terça-feira, setembro 27, 2022

Por Itália

 Não sei porquê tanta preocupação com o mais que provável governo de Giorgia Meloni em Itália: é mais que sabido que nenhum executivo italiano chega sequer aos dois anos, a não ser que haja uma improvável "Marcha sobre Roma". Além do mais, o que também não ajuda à estabilidade, a coligação vencedora tem três egos gigantes a comandá-la - Meloni, Salvini e Berlusconi - e o de Meloni nem parecer ser o maior.

 

Curioso é que os que estavam no governo Draghi e ajudaram a derrubá-lo caíram muito nas votações. Veja-se o Movimento Cinco Estrelas, agora liderado pelo ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte, ao passo que o seu antecessor na chefia do partido e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi di Maio, nem conseguiu ser eleito para as câmaras.
 
E é igualmente interessante observar que os apoiantes de Putin caíram nas votações, começando por Salvini, que se fica por metade da votação, ou o próprio Berlusconi, que viram os seus votos rumarem directamente para os Fratelli d´Italia, de Meloni, crítica explícita da invasão da Ucrânia.
 
Tempos houve em que o sistema político italiano era absolutamente previsível: ganhava a Democracia Cristã sem maioria, o Partido Comunista ficava em segundo, e a primeira formava governo com os liberais, republicanos, sociais-democratas, e, a partir de certa altura, também com os socialistas, ao passo que os neofascistas (do qual provém a formação de Meloni), tal como os comunistas e os radicais, ficavam de fora. Mas de há trinta anos para cá o sistema tornou-se imprevisível, a não ser no que respeita à curta duração dos governos, e os partidos ficaram absolutamente voláteis, apostando mais nas personalidades que os lideram do que em ideias ou ideologias.

quinta-feira, setembro 22, 2022

A importância da homenagem

Tenho visto alguns remoques a tudo o que rodeou as exéquias da Rainha, com o argumento de que o Mundo está a atravessar momentos difíceis, com o pós-pandemia, a guerra na Ucrânia, a ameaça nuclear, a seca, a inflação crescente, as ameaças de recessão, etc, e que era preciso dar mais atenção a tudo isso do que às homenagens a Isabel II.

Eu entendo exactamente o contrário. É precisamente a beleza estética das homenagens, incluindo formalismos que nem imaginávamos, o sentimento de unidade na tristeza, a tradição como ligação entre o passado e o presente e o exemplo de dever, discrição e de supra-politiquice que permitem enfrentar todos esses problemas com esperança e firmeza - e sim, esquecê-los por umas horas. E tratando-se de Isabel II, peguemos em duas imagens, no início e no fim da sua missão: uma em que conduzia ambulâncias durante a II Guerra, e outra, a mensagem no início da pandemia, em que rematava com o "We will meet again". Só esses dois exemplos, nos tempos sombrios que corremos, justificariam toda a homenagem.

sábado, setembro 10, 2022

Ausência de referências e outras considerações

 Às vezes imaginava uma situação caricata, em que uma pessoa morta há umas décadas, aí nos anos 70 ou 80, voltaria à vida e eu teria de lhe explicar tudo o que mudou no mundo desde então, como o fim do confronto Leste-Oeste, por exemplo (se bem que pareça menos longe, hoje em dia), a emergência dos países asiáticos, com a China à cabeça ou o advento da net e das novas formas de comunicação. Para me ajudar, teria de me socorrer de algumas referências ainda existentes. A que me vinha logo à cabeça era a Rainha Isabel II. Diria algo como "tudo mudou menos uma coisa: a Rainha permanece no trono" (ou como o Pedro Correia já aqui afirmou várias vezes, "viu passar todas as modas; só ela nunca passou de moda"). A seguir seria Fidel Castro, que também já lá vai, e outros de quem não me recordo agora.

Agora que a Rainha nos deixou, que referências haveria para uma pessoa de há 40/50 anos? Quem poderia dizer que está no seu lugar? Não me ocorre ninguém. Como se em pouco tempo o Mundo tivesse mudado muito mais depressa do que seria suposto. É mais um dos sinais a indicar-nos que os tempos mudaram mesmo e, sem referências, personalidades ou instituições-âncora, estão mais incertos do que nunca. 

E aproveito para rectificar uma ideia que tenho visto a espalhar-se no último dia. Nos muitos e merecidos encómios a Isabel II, já li por diversas vezes que tinha acabado o reinado mais longo de sempre. Também pensei, aquando do jubileu, que iria bater o recorde. Eram só mais dois anos. Mas não. Isabel II ultrapassou a Rainha Vitória e é a Rainha, no sentido estritamente feminino do termo, com o reinado mais longo de sempre. Mas o monarca que detém o galardão continua a pertencer ao outro lado da mancha e dificilmente será "destronado", perdoem-me o trocadilho fácil. Neste aspecto, o (rei) Sol continuará mesmo a brilhar.


Entretanto recordei-me da colaboração que dei à revista
 Negócios Estrangeiros nos cinquenta anos da primeira visita de Isabel II a Portugal. Ali para a página 197 está o artigo da visita, para o qual colaborei com inúmeras notas sobre o itinerário realizado. Tem o seu interesse. E mais se discorre sobre o significado político da visita, em plena era de descolonizações e Guerra Fria. Sim, Isabel II subiu ao trono numa época igualmente atribulada para o Reino Unido, só que tinha um Winston Churchill para a ajudar. De certa maneira, tenho pena de Liz Truss, pelo tremendo início de mandato. Começar com a morte do monarca é pesado, mas com uma monarca tão marcante é mastodôntico.