As coisas mudam mesmo num espaço de semanas. No início do ano, à boleia de um convite a uns amigos para que iam dar uma conferência na universidade jesuíta local, planeava ir ao Líbano em Junho, se possível, apesar da contestação social e das muitas manifestações que lá havia. Entretanto, meteu-se o covid pelo meio, a separar o Mundo e a impedir viagens e a ideia ficou anulada, mas quem sabe, talvez noutra oportunidade...
Há dias, Beirute, a "Paris do Levante", ficou parcialmente em escombros, a fazer lembrar a guerra civil dos anos 80, mas aqui bastaram uns segundos para a destruição, com dezenas de mortos (já vão em mais de 160) e milhares de feridos. Os hospitais ficaram danificados e sem luz. O porto, principal entrada do comércio naquele país descendente dos fenícios, está arrasado, ainda com cadáveres por baixo dos destroços, e as reservas de cereal, destinadas à esmagadora maioria dos libaneses e armazenadas naquele silo mesmo ao lado da explosão, foram ao ar. Já não bastava o covid - que lá até nem tinha sido muito intenso, até agora - a contestação social e a tradicional divisão entre grupos político-religiosos e agora isto. E os protestos voltaram, ainda mais acirrados, levando à inevitável queda do governo. Não vai ser fácil constituir um novo executivo, tendo em conta as dificuldades extremas para consertar o país, se é que tem conserto, acrescidas da confusa divisão de poderes, mais religiosa que política, que obriga a que a presidência do país, a chefia do governo e a presidência do parlamento caiba, respectivamente, a um cristão maronita, um muçulmano sunita e um xiita.
Eis como os nosso planos mais lúdicos podem mudar de forma completamente inesperada. Há meses estudava a geografia de Beirute, os pontos mais interessantes de Tiro, Sídon, Biblos ou Tripóli, e os caminhos para os vales dos cedros e para Balbeek mais os seus templos superlativos. Agora só se vêm ruínas, destruição, motins e epidemias. Como se as pragas bíblicas tivessem atingido aquela faixa de terra tão perto da Galileia. Provavelmente os meus planos de conhecer aquele lindíssimo país, que podia ser um paraíso e é momentaneamente um inferno, vão ficar adiados por muito mais tempo. Que até lá se reerga, como depois das guerras internas.