Saramago só depois
As homenagens artísticas tanto podem ser legítimas e compreensíveis como se podem revestir de um oportunismo com intenções várias, a começar pelas ideológicas. A recente proposta da
CDU de de dar o nome o nome de Saramago a uma rua do Porto encaixa-se nas duas. Já a sua recusa pela câmara tanto se pode justificar por ressabiamento político como por sensatez numa altura em que a morte do escritor é muito recente, e dá azo a qualquer aproveitamento ideológico e a análise sem a devida distância.
Não me aquece nem me arrefece que Saramago tenha uma artéria com o seu nome no município, desde que seja um novo arruamento e não uma rua central, como os seus camaradas fizeram por breves dias, quando em pleno PREC trocaram os nomes das Ruas Júlio Dinis e D. Manuel II por rua Catarina Eufémia e rua...José Estaline (toponímia que como é óbvio, não colou). Também acho que a desculpa da câmara para não dar esse nome, em "apenas aceitar nomes de cidadãos com ligação directa ao Porto para ruas da cidade", escudando-se numa mais que discutível e limitativa decisão da Comissão de Toponímia, é patética e apenas ridiculariza a cidade. A seguir esse critério,a rua de Camões teria de mudar de nome.
Mas se tomarmos em devida conta a decisão da comissão, conjugada com o súbito entusiasmo da CDU na atribuição de novos nomes de ruas, é caso para se perguntar porque é que ninguém propôs os nomes de Sophia de Mello Breyner e de Eugénio de Andrade? Não só tiveram uma ligação directa com o Porto como foram vultos literários ilustres. Curiosamente, os seus nomes não constam da toponímia portuense, ao passo que noutros concelhos, como Lisboa (mais precisamente o miradouro da Graça), ou Matosinhos, já lá estão. Assim, permita-se algum hiato de tempo após a morte de Saramago, dê-se-lhe a devida distância, e já agora, altere-se a bizarra decisão da Comissão de Toponímia. Entretanto, vamos imortalizar Sophia e Eugénio no Porto, como eles merecem. E depois, mas só depois, é que o nome do homem de Azinhaga poderá ser tido na devida conta.
3 comentários:
seja que for , Saramago merece uma rua com o seu nome
cumprimentos de Antuérpia
A pequenez ideológica e o provincianismo de alguns, ao impedir a homenagem a Saramago, só me dá vontade de rir. Gente com responsabilidade não evoluiu nada desde a censura do tal secretário da cultura de má memória.
A genialidade literária e a felicidade de Saramago é feita desta dialética política e cultural. JS é maior que o país. E esta grandeza, de certa forma, eleva o país. E rebaixa, inevitavelmente, aqueles outros cuja mesquinhez os faz permanecer nas suas capelinhas com medo de olhar para as obras grandes sejam elas conventos, elefantes, poetas, artistas...
A felicidade de JS foi ele que a construiu com o seu talento e saber. Fazia o que gostava de fazer, que era escrever, amou e era amado como um jovem. E era humano: julgou e errou, deu passos em que foi criticado e atacado. Tinha o poder de dizer o que achava que estava errado e censuraram-lhe comportamentos. Tudo isso faz parte da vida dele. Mas rasteiras assim - desvalorizarem a sua grandeza, um vulto universal da literatura - é roubar um pouco de luz ao país. Como lamento que nesta crise o pensamento e a criatividade continuem a estar fora da primeira linha das ideias.
ó Jorge, leu mesmo que escreveu? Saramago maior que o país? Não acha que o conjunto é, digamos, avassaladoramente maior do que o escritor desaparecido? Por causa dessas idolatrias ainda nos arriscamos a que mudem de novo o nome das ruas.
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