sábado, julho 31, 2010

Confronto



O livro Confronto - História de uma Cooperativa Cultural, de Mário Brochado Coelho, foi lançado há dias, no Porto. É uma espécie de resenha histórica, cronológica e onomástica, com extensos dados, apesar de ser um livro relativamente pequeno, recordando uma cooperativa cultural de oposição ao Estado Novo. A Confronto surgiu nos anos sessenta, pela mão de sectores católicos oposicionistas, inspirada pelo Concílio do Vaticano II e pelo afastado Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, e durante a sua existência teve extensa actividade cultural e social, para além dos problemas inerentes a qualquer instituição que não estivesse nas boas graças do regime vigente, o que deu origem a várias atribulações e diversas mudanças de sede. Dela fizeram parte, além do autor do livro, pessoas como Francisco Sá Carneiro, Artur Santos Silva, coisa que já sabia, e outros que ignorava de todo em todo, como Jardim Gonçalves. Teve existência efémera - acabou antes do 25 de Abril - e posteriormente os seus membros dispersaram-se por várias formações partidárias saídas da Revolução, da UDP ao PSD. Todavia, sua memória e a sua história são dados importantes para se perceber melhor os circuitos da oposição ao regime fora da área de influência do PCP nos últimos tempos do salazarismo e na era marcelista.

terça-feira, julho 20, 2010

Mundial - notas, identidades e coincidências


Uma das coisas que dá certo gozo acompanhar nas competições futebolísticas para amantes de bizantinices como eu é acompanhar o despique político, histórico ou sociológico por trás de alguns jogos de futebol. O Mundial que agora acabou não constituiu excepção. Assim, revimos alguns clássicos inter (e extra) futebolísticos, como o Alemanha-Inglaterra, o Portugal-Espanha e até a final, com uma carga histórica completamente ignorada.
Uma das maiores rivalidades entre nações do mundo da bola é a que existe entre Inglaterra e Alemanha. A febre pelo desporto coincidiu com a adversidade política e bélica, quando o Reich rivalizava com o British Empire no número de fábricas. Como se sabe, deu em tremendas guerras entre as duas potências, com a subsequente vitória britânica. Ao triunfo nos teatros de guerra, os ingleses juntaram a supremacia nos relvados. Na maioria dos casos suplantavam os germânicos, cujo desporto favorito era mesmo a ginástica. Isso durou até ao Mundial de 1966, cuja final os bretões ganharam com o polémico golo de Geoffrey Hurst. A partir daí, nos confrontos entre as duas equipas, quase só deu Alemanha, que também teve muito maior sucesso em competições internacionais, arrebatando troféus, finais e terceiros lugares. Os ingleses, apesar de continuarem a pensar que têm uma relação única com a bola e jogadores superlativos, nunca vão muito longe, e quando estão perto do fim, apanham com o velho inimigo teutónico, que até nos penaltis os vencem. Comprovam-no o Mundial de 1990 e a desolação de Gascoigne, Stuart Pearce, Southgate, e até o "hino" dos Lightning Seeds, indiscutivelmente festivo mas com um toque agridoce de melancolia da derrota. Já Lineker resumia tudo numa das mais famosas máximas do mundo da bola: "o futebol são 11 contra 11, e no fim ganha a Alemanha". Notável excepção: o Alemanha-Inglaterra de 2001, para a qualificação do Mundial 2002, partida que os ingleses venceram por impressionantes 5-1 no Estádio Olímpico de Munique, e que se tornou um troféu que doravante puderam exibir nas discussões com os alemães.

A sobranceria inglesa reside portanto no pensamento enraizado da "pátria do futebol". Não por acaso os melhores resultados recentes da Selecção deveram-se a técnicos de fora, como o mal amado (?) Eriksson. Mas agora nem com Capello a coisa correu bem. Outro dos erros comuns dos ingleses é confiarem na qualidade individual dos seus jogadores, esquecendo que um Lampard e um Gerrard não jogam necessariamente bem juntos, ou que um Rooney também pode atravessar dias maus. Se o capitão Beckham e o poste Rio Ferdinand se lesionam, a coisa tende a dar para o torto. E tendo em conta que desde o quarentão Peter Shilton não arranjam um keeper de qualidade, apesar dos esforços de David Seaman, é com naturalidade que sofrem golos. Para seu azar, o velho inimigo germânico, despojado de estrelas, mostrou a sua máxima eficácia com jogos terrivelmente colectivos. Em mais um jogo que opôs as duas equipas, aquele golo anulado num momento em que a equipa de arbitragem sofria de alucinações momentâneas poderia ter mudado os números da goleada, mas não a vitória alemã. Os jogadas extremamente rápidas e combinadas dos alemães teriam abatido a Inglaterra em qualquer ocasião. Jogo físico, sem rodriguinhos, de uma simplicidade absurdamente eficaz: eis a Mannschaft quase tradicional, no seu máximo esplendor. E escrevo "quase" porque faltou um elemento tão próprio das selecções alemãs vencedoras: o líbero. Beckenbauer, Matthaus e Sammer, comandando as respectivas gerações, mostraram como esta posição indefinida era a peça essencial para o triunfo nas competições internacionais. O último terá sido Olaf Thon, uma peça menos preciosa na nobre linhagem germânica dos líberos. Desta vez, o capitão era um defesa lateral, Lham. Por isso a Alemanha, com todo o seu bloco colectivo, não chegou ao fim.

Mas antes da queda frente à Espanha tiveram tempo de cilindrar a orgulhosa Argentina, depois da goleada à Inglaterra. Mais uma vez o jogo colectivo e mecânico não deu hipóteses às jogadas individuais da turma de Maradona, que para além do superlativo Messi tinha o melhor naipe de avançados da prova. Reeditou-se mais um clássico dos Mundiais (com o seu auge entre os anos oitenta e noventa, quando estas duas equipas dominavam o Mundo), depois dos penaltis de 2006.
Mas um clássico apesar de tudo morno se comparado com o que teria tido lugar caso por milagre de S. Jorge os ingleses tivessem eliminado a Alemanha. Entre argentinos e alemães nunca houve hostilidade mútua, fosse pela comunidade germânica no país das Pampas, pelas relações comerciais estabelecidas entre ambos os países, e pela formação militar de oficiais argentinos na Prússia antes da 1ª Guerra. E não era à toa que muitos refugiados nazis se acolheram na Argentina depois da 2ª Guerra, aproveitando as simpatias germanófilas dos seus líderes, entre os quais Juan Peron.
Já a inimizade entre argentinos e britânicos, como se sabe, incendiou-se depois da Guerra das Malvinas. O jogo da "mão de Deus" e o golo depois de não sei quantas fintas de Maradona tornou-se o ex-líbris dessa inimizade, normalmente ganha pelos sul-americanos, com excepção de 2002, em que os comandados de Beckham venceram de penalti Batistuta & Companhia, deixando ainda mais de rastos um país então em gravíssima crise económica e social, que olhava para os seus jogadores de futebol como portadores de uma redenção que não veio.
Caso se tivessem encontrado novamente, teríamos as provocações em catadupa do rubicundo Maradona a Beckham, no seu fato Savile Row versão urban-chic, sob a fleuma habitual de Capello, Terry a envolver-se com Tevez e Rooney com Demichelis, tensão entre os milhares de adeptos, expulsões em barda e golos de antologia. Em suma, um grande jogo. Pena que não tenha sido possível.

domingo, julho 11, 2010

Um moço de recados desprestigiante


 
Se há político que pelas suas atitudes mancha absolutamente a sua classe, tem um nome em Portugal: José Lello. Mancha que espalha, aliás, reiteradamente, como se nada fosse. Depois de dizer que Manuel Alegre tinha aproveitado voos pagos pelo seu partido para fazer acções de promoção dos seus livros nos Açores (coisa que era mentira), e de vir em socorro a Vital Moreira, quando este acusou o PSD de estar ligado às "roubalheiras do BPN", mandando pelo caminho recadinhos a Maria de Belém quando esta disse não se rever em tais declarações, vem agora com a sua última bojarda. Um projecto recente do Parlamento previa que os deputados viajassem em voos de classe económica em viagens de tempo inferior a três horas, excluindo o Presidente da AR. Todavia, Jaime Gama renunciou à regalia e colocou-se ao nível dos restantes deputados. Não se sabe vindo de onde, Lello surgiu dizendo que seria "desprestigiante"o Presidente da AR não viajar sempre em executiva.

Não sei o que leva a criatura a dizer tantos disparates. Será o porta-voz das coisas que a cúpula pensa e não pode dizer? Terá alguma propensão clínica para a asneira? Ou acumulará tantos ódios de estimação que não se contém e revela-os publicamente? Seja como for, cada vez que fala queima-se publicamente. Estranho que não perceba que a atitude de Gama revela sentido de estado e cai bem na opinião pública. Não sei como Lello se mantém no Parlamento, ou que valia trará actualmente ao PS, mas este ofício de moço dos recados estapafúrdios e trauliteiros (agora a visar o próprio Jaime Gama) não deve trazer muitos votos. Alguém lhe diga, com todas as letras, que desprestigiante é a sua figura quando se lembra de abrir a boca com um microfone à frente.

domingo, julho 04, 2010

O mítico Uruguai revive


E a Celeste ganhou mesmo. Com lesionados e expulsos à mistura, com um estádio todo a puxar pelos adversário, ultrapassou o Gana, depois de estar à beira da eliminação no último minuto do prolongamento. Os seus jogadores voltaram a exibir uma resistência sobre humana às adversidades, que já não mostravam há muito, mas que os levou aos grandes momentos da sua história futebolística.

Também em 1950, na final do Campeonato do Mundo, num Maracanã a abarrotar de gente (o jogo com mais espectadores de sempre), apoiando furiosamente o Brasil, ao qual bastava o empate para se sagrar pela primeira vez campeão mundial, os uruguaios pareciam meros convidados formais, condenados a ser parte de uma mera formalidade a que toda aquela multidão tinha vindo assistir. Mas não era isso que estava escrito, e, comandados pelo capitão Obdúlio Varela, resistindo a um ambiente adverso e a um golo de avanço do Brasil, entraram mesmo na baliza à guarda de Barbosa, pelo grande avançado da equipa Juan Alberto Schiaffino, primeiro, e depois por Ghiggia, que deu a estocada final. O Brasil não mais conseguiu marcar e perdeu a final num silêncio sepulcral, ao passo que os uruguaios, por quem ninguém dava nada, levaram com eles a Taça. Houve suicídios, lágrimas e culpas para muitos, a começar no guarda-redes. Desde então, s selecção brasileira deixou a camisola branca e adoptou o amarelo, com a qual ainda hoje se veste.

O Uruguai ainda disputou as meias finais quatro anos depois, na Suíça, caindo perante a fabulosa Hungria de Puskas. Muitos dos seus jogadores foram depois jogar para Itália e passaram mesmo a jogar pela selecção transalpina, numa altura em que isso era possível, dado que muitos eram filhos de imigrantes italianos. Com isso, a Celeste perdeu a sua força anterior, começou a falhar Mundiais, e só em 1970 voltaria a umas meias finais. Conseguiu-o de novo agora, numa campanha épica e de muito sofrimento. É pouco provável que consiga ir mais além, com uma moralizada Holanda pela frente, e sem alguns elementos importantes, mas se conseguiram vencer o Brasil no Rio de Janeiro, quem é que pode assegurar que os sucessores de Schiaffino & Companhia não voltam a surpreender?

sexta-feira, julho 02, 2010

Clássicos à vista


Entretanto, os jogos dos quartos prometem. Um Brasil-Holanda é sempre apetecível. Em confrontos anteriores, os canarinhos levaram sempre a melhor, mas com enorme dificuldade, em jogos memoráveis (ainda me lembro do de 1994, com Bebeto a inventar uma nova forma de comemorar um golo). Depois, a única equipa africana em prova tenta pela primeira vez chegar às meias finais, mas pela frente aparece uma equipa que em tempos idos sagrou-se campeã mundial por duas vezes. Aliás, agora que Portugal não está em prova, já sei quem vou apoiar.


A escolha é simples: prefiro sempre os clássicos, e este clássico, campeão e anfitrião do primeiro Mundial, em 1930, tem apenas três milhões de habitantes e mede forças com grandes potências. Caso não se supere, o sucedâneo nas minhas escolhas é o seu grande vizinho de baixo, que mede depois forças com os panzers, esses velhos inimigos de finais que até os eliminaram há 4 anos, em penaltys. Será pois o gênio dos rapazes de Maradona contra as arrancadas letais da Mannschaft.

O Adamastor espanhol



Não passámos à fase seguinte, afinal. O adversário também não ajudava. Provou-se que a Espanha é realmente forte, e não o produto de um Campeonato Europeu ganho por mera felicidade. Esta selecção espanhola congrega uma grupo de jogadores que estão no auge das suas capacidades, e quererá mostrar isso aos habituais candidatos ao título mundial.
 

Cair nos oitavos de final perante a Espanha, com apenas um golo sofrido, e depois de se temer o pior na fase de grupos está longe de ser vergonhoso. O que me dá pena nem é a derrota em si, mas a absoluta incapacidade e falta de audácia para tentar dar a volta ao resultado. Portugal não só não atacou depois do golo de Villa como ainda podia ter sofrido mais. Valeu-nos um par de centrais competentes e com experiência, um lateral esquerdo irreverente e um guarda-redes gigante. Fosse a equipa constituída por 11 Eduardos e a história teria acabado de outra maneira.


A primeira razão do desaire é a Espanha ser uma equipa superior. A segunda, quase tão importante, é que Portugal não tem um técnico à altura do evento. Isso já se sabia, mas a passagem aos oitavos camuflou um pouco. Carlos Queiroz não tem autoridade nem consegue fazer alterações necessárias a meio de um jogo, sobretudo quando perde. Ficou provado (espero que definitivamente) que não é de maneira nenhuma um bom treinador principal. Desde a sua passagem pelo Real Madrid que se percebeu isso. A propósito, o treinador de Espanha, Vicente del Bosque, uma velha raposa do futebol, antecedeu-o como técnico dos Merengues, na complicada altura em que os Galácticos queriam sobressair. Ganhou dois campeonatos de Espanha, duas Ligas dos Campeões, uma supertaça europeia e uma Taça Intercontinental. Queiroz deixou a equipa em quarto lugar. Diferença pequena, não é?


Depois tivemos um Cristiano Ronaldo entre o abúlico e o desamparado. Pouco se viu, tirando o "golo de mochila" contra a Coreia e algumas bolas na barra. Fica como o craque desilusão do certame, ao lado de Rooney.


Por fim, há a razão do fado lusitano, desta vez bem personificado. O jogo realizou-se na Cidade do Cabo. No primeiro, o tal contra os norte-coreanos, Madaíl e Queiroz deixaram uma coroa de flores na estátua de Bartolomeu Dias. Uma acção de louvar, rara nestes meios. Mas imediatamente começaram as frases fáceis, como "vamos voltar a ganhar na Boa Esperança e dobrar o Cabo das Tormentas". Se se lembrassem da história, talvez não tivessem invocado o nome do Cabo em vão. Sim, fomos os primeiros europeus a arribar à zona, e Bartolomeu Dias ultrapassou o mítico obstáculo, abrindo o caminho para as Índias. Mas nunca haveria de lá chegar. Acompanhou Vasco da Gama na sua viagem até certo ponto, e em 1500, na expedição de Pedro Álvares Cabral, depois do desvio pelo Brasil, seguiu para Oriente. Ao passar o cabo, as tempestades afundaram quatro navios, entre os quais o de Dias, que pereceu ao largo do Cabo que tinha ultrapassado em primeiro, e que legaria o seu nome à história. As Tormentas com que o tinha baptizado foram-lhe fatais.

Também na nossa segunda passagem pelo Cabo, neste Mundial, acabamos por naufragar, e logo perante o velho adversário castelhano (bem guarnecido de catalães, é certo). A nossa carreira no Campeonato do Mundo teve um estranho paralelo com o destino de Bartolomeu Dias. Os Descobrimentos fazem parte da nossa História, mas o Adamastor pertence à nossa Mitologia, e agora apareceu com vestes castelhanas. Falta-nos é um Camões que reze esta nova e tímida gesta.