Ainda a contas com défice de sono depois da extraordinária noite de ontem, faço finalmente o balanço das Autárquicas. Mas devagar, porque muito há a dizer e a temperança é uma virtude cristã. Por isso, vou-me cingir para já ao que se passou no Porto, e noutro post falarei dos outros resultados.
A vitória de Rui Moreira apanhou muitos desprevenidos. Havia quem começasse a acreditar que podia acontecer a partir do momento em que foram divulgadas as sondagens da Universidade Católica que lhe davam um curto triunfo. Mas a maioria caiu de quatro: quase todas as sondagens previam a vitória de Menezes, e os analistas de TV iam atrás desses números. Rui Moreira era um outsider simpático, mas pouco mais.
Mas quem seguia, e sobretudo, quem participava na campanha fazia outro tipo de previsões. O exemplo da vitória de Rio sobre Fernando Gomes, em 2001, estava na memória de todos. Os contactos de rua também eram animadores. Além disso, os excessos de campanha, numa altura em que se pede contenção e austeridade, eram contraproducentes. Desde o início, a apresentação no Ferreira Borges, que mais e mais gente se começou a entusiasmar com a candidatura independente. O CDS-PP, horrorizado com a hipótese de Menezes atravessar a ponte, deu o seu apoio a Moreira. Alguns militantes do PSD, como Miguel Veiga, também. Na altura, aí por Abril, em que entrei nas primeiras acções de campanha, lembro-me de nos cálculos que fazia com pessoas amigas, em que apostava que Moreira conseguiria mais de 15% dos votos, O vencedor seria Menezes, com todo o seu CV de autarca e o séquito laranja, ou Manuel Pizarro, confiante na força do PS portuense e na divisão de votos. Mas o tempo passou, e chegado o Verão, já se acreditava que a campanha rua a rua, porta a porta, e a persistência trariam um combate mais interessante. Há poucas semanas, convenci-me finalmente que a vitória era realmente possível. As últimas sondagens não me espantaram nada mesmo (até porque sabia que o JN estava descaradamente com Menezes). Espantou-me, sim, a dimensão da vitória de Rui Moreira, e a derrota clamorosa e humilhante de Luís Filipe Menezes, que muitos consideravam que daria um passeio de uma margem à outra do rio.
Digam o que disserem, Moreira é o grande vencedor destas autárquicas. António Costa era um vencedor anunciado e os seus opositores estenderam-lhe uma passadeira vermelha. Pela primeira vez, uma candidatura independente ganha uma grande câmara no país. O rótulo de "candidato de Rio e do CDS" é redutor e ignorante. Moreira, que presidiu até há pouco à Associação Comercial do Porto, é um digno representante da burguesia liberal portuense, e os habitantes da cidade reconheceram-no. Ganhou contra aparelhos partidários, jornais e analistas televisivos, sondagens, bloggers, campanhas bojudas e com meios sem fim, troças e remoques; só não se pode dizer que ganhou "contra tudo e contra todos" porque seria injusto: ganhou COM uma larga fatia dos portuenses. É uma vitória que prescinde de caciques, ajudas líderes partidários nacionais, aparelhos eleitorais e até, como confirmei hoje, da tradicional visita ao Bolhão (cuja reabilitação, de resto, está contemplada no programa eleitoral de RM). Não precisou de nada disso para obter uma vitória seguríssima, que se estende à conquista da Assembleia Municipal e de 5 das sete (novas) freguesias da cidade. É o novo Presidente da Câmara Municipal do Porto com todo o mérito.
Do lado dos adversários, Pizarro, que terá algo a dizer na nova vereação camarária, saudou a vitória de Moreira com visível alívio, já que não só impediu a tomada do poder por parte de Menezes como ainda conseguiu um honroso segundo lugar. Já o ex-autarca de Gaia teve até um discurso invulgarmente digno e tranquilo, envolvido num ambiente sepulcral. O mesmo não se pode dizer de alguns dos seus apoiantes, que aparentemente, não perceberam nada. Não perceberam que o "politiquez" que se usa nos aparelhos partidários nada diz às pessoas, que a política das prendas e dos grandes gastos de campanha, das promessas de tudo e mais alguma coisa já nada garantem, e que sobretudo essa mania de falar aos eleitores como se eles fossem pobres patetas é chão que deu uvas. Acabou. Rui moreira demonstrou isso mesmo. Mas os derrotados desta noite devem aproveitar para meditar e perceber os seus erros, e não atirar as culpas para cima dos eleitores, que "preferem ser enganados". Neste rol meto também alguns bloguistas que compensam o seu patético despeito pré-eleitoral com análises tão estapafúrdias na sua evidentíssima azia que nem ao menos disfarçam um bocadinho que seja. Nestes casos, a desonestidade intelectual paga tornando-se puro objecto de gozo, como os respectivos comentários atestam.
Moreira ganhou, e ganhou bem, não porque tinha o apoio do CDS, de Rio ou de Veiga e demais "históricos do PSD", mas porque soube conquistar os portuenses, que viram nele um digno representante sem passado de dirigismo partidário. É uma enorme lição e uma oportunidade que o país deve aproveitar. Se não o fizer, o aparelhismo partidário acabará (ou será substituído) de maneira mais dolorosa. Mas no Porto, a hora é de esperança e de orgulho. Terei saudades desta campanha renhida mas alegre, em que se gritava "o meu partido é o Porto". Mas nesta cidade, confiança não falta.