segunda-feira, setembro 29, 2008

O trabalho e a família
Na semana passada entrevi as linhas de um artigo de Rui Ramos, no Público, já não sei em que dia, que ia ao encontro de uma coisa em que andava a pensar: O BE, e mais ainda, o PCP, reclamam continuamente contra as alterações ao Código do Trabalho, argumentando que irá tornar o emprego mais precário e pôr os trabalhadores mais à mercê da entidade patronal. Poderão até ter as suas razões. Mas não deixa de causar espanto toda esta preocupação ao mesmo tempo que apoiam uma norma que irá por sua vez causar mais precariedade no casamento (e na família). Se no contrato de trabalho há direitos e deveres para as partes (obediência, remuneração periódica, etc), também os há na instituição familiar, estabelecidos no Código Civil. Ao relativizar esses direitos/deveres, dá ideia de que consideram mais difícil encontrar trabalho do que formar uma família, ou então a estabilidade desta não tem grande importância. Será?

domingo, setembro 28, 2008

Paul Newman 1925 - 2008


Hollywood é madrasta, e frequentemente esquece-se de premiar os seus mais zelosos servidores. Outros são lembrados tarde e más horas, mas são lembrados. Scorcese é um deles, por exemplo. Outro era Paul Newman, que ganhou o Óscar de Melhor Actor à sétima nomeação, por sinal numa cerimónia em que nem se encontrava presente.

Sim, como todos conheço a figura semi-mítica (a partir de hora sem o prefixo) de Paul Newman, a sua dignidade, a sua integridade, o seu casamento de cinquenta anos, uma agulha no palheiro do mundo do cinema, sobretudo tratando-se de alguém com uma figura que certamente atrairia as atenções do sexo oposto. Era mais uma das raras personificações do Homem no cinema, na linha de um James Stewart, de um Peck ou de um Brando, de que hoje resta George Cloney e pouco mais.

Mas como tantos outros, desconheço a sua obra maior nas telas. Nunca vi o Veredicto, filme aconselhado por qualquer lente de Direito, nem Gato em Telhado de Zinco Quente, ou Butch Cassidy and the Sundance Kid, ou ainda Malice. Lembro-me de A Cor do Dinheiro, sequela com a qual ganhou a tal estatueta dourada, de Êxodo, dos recentes Message in a Bottle e Caminho da Perdição (com o qual ganhou ainda uma nomeação pelo seu papel de chefe de clã mafioso irlandês), e poucos mais. Não basta, claro, mas é o que se arranja até agora.
Ao contrário de outros, a morte de Newman era mais que anunciada. Morreu com a dignidade que sempre teve, rodeado dos seus, sem querer prolongar artificialmente a vida. Uma vida, diga-se, totalmente realizada, coisa que ainda ontem era discutida pelos especialistas cinéfilos. Uma estrela maior entre todas as que o cinema viu desaparecer este ano, que se já estava a ser particularmente sombrio nessa matéria, mais negro ficou.

terça-feira, setembro 23, 2008

Sic transit gloria urbi
Agora são Samora Correia, Borba e a Senhora da Hora que querem ser cidades. A vila ribatejana até pode ser populosa, ali em plena lezíria, com a já suburbana Vila Franca por perto, mas a alentejana tem pouco carácter citadino. Sobre a freguesia dominada pelo NorteShopping, não compreendo como é que tendo o Porto e Matosinhos à frente e do outro lado da estrada precisará de ser cidade. Sempre vi a Senhora da Hora como pacato subúrbio residencial, atravessado pelo comboio (agora metro), jamais como uma urbe em si.

Esta moda de ser tudo cidade pegou de há vinte anos para cá, como se pode verificar. Se até ao fim da Idade Média só um determinado grupo de burgos era cidade (mais concretamente, as dioceses), o seu conceito começou a alargar-se a partir do momento em que Bragança, importante referência defensiva no Nordeste e pertença da Casa com o mesmo nome, adquiriu esse estatuto. Depois vieram as algarvias Tavira, Lagos e Faro, que substituiu Silves como centro de diocese, as açorianas, o Funchal, e entre os Sécs. XVI e XVII surgiram mais algumas dioceses e respectivas cidades, normalmente por razões estratégicas ou políticas, tais como Miranda, Pinhel, Elvas ou Penafiel. Nos anos de oitocentos, algumas atingem dimensão para se elevarem a essa categoria, como Santarém, Guimarães, Tomar ou Setúbal. Com a República vêm mais algumas (Vila Real foi a última capital de distrito a tornar-se cidade, apenas em 1925!), mas o Estado Novo mostrou-se mais avaro e só Almada, Póvoa de Varzim e Espinho é que lá chegaram, e só nos anos setenta. A 3ª República começou por ser prudente, mas em meados dos anos 80 surgiu nova fornada de cidades, mais no interior. Nos anos 90 e 2000, perdeu-se todo e qualquer sentido de urbe, mesmo que a Lei só permita, salvo condições especiais, que as cidades necessitem no mínimo de 8000 habitantes e de um conjunto de equipamentos equivalente. Mas por razões que me escapam ou por qualquer excepção, vilas houve que foram elevadas a cidade sem se perceber porquê. Tarouca, por exemplo, construiu uns prédios, uns arruamentos e alcançou assim o mesmo estatuto que a sua vizinha, a antiquíssima e nobilíssima Lamego, na sombra da qual esteve durante séculos. Na Beira vamos ainda encontrar Meda, Sabugal, Santa Comba, etc: tudo cidades, mesmo que algumas nem no concelho inteiro comportem habitantes suficientes para um burgo minimamente aceitável. Temos além disso cidades no Algarve que muito me espantam (Quarteira, e Lagoa), ou na Madeira, em que até um sítio de que nunca tinha ouvido falar, chamado Caniço, foi elevado a cidade! À febre também não escaparam as pacatas Porto Santo e Santana, que com aquelas casinhas engraçadas lembra antes uma aldeia de conto de fadas.
Aveiro também é pródiga, e só Santa Maria da Feira tem 3 para amostra: além da própria Feira, há ainda Lourosa e Fiães. Na Bairrada, está feito o pleno, com Anadia, Mealhada e Oliveira do Bairro, e a Gafanha da Nazaré é uma imensa cidade-bairro de pescadores e marnotos.
O distrito do Porto, então, bate tudo: concelhos que não são cidade temos apenas Lousada e Baião, Deus assim as conserve. Há depois uma infinidade de freguesias-cidade, como Lixa ou Freamunde. O exemplo mais burlesco vem do concelho de Paredes (também cidade, claro está): quando quiseram elevar Lordelo à categoria superior, Rebordosa e Gandra, de tamanho semelhante, também quiseram. Salomonicamente, ficaram as três com a graça urbana. A Gandra, aliás, ganhou população depois da instalação de um pólo de faculdade de medicina dentária. Alguns estudantes começaram a ficar por ali, construíram-se casas, depois prédios para a população, vieram alguns bares para animar a estudantada, e agora bem se pode considerar um "cidade universitária". Pitoresco. Será que têm tradições académicas próprias?
Fora os casos em que pela dimensão e importância social o mereceriam, tudo isto revela um imenso sentimento de provincianismo: querer ser cidade a todo o custo mostra uma ansiedade em ser urbano, em dizer que se é da "cidade de tal" e "ser moderno", em distanciar-se do campo e de qualquer ligação à ruralidade. Essa ideia imbecil que "a cidade é que importante" é uma das causas da suburbanização e falta de sentido estético que hoje se vê em Portugal (e não só, sejamos justos). Além de ser perigosa: reduzir o mundo rural a quase nada, ou a uma mera atracção turística, terá consequências graves no futuro. A alimentação ainda não vem dos laboratórios. E as cidades arriscam-se a ficar sobrelotadas, não já no miolo mas nos seus arredores, e a tornar-se de novo centros infectos de doenças e epidemias várias.
Tivesse eu poder sobre estas categorias e umas cinquenta cidades passavam a ser vilas. Aliás, nem acho que freguesia alguma devesse ser cidade. A distinção entre esta, a vila e a aldeia deve estar correctamente feita, sem que isso represente qualquer sentimento de inferioridade para as duas últimas categorias. Que olhem para os exemplos de Ponte de Lima, Cascais e Oeiras: à questão de saber se queriam ser cidades, puxaram dos galardões e recusaram liminarmente. Bem hajam!

domingo, setembro 21, 2008

O Sol, esse jornal tão diferente

O Arquitecto Saraiva parece continuar no seu jogo de fazer das pessoas parvas. O Sol aparece agora com a oferta de um DVD de um filme infantil - exactamente o motivo por que verberavam o Expresso. Ao lado, para o lembrar, o já célebre princípio de que "este jornal vale por si" e "não dá brindes". Com os mesmos brindes escarrapachados ao lado. Ou então esqueceram-se de retirar o lema nesta edição, colocando ao lado o mais ternurento " o jornal que gosta de crianças".

quinta-feira, setembro 18, 2008

Os cultos de Nápoles

Pela primeira vez na sua história, o Benfica defronta o Nápoles, na primeira eliminatória da Taça UEFA. Um sorteio pouco feliz assim o determinou. O grande clube do Sul de Itália pode não estar na forma do fim dos anos 80, mas no seu S. Paolo, com uma turba fanática e uma equipa aguerrida e bem montada, é um adversário temível. Por alguma razão todos os grandes de Itália perderam lá no ano passado.


Antes do apogeu na década de oitenta, o clube já tinha ganho uma ou outra taça sob a direcção de Achille Lauro, poderoso armador, Sindaco de Nápoles durante alguns anos e líder dos monárquicos italianos a nível nacional (no referendo de 1946 que instituiu a República, a monarquia teve as suas maiores votações precisamente na Campânia: mais de 60%), mais conhecido também pelo assalto a um navio com o seu nome. Até que chegou o seu novo Deus Maradona, cuja idolatria repartem com os argentinos: o pequeno génio deu a ganhar ao clube dois scudettos e uma Taça UEFA, coisa só em sonhos imaginada pelos napolitanos. Depois da sua partida, o clube começou a decair. Teve mais uma ou outra participação nas competições europeias, e depois tombou nas divisões secundárias, vergado pelo passivo financeiro. Recuperado da falência pelo empresário Aurelio di Laurentiis (sobrinho de Dino De Laurentiis), voltou em 2007 à Serie A e à UEFA. Além de Diego Armando passaram por lá jogadores Careca, André Cruz, Jonas Thern, Ciro Ferrara ou Fabio Canavarro, e técnicos tais como Marcello Lipi.


Mas não é só a Maradona que os napolitanos, povo crente, veneram. O padroeiro da cidade, San Gennaro (ou São Januário), é alvo de um culto célebre, que inclui o milagre anual da liquefacção do seu sangue, durante a sua festa. Que ocorre precisamente...Sexta-Feira, 19, no dia a seguir ao jogo com o Benfica. Significa portanto que os napolitanos não poderão pedir pelo seu clube o bom milagre durante as comemorações do Santo, mas apenas antes, ou na melhor das hipóteses, pedir-lhe que o resultado da noite anterior possa ainda ser revertido. Espero eu, assim como espero que no dia de San Gennaro não haja grande festança e que o Santo não esteja virado para grandes benesses. Ele que atenda ao problema do lixo espalhado pela cidade, ou da Camorra, do desemprego atávico e da situação económica e social italiana que ali é particularmente severa. Agora quanto ao futebol, que esteja virado para outro lado que nós agradecemos.

segunda-feira, setembro 15, 2008

A ferrovia a saque

Interessante artigo de ontem, no Público, sobre a linha férrea em Trás-os-Montes e no Douro. Interessante mas inquietante, também. As perspectivas não eram nem são nada agradáveis. E o pouco que resta desse fantástico património ferroviário e do esforço de imensos trabalhadores e técnicos em ultrapassar as barreiras naturais da região pode vir a ser eliminado nos próximos anos.
Da linha mãe, a do Douro, que ia até Barca de Alva e seguia por Espanha (hoje acaba no Pocinho), saíam várias outras, correspondentes a alguns afluentes do rio. A do Tâmega desviava-se em Livração, no Marco, e ia até Arco de Baúlhe, depois de passar por Celorico e Amarante. Hoje para nesta última, e só tem poucos quilómetros. A do Corgo saía da Régua, trepava (e trepa) pelos socalcos do Douro acima, passava por Vila Real, Vila Pouca, Pedras Salgadas e Vidago, e acabava em Chaves. Tinha grande relevância no transporte para as termas. Depois da amputação, ficou-se pela capital de distrito. A do Tua, como se sabe, sobretudo pelos vários e suspeitos acidentes que tem sofrido nos últimos meses, parte da estação com o nome do rio, passa por fragas e depois por olivais até Mirandela (onde cessa actualmente a sua marcha), e seguia por Macedo, até Bragança. A do Sabor, porventura a mais entusiasmante em termos de paisagem, e a única integralmente abandonada, subia do Pocinho em direcção a Moncorvo, passava ao largo de Freixo e de Mogadouro e ia morrer em Duas Igrejas, a poucos quilómetros de Miranda. Ainda houve projectos para uma linha do Varosa, que seguiria para sul, atravessando do Douro, até Viseu, via Lamego. Ainda se construíram viadutos e até uma ponte metálica, que faz parte hoje em dia da paisagem reguense, nunca tendo servido realmente para nada. Caso o projecto da linha tivesse sido concretizado, o mais provável é que ela já estivesse encerrada.


Os erros de alguns projectos iniciais, como a interrupção abrupta das linhas em relação ao plano original ou o traçado que não aproveitava às povoações mais importantes, e a falta de visão de alguns dirigentes políticos e responsáveis ferroviários, levaram ao corte brutal destas vias. A concorrência rodoviária, apoiada em fortes lobis, e normalmente de qualidade inferior ao comboio, muito contribuíram para esse fim. Transformou o que delas restava numa mera atracção turística de Verão, ou num transporte para um ou outro lugar mais inacessível. Destruiu um património único, literalmente deixado às urtigas, e desperdiçou todo o trabalho de construção e manutenção efectuado antes.


Agora que parte do declínio das linhas é irreversível, convém salvar o que resta e aproveitar o que ainda pode ser utilizado. Há pressões das câmaras de toda a região para que se reactive a parte desactivada da Linha do Douro, a partir do Pocinho. Os espanhóis estão a fazer o mesmo no seu lado, e seria uma monumental asneira não aproveitar o ocasião de se levar de novo o comboio a Barca de Alva, evitando que tantos visitantes voltem para trás ou apanhem um autocarro, e ligar o Porto a Salamanca (duas cidades classificadas pela UNESCO como Património da Humanidade).


Por outro lado, a Linha do Tua, que tantas desditas tem sofrido nos últimos tempos, algumas bastante suspeitas, desde que se soube dos planos da construção de uma barragem no seu vale, que destruiria a velha e histórica linha férrea. Se se conseguir impedir tão inútil projecto(principalmente para as populações locais), tarefa que se afigura hercúlea tendo em conta a ganância da EDP, seria uma oportunidade de ouro para se requalificar a linha e restaurar a sua parte inactiva, levando-a a Bragança, e cumprindo o projecto original de atingir Puebla de Sanabria, já em Espanha. A ideia tem agora ainda mais cabimento já que na dita cidade haverá uma estação de paragem da linha de alta velocidade entre Madrid e a Galiza, equidistante de Zamora e Ourense. Ligava-se assim o douro ao TGV espanhol. Tal é o projecto da petição que andou aí a circular para a salvação da linha do Tua.




Quanto ao Corgo, ao menos que fique como está. a passagem pelas vinhas, quase a resvalar nos precipícios, é notável. O futuro da linha do Tâmega é mais incerto, até pela sua escassa distância. O fantástico percurso do Sabor, esse, já não tem qualquer remédio, mas ao menos que se aproveite o património que deixou disseminado, como algumas estações ao abandono (a do Freixo, a 14 quilómetros da vila, é paradigmática).


É sabido que o actual governo dá mais ênfase ao "tecnológico"e não prima muito pela defesa do património. Por isso mesmo há que falar mais deste imenso património ferroviário como há poucos na Europa. O Douro não seria o que é sem o comboio. E não só. Por isso, que mil artigos como este sejam editados, que mais petições, manifestações, debates e chamadas de atenção floresçam, para que os senhores da REFER e da CP não fiquem surdos e promovam o que lhes cabe salvaguardar.
Em San Diego
Livin´in California é um novo blogue que descreve a vida de um doutorando português de engenharia em San Diego, no sul da Califórnia. Está a dar os primeiros passos, e o seu administrador ainda se está a ambientar à terra onde vai passar os próximos anos (e à escrita bloguística). Haverá com certeza matéria de sobra para saber como é a vida de quem está a tirar o doutoramento nos EUA (esse termo mágico de tão prestigiado que é) e que é que pode fazer na Califórnia no intervalo das aulas e dos papers. A partir de agora, o blogue do José "in California" Maria Costa Pereira está na para a coluna dos links.

sábado, setembro 13, 2008

A frase de Salina

 
Esta noite revi o O Leopardo, o magnífico filme de Visconti inspirado no livro de Lampedusa. E tirei a limpo uma dúvida que já tinha há algum tempo. Quando se refere a obra - o livro ou o filme, tanto faz - costuma-se invocar uma frase proferida pelo Príncipe de Salina da seguinte forma: é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma. Parecia-me que a frase não era exactamente assim, e hoje confirmei-o: na realidade, o Príncipe/Burt Lancaster diz é preciso que uma ou duas coisas mudem para que tudo fique na mesma.
A prova mais evidente da sabedoria dessa máxima é que a correcção que serviu de propósito a este post não lhe retirou qualquer sentido.

quarta-feira, setembro 10, 2008

O PRI em Angola
Olhando para os esmagadores números da vitória do MPLA em Angola, não se pode deixar de pensar que terá havido mesmo fraude eleitoral. Mais de 80% é demais. Mesmo que não tenha havido o clássico golpe dos votos previamente enfiados na urna, ou outros semelhantes, as secções de voto que não abriram ou que não tinham pessoal habilitado levaram a uma elevada abstenção, que prejudicou a sobretudo a UNITA.
O MPLA não precisava deste mau funcionamento do processo eleitoral (que a delegação da UE chegou a considerar "um desastre", muito embora outros o tentassem disfarçar) para ganhar, mas a obsessão em conseguir os dois terços dos votos para alterar a constituição era tal que não olhou a quaisquer meios. A máquina estatal e a comunicação social cobriram massivamente as suas acções de campanha, imensos recursos foram utilizados em brindes, e num dos mais corruptos países do mundo, imagina-se os montantes de dinheiros públicos que não terão sido movimentados para financiarem a "campanha à americana" que se verificou, com comícios gigantes e meios publicitários pouco comuns em África.
A UNITA estava assim em desvantagem, mas só na imaginação de alguns é que ganharia estas eleições. Sem os recursos do partido do poder, com algumas deserções para as fileiras do MPLA que lhe retiraram muitas figuras carismáticas e com a impopularidade colhida na segunda guerra civil, jamais chegaria perto sequer. Quanto aos outros partidos, ficaram apenas com as migalhas, e o histórico FNLA, que desencadeou a Guerra Colonial em Angola, quase desapareceu, excepto alguns magros apoios na fronteira norte.
Se a paz regressou aquele país, e há algumas manifestações democráticas, a cleptocracia reinante vai certamente perdurar. E o MPLA, com a base de apoio alargada, tornar-se-à provavelmente o PRI angolano.

segunda-feira, setembro 08, 2008

O mundo de alguns

Porque é que quando leio um artigo de João Carlos Espada me dão ganas de votar no BE ou de ir à Festa do Avante? Talvez porque o eminente Professor e cronista do Expresso nunca aplique a si mesmo a máxima que proclama no seu último artigo de opinião: existe um mundo lá fora. Que não se resume a clubes privados, a salas de conferência de "liberty funds" e quejandos, à Católica de Lisboa ou ao Hotel Palace do Estoril. E por incrível que pareça, nem ao mundo anglo-saxónico, que não é a única fonte de virtudes no mundo. Alguém é capaz de lhe dizer isso?

sexta-feira, setembro 05, 2008

O Céu sobre Lisboa


Nos últimos dias apareceram em várias blogues condolências pela morte de Pedro Ornelas.

Não fazia a menor ideia de quem se tratava até finalmente uma leitura atenta me deixar esclarecido: era nem mais nem menos que o autor do blogue O Céu sobre Lisboa.

Houve uma certa época em que ia lá quase diariamente. Ainda cheguei a deixar uns comentários na respectiva caixa. Depois, no tempo que passei em Lisboa, ia lá de vez em quando para procurar sugestões e curiosidades sobre a cidade e arredores, dos quais Pedro era um incansável andarilho. Aqui, por exemplo, descobri coisas sobre o Jardim da Estrela que de outra forma não teria reparado. E ainda se viam imensos posts sobre a Margem Sul, o Porto, o Algarve, a Madeira, Madrid, questões linguísticas e ortográficas, etc.

Sabia que o blogue estava com fraca produção, e só por isso não o "linkei", mas não que o seu autor não estava mais entre nós.



Quanto a O Céu sobre Lisboa, continuará a vogar solto pela blogoesfera, como um fantasma. É uma excelente recordação e um bonito legado para todos, mesmo aqueles que, como eu, apenas conheciam Pedro Ornelas pelas memórias e as paixões que nos revelava com as suas fotografias e as suas palavras.

(Esta imagem pertencia ao seu blogue; era talvez a paisagem mais repetida, para assinalar sempre o tempo que fazia).

terça-feira, setembro 02, 2008

O site de Dragan Dabic

Mais de um mês após a detenção, o site pessoal do Doutor Dragan Dabic, aliás Radovan Karadzic, continua no ar. Não explica é se os utentes que quiserem recorrer à sua medicina alternativa têm de se deslocar à Haia. Os bósnios muçulmanos não terão certamente vontade nenhuma de recorrer aos seus serviços.

segunda-feira, setembro 01, 2008

Guerras de Verão



Os Jogos Olímpicos de Pequim, que à partida seriam o assunto mais debatido do mês que agora acaba, tiveram de dividir o protagonismo com o conflito entre a Geórgia e a Rússia, por causa da Ossétia do Sul (e da Abcázia). Desde o início das hostilidades até à retirada das tropas russas do território georgiano propriamente dito, muito se escreveu sobre de quem seria a culpa, ou a nova ameaça que alguns vêem na Rússia, quando a criam quase por terra.


Desde logo, será bom verificar que a actual Geórgia está bem mais forte do que nas guerras civis dos anos noventa. Com um crescimento económico de perto de 10% e a modernização das forças armadas, o Presidente Saakashvili alimenta a sonho de entrar na NATO e na UE, coisa que seria uma lança no Cáucaso. A aproximação à Europa dos 27 e principalmente aos Estados Unidos, com os quais tem estreitas relações, e cuja ajuda para a Revolução Rosa de 2003 foi determinante, tornam a Geórgia num posto avançado ocidental encravado no flanco sul da Rússia. Precisamente o que os EUA pretendem, para cerca e domar a Rússia e aproximar-se da Ásia Central - e do Irão.


Em 1991, com a queda da URSS, inúmeros entusiastas da Pax Americana deleitavam-se com a humilhação do ex-inimigo, agora transformado apenas num urso de peluche, com o seu presidente beberrão, os seus governantes pró-yuppies e o seu exército decadente e a desfazer-se. Abriam McDonalds em Moscovo e aos poucos foram aparecendo novos oligarcas, donos agora das antigas empresas públicas soviéticas. Mas com a passagem do século surgiu também Vladimir Putin, que os havia de dominar e aproveitar da melhor maneira as necessidades energéticas do Ocidente de petróleo e gás natural.


Um dos maiores erros da história é humilhar povos e estados que já tiveram um passado bélico de respeito, sobretudo se tiverem um forte orgulho nacional, algum rancor e capacidade de se levantar. Basta pensar na Alemanha pós-1919.


Putin usou esse mesmo sentimento para reerguer a Rússia como potência a temer. Ainda por cima o orgulho estava ferido pela adesão do ex-Pacto de Varsóvia à NATO, pelo projecto do escudo anti-míssil nas suas antigas esferas de influência, pelas revoluções multicolores pró-ocidentais nessas mesmas esferas e pela afronta feita à sua aliada Sérvia, com o apoio à independência do Kosovo. Resolveu por isso actuar, coisa que aterrou os que a julgavam hibernada.


A aventura militar da Geórgia serviu às mil maravilhas para mostrar o seu poderio. Tem-se dito, e acho a expressão particularmente feliz, que Saakashvili deu um passo maior que o pé. Apesar das suas forças estarem bem equipadas, também ele devia estar ciente da impossibilidade militar, a menos que estivesse embriagado de megalomania. Provavelmente esperava a reacção russa, mas com a confiança de que a Europa e os EUA a apoiariam. Poderia assim restaurar a soberania georgiana no Ossétia e na Abcázia, aderir a curto prazo à NATO e recuperar o seu prestígio interno. Mas essa confiança era desmesurada, já que se sabe que conselheiros americanos e israelitas o tentaram dissuadir de semelhante empresa. ainda assim, avançou. Os seus planos saíram furados: não conseguiu recuperar a autoridade nas regiões insurgentes e viu os tanques russos a poucos quilómetros de Tbilissi. Talvez a Geórgia ainda possa aderir à NATO, daqui a alguns anos, se prometer não se envolver em semelhantes brincadeiras. O resultado desta curta guerra de Verão, a que mais episódios se deverão seguir, são algumas centenas de mortos, milhares de refugiados e desalojados (para os dois lados) e uma derrota militar e política humilhante. Além de que poderá ver ao seu lado dois futuros estados, antes sob sua autoridade, sem qualquer condição de viabilidade e que provavelmente se tornarão em províncias da Rússia. Moscovo conseguiu os seus intentos, apenas com inofensivas recriminações, e no fim ficou-se a rir.

Só se pode concluir que se tratou de uma aventura absurda e pretensiosa de um país pelo qual até tenho apreço e curiosidade. Mas a e a teimosia megalomania dos seus líderes teima em perdê-los. Gamsakurdia pagou com a vida. Shevardnaze com a destituição e o exílio. Saakashvili (que já mostrou laivos de prepotência) mantém-se no lugar, mas por quanto tempo?

Zoroastrismo
A não perder os posts sobre o Zoroastrismo no Herdeiro de Aécio. Fiquei a saber, por exemplo, que o culto se espalhou pela Índia, quando o julgava confinado a pequenas comunidades no Irão.