segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Um crime vil e cobarde


Um indivíduo que se prostitua e tenha SIDA e outras doenças, como aquele que um bando de desvairados matou na última semana, corre o risco de ser considerado não só um indesejável pela restante sociedade, mas algo de imundo cuja existência não pode ser tolerada. É isso que temos tendência para pensar, por muito que o neguemos.
Provavelmente só crimes como estes é que nos fazem ver que pessoas como estas não são um mero resíduo a que se deva voltar a cara. A forma como o mataram, espancando-o, apedrejando-o, deixando-o amarrado e a agonizar ao frio durante dois dias mostra a bestialidade do acto. A confissão e o remorso do crime mostra que há talvez uma centelha de senso moral naquelas cabeças. Mas é muito pouco. E tardio.
E não me interessa se a vítima era gay, ou travesti, ou o que quer que seja, como agora andam as associações do tipo ILGAs a anunciar, e os respectivos contra-movimentos a contestar. Sei é que um gang de ganapos, sem valores, sem sentido do que quer que seja, com escassa capacidade de distinguir o certo e o errado, tentando fosse como fosse impôr-se perante alguém mais fraco, arranjou alguém debilitado e vulnerável como alvo das suas proezas. E tirou a vida a um desgraçado, ao abandono, sem nada de seu, que se escondia do próprio mundo num local degradadíssimo. Um crime do mais cobarde, vil e repugnante que se possa imaginar.
Que será feito destes adolescentes quando crescerem?

domingo, fevereiro 26, 2006

Truman e o sangue



Tenho vários filmes na agenda, como Syriana, Brockeback Mountain (se conseguir companhia feminina), Mrs Hendersson Presents ou Orgulho e Preconceito. E Capote. Já sei que não é um biopic integral, e sim a experiência que levou à escrita da obra "A sangue frio". Não desmerece a vista de olhos, mesmo assim. E a composição de Philip Seymour Hoffman também não, como seria de esperar. Estranho é que só agora tenha obtido um "leading role", conhecendo todas as potencialidades do "sósia de Pedro Mexia". A pose, a voz afectada, os tiques, estão todos lá. Claro que a composição de um papel sobre uma figura real é bem mais do que o seu autómato, a sua faceta visível. Mas pelo pouco que já vi e li, Seymour Hoffman entra na personagem, nos seus segredos, nas fraquezas, no seu maquiavelismo e perversidade.

Para se ficar com uma ideia do que era o mundano escritor e do quão bem o actor faz por merecer o Óscar para que está nomeado, aconselha-se o filme Um Cadáver à Sobremesa/Murder by Death. Uma paródia descabelada aos filmes noirs e de suspense, reunindo as caricaturas de alguns do mais famosos detectives da literatura, representados por sua vez por um elenco estrondoso: Peter Sellers, um detective chinês: Peter Falk, um Humphrey Bogart de trazer por casa; David Niven sempre cavalheiresco, com a respectiva Lady Maggie Smith; um pseudo-Poirot e seu motorista; uma Miss Marple pesada e a sua decrépita ama; à sua espera, o mordomo cego da casa, responsável pelas bagagens e pela arrumação dos carros, interpretado por Alec Guiness. E o anfitrião, o misterioso Lionel Twain, contra quem, descobrir-se-á mais tarde, todos têm contas a ajustar, quem é? Truman Capote, himself. De cigarrilha em punho, lentes fumadas e chapéu de largas abas, não consegue disfarçar aquela voz
efeminada e ciciante (ainda que com alguns momentos de fúria) nem a pose característica. Está lá todo, pelo menos até ao simulado crime de que é vítima.
Se tiverem oportunidade, vejam os dois filmes e façam as devidas comparações. Não me lembro agora de nada mais (publicamente) visível, mas é possível que o haja. Eu por mim quero ver se na próxima semana assisto a mais uma lição do que é ser um grande actor, dada por Mr. Seymour Hoffman.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Justiça

(Cortesia do sl-benfica.com)
Afinal a vitória estava ao nosso alcance. Tal como contra o Manchester. Mesmo num jogo táctico e chato, sem grandes possibilidades de marcar. Um golo solitário, fruto de um jogador que esteve intransponível ao longo da partida, e que deixa tudo em aberto para o confronto nas margens do Mersey. Uma vitória que, mais do que premiar o Benfica, castiga a forma timorata com que o Liverpool encarou o jogo.
E para quem não acredita em coincidências no futebol e em jogos que se repetem: quando as equipas entraram no relvado, uma das claques ergueu um lençol gigante que já tinha exibido no jogo contra o Sporting, na penúltima jornada do campeonato passado, que nos abriu as portas ao título. Comentei para o lado que aquela gigantesca faixa com os dizeres "Benfica campeão" me dava boas recordações. Se bem se lembram, acabou com um golo de cabeça do Luisão aos 83´. E o que sucedeu ontem? Um adversário que tal como o Sporting, jogou com demasiadas cautelas (ou ainda mais); e um golo de cabeça do Enorme central, aos...83´. Como diz aquela célebre "escritora" de folhetins: não há coincidências.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Em má altura

O confronto com o Liverpool não podia vir em pior altura. Nem qualquer um dos outros, aliás. Com os jogadores desmotivados, a defesa surpreendentemente frágil, o capitão Simão rabugento e Nuno Gomes perdulário, além dos reforços que pouco reforçaram e da lesão de Geovanni, logo agora que ele estava em forma, apanhar o Guimarães em crescendo com o apoio de toda a sua cidade e o Porto já com Quaresma e sem ausências de maior é tarefa que dispensava nesta altura.
Mas é o calendário que temos, e não adianta fingir que são confrontos "normais". O de hoje, contra uma equipa em plena forma, sem ser o mais importante para efeitos de época, pode no entanto servir como motivação extra se a exibição ou o resultado forem satisfatórios (se não forem, pouco se perde, também). Por ser já uma eliminatória da liga dos Campeões, que há muito não se via na Luz; porque se adivinha outro inferno, com o estádio esgotado; e porque traz à memória outros confrontos, com sabor a anos oitenta, de novo contra o campeão europeu em título, um Liverpool enfim renascido na sua glória. Nunca nos demos bem contra este clube, mas também jamais tínhamos vencido o Manchester United, e afinal...

Sim, não adianta disfarçar. No campo, só vai valer o esforço e a sorte. Defender bem e atacar com cabeça e em velocidade. Que a Luz seja o inferno de sempre para os visitantes. E que o "You´ll never walk alone" seja abafado, e que se ouçam muitos mais "SLB, SLB, Glorioso SLB, Glorioso SLB".



Nota: revendo os confrontos nos anos, oitenta, reparei que em84/85 só não eliminamos os ingleses por um golo. Caso tivéssemos ganho na Luz por 2-0, ou perdido em Anfield Road por 3-2, tínhamos seguido em frente. E aquela horrível e trágica final em Heysel jamais teria acontecido.
Cem mil não é para qualquer um

Tomara eu números assim. Parabéns à Zona Franca. Com essa quantidade, já dá para fazer umas tantas OPAs blogoesféricas.

domingo, fevereiro 19, 2006

Prossegue a reestruturação cíclica da blogoesfera e as sucessivas passagens de testemunho. Agora, foram a Janela Para o Rio e o Fumaças a encerrar a respectiva actividade. Dois blogues já veteranos que não resistiram à falta de tempo e à rotina ligados a este meio, e que merecem a nota, por todas as razões, e também por terem sido os primeiros a linkarem (ligarem?) A Ágora.

Uns acabam, outros começam. E outros não tinham ainda sido referidos. Casos da Insustentável Leveza, do Touch of Evil (apesar das incursões zombeteiras ao excelente Diário de um Adepto Benfiquista), do Metablog e do Amigo do Povo, marcando o regresso do Bruno Cardoso Reis ao meio. Parece aliás que todos os ex-Barnabés resolveram voltar à carga, de forma fragmentada: além do Daniel Oliveira, que ingressou no Aspirina B - juntamente com o Rodrigo Moita de Deus - podemos encontrar outros ex-companheiros de blogue aqui, aqui e aqui.
Para terminar, dois blogues "temáticos": Noite Americana, em cinema (por muito que o entendimento sobre Match Point seja muito diferente do que atrás se expôs), e aTerra da Alegria, que nos recorda regularmente a esperança da Boa Nova. E os Quase Famosos, no pop/rock (destes já tinha falado, mas convém sempre recordá-los).

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Composição de artes

Pode uma obra cinematográfica ser constituída por outras formas de arte? Vejamos: junta-se um punhado de literatura, da clássica (Dostoievsky, no caso); uma excelsa fotografia em tons cinzentos, com raros espaços luminosos; uns pozinhos de pintura (a exposta na Tate Modern); escultura, certamente, exprimida pelas esculturais actrizes que povoam as cenas; arquitectura talvez, com a contraposição das várias faces de Londres (a nova morada do jovem casal, por exemplo, com as largas vidraças mostrando Westminster), ou a típica Country House; teatro, evidentemente, não só de forma directa, com a apresentação do último musical de Andrew Lloyd Weber, mas sobretudo com o desenrolar da tragédia clássica; o adultério e a paixão desenfreada como Hybris, a situação da gravidez na mulher errada como o Pathos, o sofrimento crescente, o Destino previsto em alguns pormenores (a leitura da desdita do jovem Raskolnikov, que está escarrapachada), e o Clímax, onde se dá a catástrofe, ou seja, o crime hediondo, restando muito pouco de Catarse; tragédia essa temperada pela música, criando o necessário ambiente, interpretadana ópera do sublime e sentido Enrico Caruso.
O resultado é Match Point, grande obra da Sétima Arte da autoria de um dos seus maiores criadores: Woody Allen. E mais poder-lhe-ia acrescentar, se me viesse à memória.



Ps: entretanto também vi Munich, uma das obras mais aguardadas dos últimos meses. À parte as quase três horas e a incompleta vendeta dos protagonistas, a única coisa que para já posso dizer é repetir o título de um jornal: um filme desconfortável.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Acção-reacção

As caricaturas dinamarquesas e, principalmente, as suas repercussões, continuam a ser o assunto de discussão na blogesfera e tema de abertura nos noticiários.
Disse há dias que tudo já se tinha dito sobre a questão, mas enganei-me redondamente: muito havia para dizer, incluíndo os maiores disparates. Para começar, as sempiternas acusações à Europa "acobardada" e "sem saber o que fazer", em comparação com os EUA. O "acobardamento" é uma acusação gasta, com as inevitáveis cenários de destruição. Já a indecisão quanto ao que há a fazer é real, mas face a um problema desta complexidade e magnitude é difícil ter ideias claras. Os EUA também não serão o melhor exemplo do momento: não só foram os primeiros a criticar as caricaturas, como as últimas acções no Médio Oriente não lhes dão grande legitimidade para se afirmarem como paladinos na "guerra civilizacional". Que é outro dos grandes equívocos da torrente de declarações que se tem ouvido. Sem querer contrariar as razões de preocupação de todos os fanáticos e radicais que incendeiam embaixadas e bandeiras (ou de quem o permite) e clamam que "isto é tudo uma conspiração sionista", como ainda ontem o fez o Ayattolah Kamenei, começo a ficar farto daqueles que vêm não só com declarações grandiloquentes sobre a "guerra que já começou", ou a impossibilidade de acreditarmos que no Islão são todos terroristas, sem excepção. Além de Pacheco Pereira, que adora abrir as hostilidades, temos este texto, que é um bom exemplo do que falo, e ainda uma enorme quantidade de neo-defensores da liberdade de imprensa e de admiradores de Hutington, à esquerda como à direita. Além de estranhos revisionismos, tentando provar que "o Al-Andaluz é um mito", mais pelas razões políticas que pelas socio-culturais.

Como sempre, surge aquela expressão cada vez mais vazia de sentido e de que todo e qualquer ser opinativo se arroga: o "politicamente correcto". Esta semana, vi no Acidental uma troca de palavras em que duas pessoas se acusavam mutuamente de promover o seu oposto, o"politicamente correcto": um, em relação à falta de respeito dos cartoonistas perante os muçulmanos; outro, sob a temeridade em condenar as violentas recções contra a Dinamarca. ao que parece, somos todos muito "politicamente incorrectos", quer sustentemos uma opinião ou outra, ou o seu contrário.

Depois, claro, o "choque de civilizações", a deles contra a nossa. A ideia, além de ser demasiado generalista e simplista, (embora em relação a outras ameaças, como o aquecimento global, as preocupações destes opinantes caiam sem estrondo), é perigosa. Basta pensar que a civilização "deles" não abrange, no caso concreto, apenas os países árabes, mas também o Irão, um dos mais metidos ao barulho, o Paquistão, vastas populações da Índia, ou a Indonésia. Um panorama demasiado vasto para declaraçõezinhas de guerra pelos jornais. E a Bósnia, ou a Albânia, maioritariamente muçulmanas, bombardeiam-se?

Os partidários desta não tão novel ideia fazem constantes referências a Chamberlain e à sua política de apaziguamento frente aos nazis. A invocação, normalmente necessária, tende a ser saturada pelas excessivas comparações. É que se houve uma ameaça nazi, ela deveu-se à humilhação que os adversários da Alemanha lhe impuseram. Pela lógica das ideias, para se expurgar a ameaça não se pode apenas recorrer ao rearmamento: há que primeiro pensar se os muçulmanos, ou os árabes, ao menos, não se sentirão humilhados, e se não será isso que atrai o radicalismo. Não faltam causas, desde a absurda e inútil guerra do Iraque, aos apoios dúbios dos países ocidentais a ditaduras do Médio Oriente quando isso lhes convinha. Evidentamente, votam em extremistas como o Hamas de forma democrática, como possível desforra, ou porque não vêm outras alternativas credíveis.

Tudo isso não obsta a que operações militares possam ter lugar se necessário, como no Golfo em 1991, ou no Afeganistão. A hipótese de um ataque cirúrgico ao Irão não pode ser liminarmente afastada, pese embora a sua extrema dificuldade. Mas há que fazê-lo, se não houver alternativas, de forma a não não cometer os erros do Iraque, com uma ocupação mal disfarçada de "libertação", e a não provocar uma reacção tempestuosa do mundo muçulmano (já imaginaram a aliança improvável dos sunitas com os xiitas numa luta comum contra "o Grande Satã"?). O problema é que se vê aqui uma sede de guerra preocupante sobretudo pelo facto dos seus defensores não serem extremistas ou lunáticos. E também porque sabemos que uma escalada de um lado leva à radicalização do outro. era bom, já que se invoca o apaziguamento, que se lessem as páginas do seu grande adversário, o nunca demais lembrado Winston Churchill, sobre a forma como os derrotados da 1ª Guerra foram tratados. É que a paz a todo o custo pode ser uma cobardia e uma tontice, mas a guerra a todo o custo é uma monstruosidade.

Ah, e sobre o Profeta Maomé (ou Muhamad, no original), uma vez que ele deixou vasta prole no mundo árabe, e que esta também se espalhou pela Península Ibérica, quantos descendentes seus haverá em Portugal?

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

A imagem por que todos esperavam





Scarlett Johansson e Keira Knightley na capa da Vanity Fair . Assim mesmo. Suponho que a revista vá esgotar a sua edição.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Liberdade e civilização

Sobre a crise dos cartoons publicados em vários países europeus que desagradaram aos muçulmanos e incendiaram os ânimos dos mais radicais, como o clube de fãs de Ahmadinejad, já quase tudo se disse. Ainda assim, vou deixar algums notas sobre o que penso, muito embora não acrescente absolutamente nada de novo. É só para ficarem a saber o que se pensa aqui n ´A Ágora.

- Liberdade de expressão? Um princípio inalienável numa sociedade livre, democrática e tolerante, de que a dinamarca é um dos exemplos mais perfeitos.

- Limites? Evidentamente. Como é sabido, liberdade alguma é absoluta. Por isso mesmo, a nossa lei penal consagra certas situações em que manifestações dessa liberdade podem ser objecto da sanções legais. Alguns casos são exemplificados, embora como sempre não se possa dispensar a interpretação das autoridades judiciais.

- As religiões, tal como as ideias políticas, são igualmente satirizáveis. Pelo seu sentido transcendente, tendem a provocar mais fúria do que o comum das caricaturas.

- Diz-se que as caricaturas em questão são perfeitamente normais, e que a sua repetição nos últimos dias é apenas uma demonstração da força da liberdade de imprensa nas sociedades ocidentais. Discordo plenamente. Os cartoons não eram parciais ou mero gozo: pretenderam tratar os muçulmanos no seu conjunto, como sendo seguidores de uma religião ela própria de terroristas. Pode-se considerar isto como uma manifestação de xenofobia e racismo (se segundo o que ouvi dizer dos antecedentes do jornal, provavelmente foram-no mesmo). Para isso, os ofendidos deviam ter recorrido aos meios de direito, atrás descritos.

- As reacções em países como o Irão, Síria, Líbano e afins acirraram os ânimos dos fanáticos locais e foram aproveitados pelos respectivos regimes (ou facções, no caso do Líbano) para continuar a sua campanha contra "o Grande Satã"; a Israel e EUA junta-se agora a Europa. Tudo o que é "Ocidental" cabe no mesmo prato. Não é um exclusivo da outra margem do Mediterrâneo: por cá, há muito que vêm os muçulmanos como seres de barba espessa e cimitarra à cintura, de nome "Mustapha" (que é um nome turco, mas que já vi apontado como dominante entre quem professa o credo de Maomé).

- As reacções dos fanáticos não são de espantar. Numa posição mais incómoda ficaram os muçulmanos mais moderados, a que a maioria dos media pouca cobertura deu.

- As reacções internacionais divergiram: cautelosos como os EUA, mais impulsivos, como a Alemanha, todos tiveram alguma razão.

- Se eu fosse os cartoonistas ou os responsáveis pelas publicações, poria a mão na consciência e não repetiria a graça, que é em si mesmo inutilmente provocatória e ofensiva. Os respectivos governos nada têm que ver com as opiniões e actos dos seus cidadãos, que os responsabilizam somente a eles. A liberdade, como se sabe, implica igual responsabilidade (mesmo que esta, para José Vítor Malheiros, do Público, não seja chamada a este caso, o que eu discordo).

- Se os governos nada tinham que justificar, então agora, com os ataques às respectivas embaixadas e representações, ainda menos. E o facto de queimarem sucessivas bandeiras dinamarquesas, e não só, o que por si só prova a bestialidade e a ignorância dessa gente, é uma ofensa tão grande ou maior que os famosos cartoons.

-O que dizem sobre a não reciprocidade de acções em países ocidentais se tais graças fossem aplicadas a símbolos cristãos ou judeus não é de todo verdadeira: é sabido que mesmo estes credos têm os seus intransigentes defensores, como é o caso de alguns grupos radicais evangélicos dos EUA.

- A Civilização ocidental é Superior? Neste contexto e nesta época, sim, é, pela liberdade, bem-estar material e respeito que dá aos seus cidadãos, e que são a causa para que tantos muçulmanos imigrem para a Europa, EUA ou Canadá. Embora estas razões possam mudar com o tempo e as circunstâncias: há mil anos, Granada e Córdova eram sem dúvida superiores em civilização ao vetusto reino da Dinamarca. Hoje, contudo, o país de Andersen, da Lego e de Kierkegaard é o modelo perfeito da superioridade actual da nossa civilização, com o qual gostaríamos muito de nos parecer.
A superioridade das civilizações não se deve confundir porém com a "superioridade dos povos", um conceito perigoso e distorcido, que há mais de sessenta anos levou aos resultados catastróficos que se conhecem (e a Dinamarca, aliás, também os sentiu).

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Tristes recriminações

Manuel Alegre voltou ao seu lugar na AR. A meu ver, faz bem. Por muito que a boa vontade e o um milhão e tal de votos ajudem, pouco poderia fazer sem algum peso institucional. E o lugar de deputado (não sei se também vice-presidente da AR) terá a sua influência nas questões que pretende abordar, seja na interrupção da IVG, onde não poderá contar certamente com o meu apoio, seja na discussão sobre desertificação e despovoamento do interior (aqui merece sólida concordância).
Entretanto, o seu papel nas presidenciais voltou a ser apupado por alguns comentadores de nova geração. Depois da malta da Geração de 70 (como Pedro Mexia), ainda temos de aturar os dois cantos do Expresso. O Daniel Oliveira veio dizer que os votantes em Alegre só o tinham feito por duas ou três razões (ódio ao soarismo, esquerda romântica e porque não sabiam em quem deviam votar, salvo erro). Esqueceu-se de dezenas de outras, como a de que Alegre era o único que mostrava grande amor a pátria sem os complexos típicos da esquerda radical e dos neoliberais, e ou que não estava embrulhado em máquinas partidárias, como a do seu candidato, Francisco Louçã, ou muitas outras que pertencerão a quem nele votou. A nova admiração de Daniel por Soares deu-lhe para desancar no poeta por dá cá aquela palha.
Outro que se divertiu a zurzir em Alegre foi (além de Vasco Pulido Valente, recém-chegado à sua tão criticada blogoesfera) João Pereira Coutinho, alegando a sua "iliteracia política" e o seu "delírio". É típico do ex-Infame: qualquer indivíduo que tenha ideias diferentes das suas é logo apelidado de ser portador de "insanidade", de o fazer "rebolar de riso", ou de tomar parte numa "trupe ideológica". Isto claro, se não o tratar de "mau-carácter" ou "verme", como já aconteceu ao dito Daniel Oliveira.
O problema é que o mesmo Pereira Coutinho disse há meses, quando Alegre não se candidatou ao primeiro impulso, que o deputado teria tido um acto de dignidade se o tivesse feito. Assim que Alegre decidiu mesmo avançar, começaram as zombarias e as desclassificações da parte do colunista. Só prova que a tal iliteracia política de que fala o toca muito mais a ele do que a pessoas que já andavam em sessões legislativas quando ainda se debatia no berço. E que se não sofre de delírio, há pelo menos naquela mente uma boa dose de amnésia em relação às opiniões expressas escasso tempo antes