quinta-feira, maio 29, 2014

Sobre a final


Sobre a final da Liga dos Campeões na Luz, não se pode dizer que tenha sido bem jogado, mas não faltou emoção, golos e disputa acérrima, como é próprio de um derby. Não consegui ver o primeiro e o último golo, ocupado com um jantar para amigos, entre vinhos e gins, a que o jogo veio dar atracção suplementar, mas vi  três do Real que lhe valeram la decima. Acredito que tenha sido uma desilusão para os adeptos do Atlético, sofrer um golo tão perto do céu (nós, benfiquistas, sabemos o que isso é), mas a verdade é que o Real mereceu. E os colchoneros sempre foram campeões de Espanha (curiosamente, também la decima para eles, mas decima liga nacional).


Mas o jogo serviu também para contrariar aquela célebre frase que estipula que "não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes". Di Maria, talvez o melhor em campo, com as suas arrancadas e as suas assistências, e Fábio Coentrão formaram a ala esquerda dos merengues, anos depois de terem feito o mesmo naquele estádio, ao serviço do Benfica, na época 2009-2010. Quando alguns esquecidos voltarem com a estapafúrdia desculpa de que o Benfica ganhou o título desse ano por causa dos "túneis" e do castigo do Hulk (mais curto até do que devia), lembrem-se disto. O argentino e o português ergueram a máxima taça europeia de clubes, naquela magnífica catedral do futebol onde tinham sido felizes anos antes, contrariando definitivamente essa máxima, como é dever de todos os que se superam e reinventam as palavras.
 
 

No PS afiam-se espada e contam-se espingardas



Os dois partidos socialistas da península Ibérica passam por convulsões internas de monta. A diferença é que enquanto o PSOE já andava a arrastar-se há algum tempo e teve um resultado muito fraco nestas europeias, abaixo do do descredibilizado governo do PP, o que levou à demissão do secretário-geral Rubalcaba, que enquanto ministro do interior desmantelou a ETA, o PS português ganhou as eleições, meses depois de ganhar as autárquicas. À partida, deveria significar um reforço do partido face ao desgaste e à impopularidade do governo. Afinal, voltam-se a contar espingardas. Seguro, depois do delirante discurso da "grande vitória", vê-se de novo confrontado com a ameaça de António Costa.
Não é novo na política portuguesa que um líder partidário seja objecto de uma tentativa de derrube sem antes passar pela prova de umas legislativas (casos de Marques Mendes e Ribeiro e Castro), mas no PS tal nunca sucedeu. Houve demissões a meio do mandato por vontade dos próprios (Constâncio e Ferro Rodrigues), mas nunca por golpes palacianos.
Pode parecer uma facada da parte de Costa, mas punhamo-nos no seu lugar: Seguro é tão atractivo como um cacto e tem o carisma de um arbusto. Ao contrário do ex-homólogo espanhol, não tem obra que se visse. O resultado das europeias é pouco satisfatório. Provavelmente é a única hipótese que o edil de Lisboa tem de alcançar a liderança do PS e levá-lo a um resultado razoável nas próximas legislativas. Imaginar Seguro como primeiro-ministro, para mais em minoria, é aterrador. António Costa pode ser muitas vezes sobrevalorizado e com boa imprensa, mas tem bem mais sentido de estado, instinto e capacidade política que o secretário-geral que escolheram para o PS. E depois, falando em "traições partidárias", é bom recordar que na própria noite da derrota de 2011, mal Sócrates disse que se afastaria da vida política, de imediato Seguro disse, com um tom pomposo e um sorrisinho irritante, "a título oficial", que estava disponível para o que o partido precisasse. Como se fosse difícil adivinhar...O trabalho de sapa junto do aparelho estava feito, e não precisou de muito para vencer internamente Francisco Assis.

Resta saber se Seguro convocará o congresso extraordinário e irá à luta. Mas em qualquer situação o PS ganhará algumas feridas. Se não houver o tal congresso, a situação interna aprodecerá e poderá ser fatal para os objectivos do partido. Se for e derrotar Costa, reforçará em definitivo a sua posição, mas o combate causará sempre mossa. Se Costa lhe arrebatar a liderança, os apoiantes de Seguro não lhe perdoarão e causarão um ambiente de difícil respiração. Em qualquer dos casos, o PS vai passar por dias turbulentos. E Passos Coelho e Portas só esperam que esses dias sejam demorados.

terça-feira, maio 27, 2014

Balanço das europeias



Balanço. Se não fosse o formalismo de se esperar pelo fecho das urnas em Itália e os boicotes em murça (não isentos de razão, pelo que vi), já teríamos os resultados completos e a distribuição final dos eurodeputados portugueses. Assim, temos de esperar mais um pouco. Mais pelos eleitos do que pelos números.

A abstenção, como de costume nestas eleições, atingiu níveis estratosféricos. Desta vez passou os dois terços do eleitorado. Nada que espante. Mas é curioso que quanto mais periféricos são os estados-membros, maior é o número de eleitores que não se dão ao trabalho de ir às urnas. Vejam-se os 87% de abstenção na Eslováquia e os 90% de participação na Bélgica. Portugal é definitivamente um país periférico.


O PS ganhou, ponto. Só que ganhou com menos de 4% de avanço. tudo o que fosse menos de 5% seria pouco satisfatório. E sejamos francos, menos de 31% é um número fraquinho. O número de Seguro, proclamando a "grande vitória", é patético, sobretudo olhando para a assistência socialista, tepidamente sorridente, e às próprias declarações de António Costa e de outros, que reconheceram que não era um grande resultado. Na primeira fila via-se Eduardo Lourenço, candidato simbólico pelo PS. Ver um dos principais pensadores portugueses cabecear de sono durante o discurso de Seguro devia levar as pessoas "a tirar as suas próprias ilacções".

A coligação PSD/CDS deve o seu paupérrimo resultado não apenas ao desgaste e à impopularidade do governo mas também à fraca campanha de constante disparo sobre o PS e sobre Sócrates. Uma campanha em busca de fantasmas, no fundo, e que surpreendeu pela negativa. Paulo Rangel é capaz de muito melhor. Provavelmente não se lembrou que em 2009 Vital Moreira recorreu ao mesmo cacete argumentativo e teve o resultado que se viu. A pomposa "Aliança Portugal" só não teve um resultado desastroso por comparação com o do PS.

Depois do reforço das autárquicas, a CDU teve mais um bom resultado. Não é estrondoso e ainda lhe falta confirmar o terceiro eurodeputado, mas conseguiu passar os dois dígitos numa eleição nacional. Depois de anos e anos a reclamar vitória com resultados fraquinhos, os vermelho/verdes conseguiram enfim acertar o discurso com a performance. Conseguiram cavalgar a onda de protesto com muito mais competência que o Bloco e estão aparentemente a ganhar com a renovação progressiva de quadros. Até onde é matéria que se deverá seguir.

O Bloco continua em queda livre. Por pouco Marisa Matias não conseguia ser eleita. A sangria de elementos conhecidos (Joana Amaral Dias é o último exemplo), o vazio das causas fracturantes, a falta de carisma na estranha liderança bicéfala (ou "paritária"), a intolerância a oposições internas e a pura e simples incompetência ditaram mais este fraco resultado. Desconfia-se que não fique por aqui.

O Partido da Terra, ou melhor dizendo, Marinho Pinto, surpreenderam ainda mais do que as sondagens mais favoráveis previam. Havia a hipótese de elegerem um deputado. Agora há a hipótese de elegerem dois. Perguntava há tempos qual seria o peso eleitoral do ex-Bastonário da OA. Está visto que o tem, e não é assim tão pouco. Agora vamos ver o que vale a sua acção no Parlamento Europeu, se mantém o seu populismo verbal e manual (que não de substância do discurso, bem mais moderado do que o estilo faz aparentar), como irá defender as suas ideias. E já agora, se o MPT ganha alguma coisa com isso. De qualquer maneira, está de parabéns: conseguiu ser a primeira figura pública candidata por um pequeno partido a ser eleita para Estrasburgo (Esteves Cardoso, Laurinda Alves e Victorino de Almeida já o tinham tentado, sem sucesso).

Os "pequenos" conseguiram um resultado global mais alto do que o costume. De entre as habituais décimas, ressalva-se de novo o MRPP e o Partido dos Animais, e sobretudo o novíssimo Livre. Um jornal qualquer, creio que o Público, classificava o seu resultado como uma derrota, com seta para baixo e tudo. Parece-me um erro prematuro. Afinal de contas, o Livre teve 2,2%, longe de servir para reeleger Rui Tavares, claro. Mas ainda assim, permitiria uns dois ou três deputados em legislativas. E convém recordar que o Bloco teve ainda menos nas primeiras eleições a que concorreu, precisamente umas europeias, em 1999, com outra máquina partidária, outro mediatismo e com apoiantes já com larga experiência política. Sem figuras públicas (apesar do apoio de algumas, como Ricardo Araújo Pereira) e sem grandes meios de campanha, pode-se dizer que os primeiros números do Livre são promissores. Afirmar que são uma desaire e uma desilusão é uma leviandade própria de quem não quis perder muito tempo com o assunto.

As consequências imediatas parecem estar a atingir, antes de mais, o PS. Quando é que um partido vencedor registou tal convulsão interna?


No resto da europa, o previsto: reforço dos eurocépticos e da direita radical no Reino Unido, Itália, França e Dinamarca, reforço da esquerda radical na Grécia (onde saiu vencedora) e em Espanha (além da Esquerda Unida, o novo movimento dos "Indignados", de inspiração chavista, teve quase 8%). Em Itália, as reformas de Mateo Renzi parecem estar a agradar aos italianos: o seu Partido Democrático obteve mais de 40%, o que num país tão politicamente instável e fragmentado é notável. Beppe Grillo voltou a conseguir números elevados, mas roubados directamente a Berlusconi e à refundada Forza Itália. É provavelmente a maior esperança para os partidos europeus mainstream.


sábado, maio 24, 2014

A final na Luz

 
Finais europeias entre equipas do mesmo país vão tornado vulgares (até Portugal já teve), mas pela primeira vez vão-se encontrar duas equipas da mesma cidade, e logo na prova rainha. O surpreendente Atlético e o poderoso Real nunca imaginariam isso no início da época. E quis a sorte que a final fosse em Lisboa, na catedral da Luz, o que com certeza aumentou a euforia dos seus adeptos - nem precisam de procurar bilhete de avião. A final em Portugal e com dois clubes madrilenos ficará circunscrita à Península Ibérica.

A invasão a Lisboa, de perto de cem mil espanhóis, vai certamente ajudar a economia, sobretudo a hotelaria e a restauração da capital e arredores largos. Muito gente inflacionou as suas casas e cobra couro e cabelo por um quarto. Não deixa de ser motivo de vergonha a exploração descarada das dormidas. Certamente que não vai ajudar à fama de Portugal, mas se houver que esteja disposto a pagar, pior para ele. Mas o impacto económico da final é brutal, muito mais do que podia imaginar. É sempre bom ver o nosso país (e o nosso estádio) nos olhos do Mundo por bons motivos. E a final está a mexer com a cidade, pelo que pude comprovar há dias.

Tenho preferências, claro. Se o Atlético não tivesse ganho o campeonato, talvez estivesse por eles. Assim, inclino-me para os merengues e para a décima taça do Real. Mas acima de tudo espero um grande jogo (que assistirei do Porto, entre amigos) e que nenhum jogador português se lesione, que temos um Mundial no Brasil para disputar. Por Cristiano Ronaldo, claro, sem ele a selecção nunca estaria no Brasil, mas também Pepe e Coentrão.

Curioso como o Benfica fica ligado às duas finais europeias: disputou uma delas e empresta a casa para a outra. Gostava era de saber quanto ganhará com isto. A visibilidade é importante, mas não mais que o dinheiro.
 
PS: podia-se desde já criar a piadinha fácil: a de que o governo, em especial Portas, tinha mentido descaradamente. Prometeu-nos para Maio um novo 1 de Dezembro, e em lugar disso temos a invasão espanhola.

sexta-feira, maio 23, 2014

A campanha acabou. Deram por ela?


A campanha eleitoral para as europeias acaba hoje. Eu, que até me interesso por estas coisas (sim, estou a falar dos cartazes, arruadas e comícios), quase nem dei por ela. Se não fossem alguns outdoors e as notícias, dificilmente me lembraria que no dia 25 temos eleições. Mas ainda assim pude formar a minha pequena opinião do pouco que vi.

A Aliança Portugal, nome pomposo para a coligação dos partidos no governo, quase que se limitou a zurzir no PS, a perguntar por Sócrates e a fazer de Assis e Seguro os bombos da festa. Substância e questões europeias? Se falaram nelas, ninguém ouviu. Provavelmente para disfarçar as grandes divergências do federalista Rangel e do "eurocalmo" Melo. Uma campanha pobre e com alguns momentos pimba, digna de um partido de oposição, e que provavelmente contribuirá para os levar para lá.

O PS começou bem, com uma boa lista e a falar de questões europeias  prementes. Depois, caiu na crítica pela crítica e acabou com declarações patéticas (Alegre falando no perigo do nazismo, Soares escrevendo que sempre "abominou a direita" para justificar uma birra). Ainda assim, uma campanha melhorzinha que a da aliança.

A CDU usou a cassete do costume, sem demasiado azedume, mas aproveitou bem a onda de descontentamento, mostrou sempre que pôde as suas caras novas e não se entusiasmou demasiado com as sondagens. Uma boa gestão para o eleitorado comunista, e a aposta em mais alguns votos, que provavelmente terá.

O BE não joga a sua sobrevivência, mas quase. Uma campanha modesta, com um slogan quase futebolístico (o "de pé" lembra o "tudo a saltar" dos adeptos benfiquistas) e uma Marisa Matias voluntarista, a fazer os possíveis para que mais alguém do Bloco a acompanhe a Estrasburgo. Tarefa complicada.

Depois, os outros. O Livre teve uma campanha pouco visível, o que é natural, dados os poucos meios de uma formação acabada de nascer. Ainda assim, conseguiu alguma notoriedade com o apoio de figuras públicas, como Ricardo Araújo Pereira ou Conh "le Rouge" Bendit. Rui Tavares terá dificuldades em voltar ao Parlamento Europeu, onde teve um desempenho interessante, mas é possível que marque o seu território e que arranque um projecto de esquerda interessante e menos sectário do que o habitual (ou não, basta ver exemplos de bons resultados em europeias que se revelaram ilusões, como o PPM e o MES).

O Partido da Terra conseguiu um bom trunfo eleitoral com Marinho Pinto, a quem algumas sondagens dão a possibilidade de ser eleito, e ainda lhe juntou o eterno dissidente do PS Eurico Figueiredo. Mas alguém o ouviu falar em ecologia,  ruralismo, agricultura (já nem falo na monarquia) na sua habitual crítica constante e quase gritada? Dão-se alvíssaras a quem descobrir. E caso o improvável aconteça e Marinho troque Coimbra por Estrasburgo, que grupo de deputados integrará?

A Nova Democracia afinal não contou com Nicolau Breyner e lançou o madeirense Eduardo Welsh. Sei que são a favor da saída do euro e pouco mais. Sempre deu para ouvir GNR nos seus tempos de antena.

O velho MRPP revelou-se igual a si próprio, com uma falta de subtileza gritante. "Fora o euro, venha o escudo" era o que se lia nos outdoors que pendurou por aí (as novas subvenções do estado permitem esse luxo burguês). O grafismo não mudou em quarenta anos, e aplica-se melhor aos murais. Também falaram na necessidade de um "governo patriótico e de esquerda". Mas essa não é uma reivindicação, sem tirar nem pôr, dos "sociais-fascistas" do PCP?

O PPM pareceu apresentar algumas ideias interessantes, mas francamente, a imagem de alentejano acabado de acordar da sesta de Gonçalo da Câmara Pereira e a expressividade nula de Nuno Correia da Silva não ajudaram nada. Longe vão os tempos gloriosos de Miguel Esteves Cardoso e das suas campanhas provocatórias e irreverentes, que quase o levaram ao PE.

O PTP volta a mostrar o trunfo algo gasto de José Manuel Coelho. O madeirense não faz a coisa por menos e diz que quer ser "um novo mestre de Aviz". Falta-lhe algum cabelo, uma prole meio britânica e algumas invasões ao norte de África. Nem quero imaginar o quer teria inventado se tivesse ido a novos debates.

O MAS, cisão da ala mais à esquerda do Bloco e reencarnação da antiga FER, com o mesmo líder e tudo, Gil Garcia, também ergueu outdoors, clamou pela saída do euro e pela "prisão dos traidores" Talvez este novo agrupamento trotsquista supere em relevância a FER, mas não muito mais.

O PNR mostrou algum aprumo, para tentar minimizar a imagem de movimento de skinheads. Lançou a cabeça de lista o presidente dos Amigos de Olivença, Humberto Nuno Oliveira, com um discurso um pouco mais suave, mas esta marinelepenização não lhe deverá servir de muito. É improvável que consigam um lugar ao lado das FNs desta Europa.

O Partido dos Animais falou da crise do euro e de soluções económicas mas também de propostas bizarras como a criação de um Tribunal Europeu dos Direitos dos Animais. O animalismo de novo a equiparar pessoas e animais. Se isso pegasse, lá nos obrigavam a ser todos vegetarianos. Não, obrigado.

O Portugal Pró Vida é um partido simpático e que releva questões que mereciam mais importância para além do ostracismo a que o votaram. Mas partido algum pode defender apenas dois ou três tópicos, por mais importantes que sejam. É de todo improvável que o seu cabeça de lista, um senhor com sotaque transmontano, seja eleito.

O PDA, que julgava extinto, saiu dos Açores, e tanto quanto me disseram, tinha um discurso substantivo. Infelizmente não pude comprovar. Apenas sei que o cabeça de lista é um ex-eurodeputado do PS, Paulo Casaca, que nem conhecia.

O POUS...é o POUS. Um partido formado por Carmelinda Pereira e por Aires rodrigues e que se apresenta a todas as eleições, com o seu punho preparando-se para bater em alguém, porque sim. 

Pronto, aqui está um resumo de todos os movimentos concorrentes. Não é preciso agradecer. Alternativas não faltam. Pouca vontade de votar num deles sim. Mas algum terá de ser. Para abstenção já basta que que se adivinha.

quarta-feira, maio 21, 2014

Um fim de semana ideal (e uma lição de vida)



Há muito tempo que não tinha um fim de semana tão compensador como o que passou. Com um tempo de verão, vitória no Quiz de Cascata, uma proeza que há anos não se verificava (e logo a seguir à extensa reportagem da Notícias Magazine que saiu na semana passada, precisamente sobre este evento mensal praticado por umas dezenas de maníacos numa patusca colectividade de bairro, na Ajuda; a propósito da pergunta que surge logo no início, feita pelo autor deste texto, deverei escrever brevemente um post sobre D ´Annunzio e os seus feitos de guerra). Serviu também para conhecer enfim o Corredor Verde de Lisboa, projecto de Gonçalo Ribeiro Telles, que teve de esperar anos e anos até o ver concretizado. Serviu para rever amigos e as noites soalheiras de Lisboa. Serviu, finalmente, para poder ir à final da Taça de Portugal, no Jamor, como se quer, numa tarde de sol. Nos 75 anos da Taça e nos setenta anos do Estádio Nacional, o Benfica voltou a erguer o caneco, pela 25ª vez.


O Estádio Nacional, que só conhecia de longe, é tão esteticamente interessante como parece visto na televisão. A mata que o rodeia protege-o da paisagem suburbana que se acumulou ao longo do tempo e do ruído dos nós rodoviários. Conserva-o como um local mítico do desporto português, o recinto onde se jogou a final da Taça dos Campeões europeus, em 1967 (em que o Celtic de Glasgow derrotou o Inter de Milão tornando-se o primeiro clube não latino a conquistar o troféu), onde se jogaram muitos desafios da Selecção Nacional e a maior parte das finais da Taça. É certo que lhe faltam alguns aspectos que se foram pensados ao longo do tempo para outros estádios - não tem cobertura, balneários, a iluminação é deficiente e os acessos limitados - mas tem uma elegância clássica, dadas as influências estéticas da altura da sua construção, os anos quarenta, que seguiam o "modelo totalitário" em voga, que compensa isso tudo.

 
E depois, o resultado: a vitória do Benfica, juntando a Taça ao Campeonato e à Taça da Liga, o falado "triplete", que escapou no ano passado, e que compensou em parte a malapata da final europeia. Desde 1987 que o SLB não juntava os dois mais importantes títulos do futebol português, o que revela que a crise desportiva está definitivamente posta para trás. Um jogo duro, sem grandes momentos de futebol, tirando o golo solitário de Gaitan (por azar na baliza contrária ao lado de onde me encontrava), em que o meu temor de que a equipa do Benfica mostrasse debilidades físicas depois do brutal esforço da final de Turim se concretizou. Os jogadores estavam esgotados, mas resistiram como puderam e foram compensados (com alguma felicidade à mistura, diga-se). Assim acabou uma época extraordinária, nada previsível naquele início de desaires e tensões, que inesperadamente se tornou numa colecção de glórias. Para manter, espero.

Mais uma vez, dou a mão à palmatória, para mais do que uma palmada: dizia há um ano que Jesus tinha de se ir embora, que caso ficasse não pretendia ver mais jogos do Benfica com ele no banco, e que gostaria que ele ganhasse a Taça, mas noutro clube. Pois Jesus ficou, ganhou tudo a nível interno, incluindo a Taça, e eu estive lá para ver. Tudo o que previa saiu (felizmente) furado. O técnico conquistou finalmente o troféu que tanto procurou (por razões pessoais e familiares), e que lhe tinha escapado noutras ocasiões. E o Benfica mostrou como se pode cair com estrondo, erguer-se lentamente,  atirar os desaires para as costas, tentar de novo e ganhar. Só faltou o troféu internacional que há de voltar sem sombra de dúvidas. O Benfica deu uma grande, grande lição de vida e de resistência.

sexta-feira, maio 16, 2014

Emoção, drama , mística



Pronto. Passou a final, e novamente a taça voou para outras paragens. O meu pessimismo nestas coisas justificou-se, infelizmente. Já são muitos anos disto.


A história da maldição de Bella Gutman já cansa, mas no futebol, terreno fértil para superstições, parece ser mesmo verdade. Turim já é a oitava final sem ganhar (não admira, no estádio de outro dos nossos "rivais" nessa matéria). Algumas justamente, outras com menos justiça. Tudo já aconteceu ao Benfica em finais europeias: jogar em casa do adversário, lesões de jogadores importantes, antes e durante o jogo, até já sem poder fazer substituições, decisão nos penaltys, golos nos descontos ...parece não haver uma única final europeia em que não haja uma malapata. Ontem houve uma combinação entre ausências de jogadores nucleares, lesões a meio do jogo (aliás Sulejmani saiu lesionado por um adversário), penaltys e agora até uma modalidade nova, erros do árbitro, em fechar os olhos a pelo menos uma grande penalidade a favor do Benfica, a alguns cartões, e à maneira como Beto saltou da baliza na hora das decisões, quando não o podia fazer.

Eu sei que justificar derrotas em jogos assim parece sinal de fraqueza, que "as finais são para se ganhar", e todo aquelas coisas que os adversários do Benfica normalmente repetem nestas ocasiões (sem falar na conversa da "arrogância benfiquista", porque "já estavam preparados para festejar", como se o SLB fosse o único clube do Mundo cujos adeptos não pudessem preparar festejos em caso de vitória). mas gostava que pelo menos numa final tivéssemos alguma sorte. Só um bocadinho. Tivemos na primeira, e nas seguintes, mas ao longo de meio século, abandonou-nos descaradamente. Já era tempo de nos voltar a sorrir, ao menos uma vez. com ou sem maldição do mago húngaro, há coisas que não podem durar para sempre.

Mas ser benfiquista é isto. Sofrer, aguentar, ganhar, voltar a sofrer. Como diz a Reuters num artigo muito aconselhável, o Benfica é emoção, drama e mística. muito para além da simples prosa da bola ou de "o que interessa é ganhar". Na próxima final europeia veremos quem é o adversário que nos calha - e que presumivelmente será o vencedor do troféu. Até que voltemos a ser nós, afastando qualquer réstia de maldições.

quarta-feira, maio 14, 2014

O dia da final (a décima europeia)



Há um ano, parecia que todas as desgraças se tinham abatido sobre o Benfica, no fim de uma época impecável. Campeonato, UEFA, até a Taça de Portugal, tudo voou. A depressão instalou-se e a época seguinte prometia ser uma agonia sem grandes razões para festejar.

Como se sabe, as coisas não se passaram assim. Razões para festejar tem havido muitas. O campeonato ficou garantido a semanas do fim. Seguiu-se a Taça da Liga, autêntico brinde alcançado quase sem nem pedir. No próximo domingo, a Taça de Portugal será nova tentativa para recuperar um troféu que foge há dez anos. E hoje, temos uma final europeia. A décima.

No ano passado perdemos contra o Chelsea, de forma inglória, num jogo em que fomos superiores a maior parte do tempo. Hoje, defrontamos o Sevilha, precisamente o primeiro adversário nas competições europeias, nos longínquos anos cinquenta, com quem perdemos na altura. Para lá chegar, tivemos que deixar pelo caminho a Juventus, o clube do estádio da final, uma autêntica proeza digna de semideuses mitológicos. duas semanas depois desse combate encarniçado, o Benfica regressa a Turim.

À partida, deveríamos ser favoritos, pela qualidade e capacidade de luta da equipa, sempre com a vitória em mira. Mas as ausências de vulto de Enzo Pérez, Salvio, Markovic e até de Fejsa, que deixam a equipa sem a asa direita e o meio-campo titular, são razões para temermos uma final durinha. E o meu habitual pessimismo - ou prudência, se preferirem - obriga-me a estar de pé atrás.
Mas há alguns bons indícios, também. O primeiro é que o Benfica perdeu sete finais, mas todas com equipas que não as espanholas. Sempre que encontrou adversários do país vizinho em finais europeias, o Benfica ganhou.
O outro é que hoje é 14 de Maio de 2014, e passam exactamente vinte anos sobre a soberba e esmagadora vitória do Benfica em Alvalade, por 6-3, com o Sporting, num jogo electrizante que decidiu o título, numa época em que também aí se começou com as expectativas em baixo, depois de uma sangria de jogadores precisamente para o clube verde. Sim, aquele mesmo, em que João Pinto realizou o jogo de uma vida e teve direito a uma inaudita nota dez do jornal A Bola, que ficou para a história do futebol português.

Que o espírito vencedor desse dia memorável renasça hoje nos jogadores do Benfica. Esse e o de Eusébio e Coluna, antigos campeões europeus, desaparecidos este ano, mas que com certeza não deixarão de inspirar a equipa. É neles e no seu exemplo que os jogadores benfiquistas têm de pensar se quiserem sair do campo com a vitória e com a Taça

Quando os czares estavam virados a Oriente



Apesar de tudo o que atrás disse dos métodos da Rússia, não é por isso que vou deixar de aconselhar uma visita à Gulbenkian, a quem esteja ou passe por Lisboa até ao próximo dia 18 de Maio, para ver a exposição Os Czares e o Oriente. na sua primeira mostra na Europa fora do Kremlin. Entre os testemunhos das antigas relações da Moscóvia com o Império Otomano e a Pérsia, para estreitar as relações comerciais e permitir novas vias de comunicação entre a Europa mais a Leste e a Ásia, encontram-se objectos de beleza exótica, nunca antes vistos por aqui. Sabres, armaduras, escudos e outros utensílios de guerra, tecidos, paramentos, arreios, selas, caixas várias, e mesmo ícones antiquíssimos e valiosíssimos, muitas foram as ofertas das cortes otomana e persa aos senhores do Kremlin, entre os séculos XIV e XVII, testemunhando as boas relações que tiveram até Pedro, o Grande se virar para Ocidente. Um conjunto belíssimo de obras de arte e de ostentação de quem os possuía, revestidos de pedraria preciosa, obra de grandes artesãos tártaros, russos, turcos e persas. Quem não viu deve fazê-lo se puder, rapidamente. E aproveitar o fim de semana dos museus, em que muitos deles estarão abertos ao público.






terça-feira, maio 13, 2014

Mais um plebiscito na Ucrânia




Mais um plebiscito, desta vez ainda mais feito em cima do joelho e sob ameaça das armas que o da Crimeia. Donetsk e Lugansk "votaram" pela independência da respectiva "república popular", ou seja, por um enclave do leste da Ucrânia que pretende unir-se à Rússia no menor tempo possível.


Entre barricadas, armas pesadas e uniformes de toda a sorte, os votantes deram uma maioria esmagadora aos partidários dessas estranha independência. Que tenham chegado boletins preenchidos, ou que tenha havido pessoas a votar várias vezes, sem qualquer tipo de observadores internacionais, é coisa que não preocupou os seus organizadores, que tão pouco pensaram em fazê-lo depois das eleições marcadas para 25 de Maio. Ou talvez por isso mesmo. Dessa forma, e sob o pretexto do "governo ilegítimo" de Kiev, procedeu-se a um rearmamento da população russófona, com o apoio de milícias vindas directamente do grande vizinho, veteranos das guerras do Cáucaso, cossacos e até de Chetniks da Sérvia, proclamou-se a autonomia e tenta-se assim torpedear o calendário eleitoral, que só muito dificilmente terá lugar no dia aprazado. Que fazer? Se as eleições forem para a frente, é de esperar o caos. Se não forem, dar-se-à um pretexto a que se considere que o actual governo interino de Kiev é ilegítimo. De qualquer das formas, os separatistas já vieram com a tese absurda de que "as eleições são ilegítimas porque foram marcadas por um governo ilegítimo". Seguindo esse paradoxo, que impediria que qualquer governo futuro ganhasse legitimidade, também poderíamos considerar que as eleições para a Assembleia Constituinte de 1975 (e todas as que se lhe seguiram) também carecem dela. A verdade é que os separatistas não querem eleição nenhuma, excepto as que elas próprios organizam à sua maneira, de forma a serem anexados pela Rússia. Os dirigentes russo, nos últimos dias, tinham optado por uma posição de maior moderação, afastando tropas das fonteiras com a Ucrânia e aconselhando a que o "referendo" não se realizasse no domingo, mas entretanto já vieram aproveitar os "resultados". Normal. fizeram o mesmo na Crimeia. Mas desta vez, com as tropas ucranianas na fronteira e a cercar os separatistas, as colunas pró-russas terão outra dificuldade em anexar aquele território. Não se ocupa a bacia do Don como se ocupa a Crimeia ou a Ossétia do Sul.

Mas a situação é muitíssimo tensa. Para além das milícias atrás referidas, que já declararam que as forças ucranianas têm de sair, o que leva a crer que os combates vão recrudescer, tivemos os terríveis acontecimentos em Odessa, há dias, em que no seguimento de uma refrega campal deu-se o incêndio na sede dos sindicatos da cidade, devido a coktails atirados por manifestantes pró-união depois de um ataque de pró-russos (onde se incluíam, ao que tudo parece, elementos da Transnístria).
É pouco provável que por aqui os separatistas consigam realizar plebiscitos semelhantes aos da Crimeia e do Donbass, até porque os reforços do Transnístria não serão suficientes e a população não é maioritariamente russófona. Mas é de esperar novos tumultos, ali, não muito longe das fronteiras da Roménia, e portanto da NATO. E sobretudo, o espectro da antiga Jugoslávia, que teima em assombrar aquela região, cindida entre ucranianos e russófonos saudosistas. Deus não permita uma tal catástrofe.


segunda-feira, maio 12, 2014

A questão dos Papas ou uma canonização demasiado rápida


Bem sei que já lá vão uns dias, mas este é um assunto em que ainda gostava de pegar, mais a mais agora, vésperas de Fátima.
A canonização dos Papas, em fins de Abril, em Roma, teve um enorme banho de multidão, grande cobertura mediática e muita emoção pelo meio, como seria de esperar. Centenas de milhares de pessoas foram pessoalmente testemunhar a santificação de João Paulo II e de João XXIII, de tal forma que amigos meus que também lá foram não conseguiram ver absolutamente nada, nem sequer a efígie dos dois novos santos, quanto mais os dois Papas vivos que lá estavam.


O interesse do acontecimento, aliás, estava sobretudo aí, numa ocasião que o mundo guardará para a posteridade: dois Papas em público, lado a lado, o Papa efectivo, Francisco, e o Papa Emérito, Bento XVI. A suprema autoridade da Igreja Católica dividida em dois? Não, a responsabilidade cabe ao Papa Francisco. Bento XVI representa um pouco a face humana do papado, dada a sua renúncia, para permitir que um novo pontífice tomasse em mãos as duras e necessárias tarefas que ele já não podia desempenhar. Tornando-se Papa emérito, era obrigatório que estivesse na cerimónia. Mais ainda quando conheceu os dois Beatos que aí iam ser canonizados: João XXIII e João Paulo II.


Apesar disso, apesar de toda a emoção que rodeou a canonização, houve um aspecto a que não pude deixar de reparar, até porque era notório: a maioria das pessoas dava claramente mais importância a João Paulo II do que a João XXIII. Cheguei a ouvir pessoas a referir-se à "canonização do Papa", e notei a sua admiração posterior quando souberam que afinal não se tratava apenas de Karol Wojtyla. De certa forma compreende-se: João Paulo II surpreendeu logo à partida por não ser italiano e vir de Leste, assistiu à derrocada do comunismo (para a qual contribuiu largamente), teve um dos pontificados mais longos da história, viajou por todo o mundo e era constantemente destaque na imprensa e na televisão, e marcou imensamente uma época e uma geração, a minha. é natural que uma figura tão influente e tão fresca ainda na memória seja objecto de tamanha devoção e respeito.

Mas é também injusto para com o Papa João XXIII, que marcou da mesma forma a geração anterior, e mais ainda, iniciou um autêntico terramoto na Igreja, talvez a sua maior transformação desde a Contra-Reforma. Teve uma popularidade comparável à de João Paulo II, sem viajar e sem os mesmos meios mediáticos, para além de que o seu pontificado durou apenas cinco anos.

Para além de tudo, a canonização no mesmo dia parece igualmente despropositada: afinal de contas João XXIII desapareceu há cinquenta anos, e João Paulo II há apenas nove. Seria de esperar que o Papa italiano fosse canonizado antes do Papa polaco. Não conheço o processo de santificação, mesmo sabendo que tem vários passos, mas pelo que segui, parece-me que ao apressaram de propósito, cortando ou despachando várias etapas, sobretudo logo que surgiu o necessário milagre. Isso aconteceu, aliás, no processo de beatificação. Tudo pela pressão popular, que se ouviu logo quando João Paulo II morreu, em Abril de 2005, com o clamor de "Santo Subito". Bem sei que nem sempre é fácil resistir aos pedidos do povo cristão, e que houve outras canonizações muito mais rápidas (a de Santo António, por exemplo). Mas a Igreja Católica, sempre tão ponderada, tão cuidadosa, tão lenta a mudar (o que tem a vantagem de distinguir modas efémeras de mudanças reais e de saber quais os caminhos a que conduzem, e em última análise, de distinguir o certo do errado), deixou-se levar demasiado pela pressão de fora. Um santo não é uma estrela pop, mas alguém que pelo seu modo de vida alcançou um estado incomum, e a quem se pede para interceder a Deus. João Paulo II foi sem dúvida um Papa marcante e carismático, com uma incrível relevância política, mas nove anos é pouco tempo para se fazer a necessário avaliação do seu Pontificado, que teve as suas controvérsias (e a ténue reacção aos casos de pedofilia não é certamente a menor). Seria melhor esperar mais tempo, até porque se sabe que uma figura tão carismática terá sempre outra capacidade de influência nestes casos. Deixar passar uns anos, e fazer um processo paulatino, para que depois se pudesse avaliar com cuidado se mereceria ser ou não santo, sem que o clamor popular, sempre tão lesto a exigir a elevação nos altares com a pedir que rolem cabeças ou que se faça justiça popular. João XXIII não era menos importante e precisou de cinquenta anos. Não teria sido melhor fazer o mesmo com João Paulo II?

Marx no Porto-Benfica


Embora certo em boa parte das análises feitas na sua época, Marx falhou rotundamente nas previsões. Contudo, há algumas que acabam por se revelar certeiras, dando origem a máximas conhecidas. Uma das mais famosas será que "a história repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa". Não encontraria frase melhor para caracterizar os dois últimos Porto-Benfica para o campeonato, em que o resultado se repetiu: 2-1. As consequências e importâncias é que foram inteiramente diversos.

quarta-feira, maio 07, 2014

A lição dos estudantes do Minho


Tendo em conta que estamos em plena semana académica (falo do Porto, não posso falar por todas as festanças estudantis por esse país fora), é interessante ver o contraste entre as atitudes de duas associações académicas diferentes em casos com traços semelhantes. Ou o oito e o oitenta em atitude. No ano passado, se bem se lembram, um assalto à bilheteira do queimódromo acabou com a morte a tiro de um estudante, Marlon Correia, morto ao proteger o cofre (que acabou por não ser levado). Na altura, os responsáveis pela Federação Académica do Porto quiseram que a festa da queima das fitas (que dura uma semana) prosseguisse, sem ao menos cancelar uma única noite, porque seria "um enorme prejuízo" (que podia ser bem maior caso o estudante em questão tivesse fugido a proteger a receita da bilheteira). Este ano, por causa dos três estudantes que morreram em Braga com a queda de um muro, a associação académica da Universidade do Minho cancelou todos os eventos do Enterro da Gata (as festas dos estudantes universitários minhotos), mantendo apenas algumas cerimónias simbólicas. O cancelamento de todas as festas pode ser um pouco exagerado, mas revela dignidade e uma preocupação que transcende os habituais interesses contabilísticos próprios dos dirigentes académicos. Devia ser escarrapachada na sede da Federação Académica do Porto para ensinar aos seus energúmenos dirigentes que uma academia é bem mais que a soma dos prejuízos e proveitos das festas, e que antes de mais se devem transmitir valores e princípios, coisas que aparentemente escapam às criaturas. E que nesses princípios devem constar a camaradagem, a solidariedade e a protecção dos estudantes. Mais que uma bofetada de luva branca é um autêntico murro na consciência da corja federativa aqui da zona - se é que eles ainda a têm.

Academia do Minho 1 - Academia do Porto 0

segunda-feira, maio 05, 2014

Mal nos despedimos de um, desaparece outro


Este ano tem sido uma razia de gente a morrer. Até dá medo de abrir o jornal ou as notícias na net. Nos últimos dias desapareceram, além de Vasco Graça Moura, de quem já aqui falei, Veiga Simão, o reformador da educação dos anos setenta (e que conseguiu ser ministro do Estado Novo e da democracia, aqui duas vezes), Rui Mário Gonçalves, um crítico de arte excelente e despretensioso, e João Porto, antigo Ministro da AD, administrador do Metro do Porto e professor da FEUP, a cuja simpatia devo não ter passado uma noite na estação das Devesas (e à sua boleia, quando eu lhe era um perfeito desconhecido, antes de descobrir que conhecia perfeitamente a minha família). Para além de pessoas de notoriedade, que não de "fama", eram todos muito estimáveis. E se formos "lá fora" ainda podia acrescentar o multifacetado Bob Hoskins. Desaparecem assim, de repente, numa semana. A ceifeira tem andado com demasiado trabalho no que toca a personalidades conhecidas. Impõe-se uma pausa.

sexta-feira, maio 02, 2014

A fénix benfiquista

 
E o Benfica soube mesmo honrar a sua memória e a sua reputação da melhor maneira, aguentando até ao fim, já reduzido a nove, as investidas de Pirlo, Tevez e Cª. Eliminou a melhor equipa italiana, pejada de estrelas, no seu próprio estádio, onde os transalpinos eram dados como certos na final final, com lesões, expulsões e uma fortíssima pressão contra. Sofreu mas soube sofrer, controlou quase sempre os acontecimentos e saiu vencedor de ume duríssima refrega que deixou marcas. Se a Juventus era o verdadeiro teste para vermos do que é que este Benfica era capaz, então a resposta ficou dada: o Benfica deste ano talvez não tenha a tal "vertigem de jogo" com que goleava os adversários, mas é muito mais sólido, tem uma capacidade de sacrifício e de entreajuda que não lhe conhecíamos e uma enormíssima vontade de ganhar. Provavelmente será essa a grande diferença em relação à época passada. Como se da depressão se erguesse e quisesse recuperar tudo o que escorregou dos dedos no ano anterior. E se no regresso a Turim ganhar o caneco, e talvez mais alguma taça, devia mudar temporariamente o símbolo da águia para o de uma fénix, que é o mais apropriado para esta extraordinária época.

quinta-feira, maio 01, 2014

Ultrapassar a Juventus é uma questão de memória


Conquistado o campeonato, adquirido o bilhete para duas finais internas, o Benfica tem agora o maior desafio da época, contra a Juventus. 2-1 é sempre um resultado perigoso, mas não se pode dizer que seja mau, tendo em conta que a equipa dos Agnelli ainda não tinha perdido na UEFA e segue destacadíssimo no calcio. Mas expõe a equipa a vários perigos. A Juve joga em casa, que será o palco da final, e isso é um suplemente motivacional. Tem uma senhora equipa, pontilhada de craques como Buffon, Pirlo e Tevez, auxiliados por vários bons jogadores - Chiellini, Llorente, Vidal - e ainda tem a sua influência extra-relvado, como já se verificou noutras alturas e ainda agora tivemos a ocasião de testemunhar - a reunião inédita da UEFA por causa de uma queixa do clube italiano para castigar Enzo Pérez é bem reveladora disso, sobretudo se nos recordarmos que Platini é um antigo craque dos turineses e que já noutras alturas revelou preferências em competições da organização a que preside.

É portanto tudo isso que o Benfica enfrenta. E também o passado do último encontro com a Juventus, em 1993, em que se enfrentaram duas grandes equipas (Rui Costa, João Pinto, Mozer, Paulo Sousa, que depois vestiria a camisola bianconera, contra Roberto Baggio, Vialli, Kholer, o próprio Conte) em que depois de um também 2-1, perdeu 3-0 no antigo Stadio delle Alpi, em que lesionaram o guarda-redes Silvino sem que o árbitro fizesse caso, como muito bem é aqui recordado (leiam bem isto porque nos recorda porque devemos ganhar à Juve). O que é preciso é recuperar o passado anterior e honrá-lo: o grande golo de Eusébio em plena arena da Juventus, em 1968, reduzindo todo o público da FIAT ao silencio, antes de confirmar na Luz com um tranquilo 2-0. No ano da sua morte, seria uma grande homenagem ao Pantera. E recordar também o grande rival local da Juventus, o Torino, cuja grande squadra, na altura a melhor de Itália, pereceu no desastre da Superga, no regresso de um jogo na Luz, em 1949. É também por causa deles e para homenagear a sua memória que o Benfica deve fazer tudo para voltar a Turim, no dia 17 de Maio, para jogar a final. E se isso acontecer, não faltarão apoios entre os habitantes da grande capital do Piemonte, que torcem pelo Grande Torino. É não só a busca da vitória, mas também a da justiça e a da memória que estão em jogo.