro 30, 2013

Albino Aroso 1923-2013


De Albino Aroso, justamente apelidado de "pai do planeamento familiar", só tenho uma discordância mais profunda quanto à questão da liberalização do aborto a pedido. De resto, o médico e professor portuense agora desaparecido aos noventa anos não o terá feito sem grandes lutas de consciência, e de qualquer maneira, poucos ou nenhuns, como ele, terão evitado tanto a mortalidade infantil reduzindo-a em Portugal a níveis que fazem inveja a todos os demais (e quanto algum estrangeiro lhes disser que Portugal é um país de "terceiro-mundo", lancem-lhe essa à cara). O seu modelo de planeamento familiar, construído com base em discussões e acordos, e nunca por imposição, permitiu isso e muito mais, melhorando consideravelmente as condições de maternidade e a saúde infantil, mesmo que para isso tivesse por vezes adoptado atitudes polémicas, a que o tempo daria razão, ou batido com a porta quando entendeu ser necessário. E é da mais elementar justiça que ao novo Centro Materno Infantil do Norte, quase a abrir, seja atribuído o seu nome.
 
 

quinta-feira, dezembro 26, 2013

O Madeiro entre os ventos


O tradicional Madeiro da véspera de Natal, em frente à Sé da Guarda, ficou cancelado por causa do temporal de vento e chuva que se fazia sentir na cidade dos três Efes (e em quase todo o país). Mas alguém desobedeceu ou ignorou o cancelamento, porque na manhã do dia de Natal, o Madeiro estava em brasa, apesar do vento diabólico e rodopiante que dominava o terreiro.
 


 
 

segunda-feira, dezembro 23, 2013

Natal no interior


Do frio que assola Beira interior, semi-protegido pelos montes que rodeiam o vale do Mondego, vos desejo a todos um santo e feliz Natal!

domingo, dezembro 22, 2013

Seta para cima para Rajoy


O Público de Sábado passado coloca Mariano Rajoy, o Presidente do Governo espanhol, com uma seta para baixo por causa da alteração à lei do aborto espanhola, considerando que é um "retrocesso", "uma vingança da direita espanhola em relação aos passos dados na era Zapatero", "e uma visão moralista e arcaica". Pois eu acho que desta vez Rajoy, que navega entre a incapacidade de fazer frente aos problemas sociais que afectam Espanha, como o desemprego, e a embaraçosa história do caso Barcenas e dos dinheiros distribuídos pelos dirigentes do PP, merecia uma seta bem para cima. Além de cumprir uma promessa dada nas legislativas de 2011, consegue reverter uma lei aberrante, que entre outras coisas permitia que raparigas com mais de 16 anos pudessem abortar sem autorização parental. É um retrocesso? Com certeza, e quando se caminha para o lado errado há que saber retroceder. Vingança contra Zapatero? Não seria o ex-governante do PSOE , que continuamente levantou tensões na sociedade espanhola, que recorria a provocações? Quanto à visão "moralista e arcaica", prefiro-a mil vezes à visão "amoral e progressista" que supostamente o Público tem. Os jornais não devem ser neutros, mas uma coluna não assinada soltar atoardas deste gênero mostra bem que há por aí quem não perceba que há quem seja contra o aborto, o considere uma prática degradante e banalizada, e a sua liberalização pura e simples um atentado contra a vida humana. digna dos tempos dos referendos, em que esse jornal, sem pudor, se dizia neutro ao mesmo tempo que fazia uma campanha descarada a favor da liberalização. numa altura em que há tantos contraceptivos e instituições que tratam de crianças, a insistência no aborto, para além de profundamente obsceno é que parece ser arcaica. Já agora, dizer que "ninguém é a favor do aborto" é uma perfeita mentira: não faltam pessoas a dizer-se "a favor do aborto", sem hesitações, nem desvairadas, como as Femen, que se manifestam de seios ao léu reclamando "o sagrado direito de abortar". A nova lei, que pelo que li parece-me nalguns casos bastante permissiva, é pelo menos uma lufada de ar fresco no ambiente "pró-aborto" que se vive na Europa e que mostra claramente não um "avanço civilizacional", mas uma degradante decadência de valores. Esperemos que esta atitude seja copiada no futuro, a começar por Portugal (coisa que só poderia acontecer em novo referendo).

quarta-feira, dezembro 18, 2013

As personagens reais que inspiraram Hugo Pratt


Mais de dois anos depois do fim oficial da guerra civil na Líbia, que começou com o levantamento da população de Bengazi, em Fevereiro de 2011, da morte do até aí todo-poderoso Muammar Kadhafi e da desintegração do regime "verde", o país permanece num caos, dividido entre milícias várias e grupos de jihadistas que não hesitam em atacar embaixadas e raptar membros do frágil governo vigente. É difícil adivinhar o futuro para esta imensa extensão de areia com uma costa habitável, dividida em três regiões naturais sobre enormes jazidas de petróleo.
 
Mas em tempos da 2ª grande Guerra, quando aquele território estava sob o domínio da Itália de Mussolini, houve alguém que se atreveu a "profetizar" o futuro daquela região. Escrevo entre aspas porque a "profecia", na realidade, datava do pós-guerra, e o "áugure" era o desenhador Hugo Pratt, criador do célebre Corto Maltese.
 
Numa outra série que assinou, Os Escorpiões do Deserto, Pratt narra as peripécias de um oficial polaco pouco ortodoxo, Koinsky, e a sua luta para minar as forças do Eixo no norte de África. A sua equipa, os tais Escorpiões que davam nome à série, era um grupo heterogéneo que juntava agentes sionistas judias, espiões gregos e beduínos da Cirenaica. 
É exactamente nesta região da actual Líbia que se dá um dos primeiros episódios, Nada a assinalar em Djaraboub. A cidade do título é um afrancesamento da al-Jaghbūb árabe, ou da Giarabub italiana (que inspirou mesmo um filme glorificando a presença dos transalpinos naquelas paragens), que se situa num oásis em pleno deserto líbio, e que era, e o álbum de Pratt refere isso mesmo, a cidade santa dos senússios, uma ordem muçulmana com ligações ao sufismo e que daria origem à dinastia dos Al Senussi, que reinou na Líbia até ao golpe de estado de Kadhafi, em 1969.
 
A propósito, no álbum, o líder espiritual dos senússios, Omar el Muchtar, que se revelará bem diferente do que parecia, tem o nome "emprestado" de Omar al Mukhtar, principal resistente líbio ao domínio italiano, que acabaria executado por estes, e cuja fotografia Kadhafi exibiu, colada ao uniforme, numa visita a Itália, para o recordar aos antigos algozes. Mas se repararmos bem, a personagem do livro lembra antes o verdadeiro líder da Ordem de Senussi à época, que se tornaria no Rei Idris, o primeiro soberano da Líbia unida, e também o último, porque seria destronado por um golpe de estado em 1969. Ou seja, Pratt resolveu fundir o resistente mártir e o líder espiritual e temporal, sem a menor sombra de dúvida, para criar uma personagem com fundamento que se visse.
                                                       Na foto de baixo, o Rei Idris da Líbia.
Mas o mais interessante é a personagem de Hassan el-Muchtar, de quem Pratt nos diz, na apresentação da personagem, o seguinte: "Hassan - sobrinho de Omar el-Muchtar, chefe espiritual da Senússia. Este beduíno representa para o seu povo a continuação da revolução dos senússios (Líbia)....Não se atreve a ser revolucionário, provavelmente por causa da sua formação. Mas Pratt garante-nos que o encontraremos mais arde, desemenhando um papel político mais vincado, no quadro da ideologia do seu país."
 
Hassan é um rebelde ambicioso mas precipitado, mais interessado no poder do que nos ensinamentos do Corão. Mas a menção de Pratt, a tal "profecia" do papel político mais vincado é curiosa. Em que grau se dará essa relevância política?
 
Olhando bem para a imagem, parece-me que adivinho: sim, isso mesmo, Hassan el-Muchtar não é outro senão...Muammar Kadhafi. O seu papel político será indubitavelmente vincado, mas a ideologia do país mudaria radicalmente para um regime de culto pessoal, misto de pan-arabismo, socialismo e islamismo. E a certeza confirma-se ao saber que os Escorpiões do Deserto tiveram a sua primeira edição em 1969, precisamente o ano da subida ao poder do então jovem coronel. Hugo Pratt daria portanto ao novel ditador honras de personagem numa das suas obras.

Não sei se seria uma demonstração de simpatia por Kadhafi e o novo regime, e de antipatia pelo velho rei Idris, cuja "inspiração" não fica bem na fotografia, ou neste caso, nos quadradinhos do álbum. O autor italiano era um rebelde, à boa maneira das suas personagens, e um iconoclasta, muito embora fosse simpatizante de ordens maçónicas. Certo é que que tanto Al Mukhtar, como Idris e Kadhafi passaram à história, e a eles sucedeu uma posição caótica cujo fim ninguém pode prever. Se fosse vivo, será que o desenhador italiano alteraria alguma coisa nos Escorpiões do Deserto? E a quem  - ou a que grupo, entre liberais, monárquicos, islamitas e "verdes" saudosistas de Kadhafi - atribuiria um futuro "papel político mais vincado"?
 

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Peter O´Toole 1932 - 2013

 
 
 
Lawrence da Arábia morreu pela segunda vez (um jornal diário roubou-me a graça). Mas agora, a valer. É que Peter O´Toole conseguiu ser mais Lawrence da Arábia do que o próprio T.E. Lawrence. Mas embora só esse filme, que conseguiu tornar o deserto no outro grande protagonista, fosse suficiente para o elevar à condição de mito vivo do cinema, "El Aurens" teve uma carreira de respeito, na qual recebeu de Hollywood sete nomeações ao Óscar de Melhor Actor, mas não conseguiu ganhar nenhum, excepto um Óscar honorário. E talvez essa eterna negação tenha igualmente contribuído para fazer dele um autêntico mito. Este Dezembro começa a ser um mês de desaparecimento de lendas vivas...

domingo, dezembro 15, 2013

As tristes figuras de uma estrela ressabiada

 
Edite Estrela sempre me pareceu uma pessoa de uma arroganciazinha irritante, num tom de pedagoga que não admite réplica. Agora confirmou isso tudo e ainda conseguiu ir mais além.
 
A votação desta semana no Parlamento Europeu de um relatório sobre "direitos sexuais" das mulheres, em que se recomendava, entre outras coisas, o acesso livre ao aborto em todos os estados e a introdução de educação sexual desde o ensino primário, da autoria da mesma Edite, acabou com o chumbo por parte do Partido Popular Europeu. Qual a reacção da sua mentora? Ao melhor estilo das radicais do Bloco ou do grupo Femen, queixou-se de que "a hipocrisia e o obscurantismo se tenham sobreposto aos legítimos direitos das mulheres”. A velha conversa, embora nunca tenha percebido como é que pessoas que defendem valores que consideram fundamentais possam ser considerados fundamentais possam ser consideradas hipócritas; e obscurantistas porquê, será Estrela a dona da verdade?
 
Como Nuno Melo naturalmente respondesse a isto, acusando-a de "democrata de circunstância " por não poupar ao insulto quem discordou da sua recomendação, Estrela conseguiu uma emenda pior que o soneto: a resposta do eurodeputado do PPE dever-se-ia à necessidade de fazer uma "prova de vida", porque a ele ninguém o conheceria, ao passo que ela é "a deputada mais famosa do Parlamento Europeu", e preveniu ainda os eleitores que "no momento da votação não é indiferente eleger uns ou outros deputados".
 
Pois não. Nisso, e apenas nisso, concordo com Edite. Porque não votar em Estrela traria sem dúvida uma maior higiene democrática ao PE. É que esta triste figura a que se prestou causou-me asco, vergonha e pena. Asco por fazer passar a estafada ideia do aborto sem restrições como um direito fundamental; vergonha por lançar-se em acusações inanes a quem votou de forma contrária; pena por não controlar a sua mitomania e julgar que é, mais do que meramente está escrito no seu apelido, a "estrela" do euro-hemiciclo.

quinta-feira, dezembro 12, 2013

Ideias geniais para fazer história com os estádios


A propósito de arquitectura arrojada de que já se falou aqui há poucos dias, lembrei-me de outro, francamente original, também respeitante a uma relíquia dos tempos do carvão e aço, à qual querem igualmente dar um destino diferente daquele para a qual estava destinada (embora não já a mudá-lo de lugar).

Londres, para além de ser uma metrópole global, possui uma infinidade de estádios: o Emirates, do Arsenal (de que se falará mais adiante), o Stamford Bridge, do Chelsea (que aqui nos interessa particularmente), o White Hart Lane, do Tottenham, o Upton Park, do West Ham, o Craven Cottage, do Fulham,o Loftus Road, do Queens Park Rangers, o Selhurst Park, do Crystal Palace, e muitos outros de clubes menores, já para não falar de recintos dedicados a outras modalidades, como o rugby ou o cricket, e, claro, o mítico Wembley e o Estádio Olímpico, construído para os jogos de 2012, e de que se diz ser objecto de interesse por parte do West Ham para uso futuro. Uma overdose de recintos desportivos, como se vê, e um pouco estranha para o habitual pragmatismo britânico (nisso, os italianos são bem mais poupados: nas grandes cidades, um estádio serve para duas equipas).

Com o crescimento desportivo do seu clube, Roman Abramovich cogitou que o Chelsea devia jogar num recinto mais nobre e maior do que o velho Stamford Bridge, já que por razões várias este não se podia expandir mais. Havia o problema de construir um novo estádio em local que não se afastasse muito dos territórios do clube. E no ano passado, surgiu a ideia salvadora: a estação eléctrica de Battersea, no centro da capital londrina, junto ao Tamisa, que em tempos alimentara boa parte da energia da cidade, desactivada há perto de trinta anos, era o sítio ideal. O edifício, já considerado um monumento londrino, é também um ícone da cultura pop, sobretudo desde surgiu como cenário do disco Animals, de 1977, dos Pink Floyd, então no auge da popularidade.
 

A ideia era original, vanguardista, provocadora: fazer de um venerável edifício industrial e símbolo pop um novo e espaçoso estádio de futebol,  para 60 mil espectadores, que provavelmente o tornaria ainda mais icónico. O Chelsea ganharia um novo estádio, dentro da "sua" área, e a Battersea Power Station uma nova vida. Imagine-se David Luiz, Óscar ou Hazard correndo às ordens de Mourinho sob as quatro enorme chaminés industriais que em tempos alimentaram a metrópole britânica. O clube londrino, até agora relevante graças aos dinheiros do multimilionário Roman Abramovic, que o guindou ao mais alto escalão do futebol europeu, tinha aqui uma oportunidade de ouro para marcar a arquitectura de estádios para todo o sempre.
 
 

Só que essa utopia dos relvados terá de ficar no papel e nas imagens virtuais: a oportunidade perdeu-se não por culpa do clube mas porque um grupo de investidores malaios ofereceu umas boas centenas de milhões de libras pelo espaço para construir, na velha fábrica e nas imediações, centros comerciais, escritórios, hotéis, habitação, etc, enfim, o costume. Gorou-se assim a hipótese de se criar um estádio-monumento único, por culpa do habitual investimento asiático, que venceu o russo. Não sei como vai ficar aquela zona, mas o impacto da velha estação não será com certeza o mesmo.

Mas apesar de tudo Londres já marcou pontos na preservação patrimonial respeitante a estádios. O caso do Arsenal, grande rival do Chelsea, é ilustrativo, mas por razões inversas: aqui, o património a preservar era o próprio estádio. Quando os gunners inauguraram o seu moderno e espaçoso Emirates Stadium, em 2006, tiveram obviamente que abandonar o velhinho Highbury, já demasiado acanhado para as ambições do clube, e destinaram o seu espaço para uma área residencial. Mas não de maneira a que se esquecesse a memória do antigo recinto: as bancadas de topo foram demolidas, as laterais convertidas em apartamentos e as fachadas exteriores sofreram alterações mínimas, de modo a conservar o mesmo aspecto que tinham quando ali se jogava futebol (e os símbolos do clube), pelo que alguém pode aparecer à janela ao lado do canhão que simboliza o Arsenal em baixo-relevo. No meio, construíram-se os jardins comuns do complexo residencial a que deram o nome de Highbury Square. Assim, o antigo relvado onde Isaías, Veloso e Paneira se cobriram de glória é um local para a miudagem brincar ou de simples encontro, preservando-se assim totalmente a forma e a memória da histórica casa do Arsenal durante quase cem anos.
 





terça-feira, dezembro 10, 2013

O traumatismo de Lenine


Lenine caiu na Ucrânia, com mais de vinte anos de atraso. O que admira é que só agora se tenham lembrado de expulsar tão ruim defunto e dar outro uso naquele pedestal, 22 anos depois da independência, quando a maior parte das estátuas do revolucionário já tinha sido apeada e se encontrava no ferro-velho. Entretanto, vários bocados da estátua já começaram a ser vendidos na net, o que demonstra que o capitalismo, com todos os seus erros, defeitos e previsões miríficas, acaba por sempre por ultrapassar o comunismo (as recordações relacionadas com Marx também se vendem muito bem em Trier).
 
Mas como disse Ana Vidal, tratou-se do verdadeiro traumatismo (u)craniano. Tardou mas aconteceu.
 

sábado, dezembro 07, 2013

O legado de Nelson

 
O dia fatal tinha de chegar, há muito anunciado por internamentos e notícias da sua saúde extremamente debilitada. Não há muito mais que se possa dizer da vida e obra de Nelson Mandela. As edições especiais dos jornais, os louvores das redes sociais e as inúmeras imagens televisivas encarregaram-se de tudo. Não faltou sequer o habitual oportunismo político, que desenterrou uma velha questão de 1987, e que lançou à pressa a notícia de que Portugal votara contra a libertação de Mandela, só informando mais tarde que nessa resolução estava explícita a invocação de violência e luta armada (num país com centenas de milhares de portugueses e luso-descendentes)e que a representação portuguesa também votou a favor de outra que apelava, tout court, à libertação incondicional do então prisioneiro de Robben Island.
O endeusamento de mortais é uma coisa que me convence muito pouco. E no entanto Mandela é dos que mais merece. Não que não tivesse cometido os seus erros ou actuado erradamente noutros tempos. Mas um homem que depois de 27 anos numa cela exígua, encarcerado por um regime racista e segregacionista, se esquece de quaisquer sentimentos de vingança e se esforça por promover a paz e a concórdia, a reconciliação e a união - mesmo depois de ser eleito presidente e de obter uma maioria esmagadora em eleições parlamentares - numa quase quimérica "nação arco-íris", só se encontra num em cem milhões.
 
 
É este o grande exemplo de Nelson Mandela: se erros cometeu (como a luta armada contra o Apartheid, de certa forma compreensível), pagou-os no cativeiro. Entretanto, redimiu-se e conseguiu evitar o pior. Não aproveitou para revanches sobre os seus carcereiros, não: aproximou-se deles, apertou-lhes a mão e disse-lhes que aquele país, doravante, seria de todos: impediu muito provavelmente banhos de sangue e a deriva para um regime racista de sinal contrário. Mesmo que a África do Sul esteja corroída por corrupção, desigualdades, pobreza, SIDA, criminalidade, etc, e que haja imbecis, como Julius Malema, que preferem o modelo do lunático vizinho Mugabe. Mas isso já são tarefas dos sucessores.
 
É essa a grande lição de Mandela: o perdão, a reconciliação, o reconhecimento do Outro, afinal virtudes tão cristãs. O único receio é que enquanto viveu, esses valores ainda eram evocados. E agora que desapareceu, conseguirão os sucessores manter a ordem e uma união mínima naquele país tão complexo? O desafio que têm pela frente será a melhor homenagem que farão a Mandela, para além de todos os louvores ou memoriais que lhe dediquem.
 
 

sexta-feira, dezembro 06, 2013

Apanhar com um helicóptero em cima


Mas o que se passa com os helicópteros na Grã-Bretanha? Em Janeiro, um destes aparelhos chocou contra uma grua usada para a construção de um arranha-céus em Vauxhall (do outro lado do rio fica a sede do MI-5, pelo que se pensou na hipótese de atentado), em plena Londres a dirigir-se para o trabalho, matou o ocupante e um transeunte e feriu mais umas quantas pessoas cá em baixo.

No fim de semana passado, um helicóptero da polícia desabou sobre um bar em Glasgow, junto ao rio Clyde, onde decorria um concerto de ska, e o telhado por sua vezes desabou sobre o público, matando os três ocupantes do aparelho, mais cinco pessoas no bar, e provocando dezenas de feridos (e no mesmo dia caiu um avião das linhas aéreas moçambicanas, vitimando todos os ocupantes, incluindo alguns portugueses).


Claro que os helicópteros não são imunes a acidentes, que acontecem facilmente quando se perde o seu controlo. Mas o que assusta mais aqui é ver a vida quotidiana, seja na ida para o trabalho, nas manhãs em que já apetece tão pouco, ou no lazer do fim de semana, interrompida brutalmente por acidentes imprevisíveis com máquinas infernais vindas do ar. Para além das vítimas, quem estava nos locais não ganhou para o susto e para o trauma.

segunda-feira, dezembro 02, 2013

Não sei se Soares está senil, mas até era preferível que estivesse.


O artigo que Mário Soares escreveu ontem para o Público é uma coisa pavorosa, deplorável, das mais indigentes que me foram dadas a ler nos últimos tempos. Soares já anda a dizer disparates há um tempo, mas isto ultrapassa todas as marcas.

Resumidamente, o ex-PR desfaz-se em elogios ao Papa, dizendo que "fala a toda a gente" e que "detesta a austeridade, imposta pela senhora Merkel", para logo se atirar à Igreja portuguesa, que "que foi colonialista, durante os tempos das guerras coloniais e sempre próxima da ditadura, foi salva pelos socialistas, na maior parte deles não religiosos, porque depois do 25 de Abril impediram que os esquerdistas invadissem o Patriarcado como tentaram fazer", que tem mantido "um silêncio inaceitável sobre o actual Papa", e que o Patriarca, D. Manuel Clemente, "fazia-se passar por um homem desempoeirado e progressista" e que "nunca fala do Papa", apelando a que leia a última Exortação Apostólica  para que a Igreja "não volte a ser o que era..."

Neste arrazoado de linhas, Soares consegue não só criar uma realidade paralela e inexistente, como nega palavras que proferiu há não muito tempo. Aproveitando-se da mensagem da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que reafirma a doutrina social da Igreja contra a idolatria do dinheiro, Soares escreve uma verborreia com claros intentos políticos, mesmo que para isso tenha de confundir ou negar os factos.
O Papa, condenando políticas económicas provocadoras de desigualdade e pobreza, condena também o consumo excessivo, causa da actual situação no mundo ocidental. Assim, defende também alguma austeridade no dia-a-dia (não para aqueles que têm de menos, evidentemente) e a não resignação perante a tentação dos bens materiais. Concordará Soares com isso?
O "colonialismo da Igreja" durante as guerras parece esquecer as importantes acções do bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, de imensos clérigo e mesmo da Igreja de Roma, quando o Papa recebeu vários líderes africanos, como Amílcar Cabral, mas recusou-se, na sua visita a Fátima, em 1967, a ir a Lisboa. Muito colonialista eram os antecessores de Soares na 1ª república...
 
A parte de "ser salva pelo PS" e da "invasão do Patriarcado" é de um desaforo inacreditável. Há anos, Soares tinha dito que fora graças à Igreja que o PS travara as forças extremistas em 1975. Na altura, a resistência ao domínio esquerdista começou a norte, em grandes manifestações em Aveiro e Braga apoiadas pela Igreja, e o desenrolar dos acontecimentos a partir daí travou os revolucionários mais radicais e contribuiu para a posterior normalização do país. Pelo meio, Soares teve mesmo de se refugiar no Patriarcado de Lisboa, facto que agora pretende inverter descaradamente.

E tudo isto para quê? Para se atirar a D. Manuel Clemente, acusando-o de não "falar do Papa" e de não ser progressista". A primeira "acusação" é outra dos invenções do ex-PR: o Patriarca falou e fala do Papa, e a última aconteceu na última sexta-feira. Mau timming, Soares. Quanto às acusações de "falta de progressismo", lembram aquelas que o PC fazia a militantes "tresmalhados" de "desvios esquerdistas" ou "direitistas". Para Soares, a Igreja tem de ser "progressista" ou então resvala para o fascismo. não lhe ocorre que se trata de uma instituição milenar com uma sólida doutrina que não vai atrás da primeira ideia de progresso que lhe metem à frente. Daí vem, aliás, a solidez do seu edifício moral, jurídico e social. Mas percebe-se: Mário Soares, que em tempos atribuiu o Prémio Pessoa a D. Manuel Clemente, ficou furioso com as Palmas a Passos Coelho e Cavaco na primeira missa daquele como Patriarca e acusou-o de não as ter impedido, quando o próprio estava, segundo confessou, na sacristia a paramentar-se Por isso, e com nítido rancor, atira-se-lhe agora como um touro a um pano vermelho.

Tudo junto, verificamos que o "republicano, laico e socialista" não tem o menor pudor em aproveitar-se da Igreja Católica para fazer campanha política, não hesitando mesmo em alterar factos históricos, fazer acusações absurdas e infundadas e dar indicações à Igreja do que é ou deve ser. Deve ser dos exemplos de menor laicidade que por aí se tem visto.

Há quem chame "senil" a Soares. Espero bem que seja o caso, porque se não estiver, uma avaliação do seu carácter sairia daqui inevitavelmente arrasada.

domingo, dezembro 01, 2013

Restauração

 
Seja ou não fim de semana de Banco Alimentar, esteja frio, sol ou aprazível, lembremo-nos sempre que apesar de ser Domingo, de certa forma também é feriado, mesmo que a nível oficial o Governo não o reconheça. O dia da Restauração da Independência é feriado tácito e intocável, as pessoas é que por acaso poderão ir trabalhar caso calhe a um dia da semana.
 
PS: ainda um dia desvendarei a curiosidade de saber se é coincidência ou não o facto de o Consulado de Itália no Porto ficar situado na rua da Restauração (recordemos que a vice-rainha de Portugal, ao tempo da Restauração, era a italiana Duquesa de Mântua), e sobretudo, o consulado de Espanha se situar, há largas décadas...na rua D. João IV.