Acontece muitas vezes, mas é sobretudo no Verão que João Carlos Espada se lembra de relacionar liberdade com o uso da gravata. Ficou famoso o seu artigo "Londres em Agosto", em que nos descrevia minuciosamente as regras do seu clube londrino, como se de um membro da Câmara dos Lordes se tratasse, reproduzindo metaforicamente a liberdade no uso de indumentária apropriada, em contraste com as "elites pós-modernas" (raio de mania de fugir à sua condição elitista), que viajariam de avião em calções e xanatas.
Desta vez, Espada continua a sua fome de gentlemanship nas universidades americanas. Ao que parece, numa das primeiras noites do seu périplo americano, achou que "as coisas tinham passado das marcas "porque, no Harvard Faculty Club, "ao pequeno almoço ninguém usava gravata". Para sua grande felicidade, o Liberty Fund convidou-o para uma conferência em Indianápolis, em que o próprio motorista "trajava casaco e gravata", e ainda por cima achava que a educação melhoraria se acabassem com o Ministério da Educação "e aí por diante". Ainda segundo palavras suas, "na América, toda a gente que se preze é a favor do small government".
Dissertando abundantemente sobre o Liberty Fund, os neo-conservadores, Adam Smith, Burke, Hayek, Oakeshott e quejandos, Espada, entre os seus novos colegas conferencistas, chega a uma conclusão inquietante: "olhei à volta e não vi ninguém sem gravata ao pequeno almoço. Lembrei-me de que no Harvard Faculty Club eram quase todos a favor da intervenção do Estado". Ou seja, segundo ele próprio, não eram pessoas que se prezassem.
Era o que eu já desconfiava: a doutrina espadiana, amálgama dos pensamentos de Popper, Berlin, Oakeshott e com uma réstia de respeito por Mário Soares, avalia os comportamentos, as ideias políticas e a força das convicções pelo traje e pela sua maior ou menor formalidade. Respeito, sem dúvida, mas discordo. É que embora classicista na minha forma de vestir (até de "velho" já me chamaram), e entendendo a necessidade de solenidade em certas ocasiões, olho para as ideias e para a ética com um pouco menos de leviandade. E entendo que a forma de vestir como se quiser é também uma expressão de liberdade, contrariamente aos fatos marciais da Coreia do Norte, ou à proibição de "vestes imorais" em alguns países onde a Sharia islâmica é lei. E que o facto de se usar gravata ou não ao pequeno almoço está longe de ser um comprovativo de "formas de conduta decente". O que não falta são escroques engravatados, sem ponta de senso moral. Nem todos as universidades ou outras instituições de ideias e cultura têm de ser uma cópia a papel químico de Oxford.
Já agora, e a propósito da referência no texto a um membro do Liberty Fund, cuja compostura sartorial ("botões de punho, suspensórios, e fato às riscas") era do seu apreço, relembro que um antigo companheiro de Espada nos velhos tempos da UDP, Pedro Cabrita Reis, numa entrevista que deu recentemente, teceu palavras muito pouco elogiosas ao actual Director do Centro de Estudos Políticos da UCP. Pelo que se viu na fotografia, envergava uns elegantes suspensórios.
3 comentários:
onde é que apareceu esse "artigo" do Espada?
No Expresso?
Há links para isso?
um abraço
rd
O artigo de JCE vem no caderno principal do Expresso de 19 de Agosto, mas acho que só se tem acesso online através de registo prévio.
AHAHAHAHAHA! É cá um postal!
Abraço
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