sexta-feira, abril 16, 2004

Posts Lentos

...e ao fim de uma semana regressei para actualizar A Ágora.

Infelizmente a situação interna não melhorou muito nestes sete dias. O Iraque continua a ser o inferno na Terra, apesar de Bush continuar empenhado na sua "libertação" e "democratização", para não falar da repressão das "facções minoritárias que não representam o povo iraquiano, apoiante da coligação". Para isso, tratou de matar uns seiscentos iraquianos, metade dos quais mulheres e crianças, que como é óbvio, são dos inimigos mais perigosos.
Por muito que se fique repugnado e horrorizado com as imagens dos corpos calcinados dos quatro norte-americanos assassinados na semana passada, a ideia das forças ocupantes (sim, o termo é este) de disparar sobre tudo o que mexa faz-nos pensar que é pior a emenda que o soneto. Mostra claramente a gritante falta de estratégia da coligação para impôr seja que regime fôr no Iraque, de legitimidade aliás duvidosa. As imagens utópicas dos iraquianos recebendo os soldados com bandeirinhas americanas e atirando-lhes flores são de um ridículo atroz quando em contraste com a duríssima realidade: uma população insegura cada vez mais descontente com as forças ocupantes, um exército de radicais que se avoluma a cada dia que passa, a morte e a barbárie à solta por toda Mesopotâmia, o terrorismo a fervilhar e a preparar, quem sabe, novos atentados contra o resto do Mundo, e umas tropas de ocupação que em lugar de defender os locais reagem a golpes de míssil e de canhão. Eis um cenário digno da Divina Comédia.
Agora, quando um exército estrangeiro, baseado em factos falsos e manipulados, sem que tenha sido atacado anteriormente, sem a menor legitimidade ou justificação à luz do Direito Internacional, invade um país, e ás contestações dos indígenas responde provocando centenas de mortos e feridos, atacando além do mais templos religiosos, que se poderá esperar destes? Que sejam compreensivos? Só mesmo alguém demasiado ingénuo ou com uma má-fé visceral poderá afirmar isso. Mas o que é certo é que esses não faltam, baseados em sondagens que dizem que "72% dos iraquianos consideram que a situação é melhor do que no tempo de Saddam". Como se fosse possível fazer um estudo minimamente credível no diabólico caos que por lá se espalhou...
Enfim, nem tudo é assim tão mau. A verdade é que na Páscoa não houve atentados terroristas. Os japoneses feitos reféns e ameaçados de morte horrenda foram postos em liberdade (embora um italiano tenha sido assassinado por mais um grupo de bandoleiros). E a mensagem de Bin Laden, propondo tréguas à Europa, pode bem ser um sinal de fraqueza e de vulnerabilidade, talvez para ganhar tempo. Sobretudo, há que não lho dar.

A Praia aparece parte do texto de Pedro Mexia da GR da semana passada, ácerca da noite e dos encantos (a propósito, aquela imagem colectivo-feminina que ele pôs no "Dicionário..." é de extremo bom gosto). Devo dizer que me revejo em muito da tal descrição, já que adquiri igualmente o hábito de estar mais activo à noite nos primeiros anos da faculdade. Não que seja um noctívago no sentido de me deslocar hebdomadariamente pela discoteca ou bar da moda, mas antes por apreciar especialmente estas horas do dia (!), em que a inspiração, a vervee o entusiasmo chegam com mais fluidez. Os meus posts, por exemplo, são quase 100% nocturnos (apesar da hora em baixo assim não o indicar). Estive mesmo vai - não vai para apelidar de "Blog Nocturno" isto que os prezados leitores têm pela frente, mas felizmente uma qualquer hora tardia sussurou-me "A Ágora".
Pudesse eu escolher as horas do meu próprio trabalho e não me deitaria senão ao nascer do dia, já que este é o cenário mais belo e majestoso que um ser pode exigir. Assim não o quer o destino actual, que me vai obrigar a deitar não tarda nada, obrigado que sou a levantar-me a uma hora pouco católica. Quem sabe um dia consiga ser um escritor famoso, ou um DJ, ou um guarda-nocturno, ou qualquer profissão que me permita estar acordado de noite. Tudo para ver a ascensão de mais um dia radioso, antes das horas em que o bulício amaina e as estrelas reaparecem.

Se o vinho é alegria e o campo representa a paz, então uma ou várias vinhas representarão a junção entre estes dois elementos, e bem assim um cenário idílico. Deve ser por isso que a visão de uma região vinhateira me dá uma tão grande sensação de paz e reconciliação com a vida. Ainda que numa altura longe das vindimas, como na Páscoa. E se o tempo estiver soalheiro, nem se fala. A vista de vinhedos, pomares e montanhas de tom doce e macio é a mais conciliadora que conheço. Pudesse toda a humanidade usufruír de tanto. Embora haja os que preferem os cenários tropicais.
Mas bom mesmo é poder estar só num terraço, gozando o sol primaveril da tarde, com um bom livro nas mãos, campos e pinhais à esquerda, latadas e vinhas à frente, pomares e choupos à direita, e, atrás destes, o suave perfil da serra a subir lentamente, formando o Parque Natural. Tudo acompanhado pelo canto dos pássaros e pelo zumbido dos insectos.
Se tivesse possibilidade, passava deste modo o resto da semana. Mas a Páscoa acabou, e a realidade citadina obrigou-me a esquecer o bucolismo. O pior é que não conseguiu. Malditos sejam o regresso ao trabalho e a nostalgia!

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