Os STCP, essas escolas da vida
Alguém disse num dia de inspiração que "só quem anda de autocarro é que conhece a vida". Se retirarmos o amplo exagero do "só", concordo absolutamente com a afirmação. Como fiel utente dos STCP (e esperemos que em tempos futuros do metro) mantenho um posto de observação invejável e exemplificativo. É nos autocarros que se tem a possibilidade de ver, num espaço exíguo, e no mesmo tempo, juristas e burocratas de fato e gravata, pasta numa mão e as notícias do dia noutra; miúdos de mochila ás costas, frequentemente do mesmo tamanho que os seus portadores; estudantes em grupo, carregando cadernos e não raras vezes trajados á doutores; a dona Alice conversando com a dona Toninha sobre o preço do pão e os disparates das filhas dos vizinhos; arrumadores no intervalo da sua função, usualmente com uma tremenda pedrada; estrangeiros com ar de emigrantes das obras; e sobretudo velhos, muitos velhos, de casaco de malha, gravata de lã e boné coçado, dirigindo-se para casa ou para o jardim público, atrasados para uma partida de sueca. É sobretudo olhando para estes últimos que percebo o quanto a população da cidade envelheceu, com a deserção dos habitantes do centro para os subúrbios, abandonando os idosos nas decrépitas casas do velho Porto, de olhos saudosos por trás da roupa que seca e das portadas carunchosas. Garanto que se não andasse de autocarro nunca saberia o quanto a população portuense tinha envelhecido.
Mas, como disse, o "só" é exagerado. Temos outros pontos de observação, como as cervejarias.
Ainda ontem as voltas que dei e a hora tardia obrigaram-me a jantar numa delas. Da quasi-extremidade do balcão podia ver o escasso movimento do trânsito, através do vidro. Ainda ao balcão, um par de homens disscutia asuntos que me pareceram relaccionados com bola e negócios, enquanto comiam paratadas de camarões. Nas mesas, alguns casais, um grupo de jovens que perorava animadamente sobre performances automobilísticas, e outro par, este constituído por mancebo com ar vagamente anarco-sindicalista e por uma rapariga com tons da mesma corrente ideológico-laboral, mas que me pareceu atraente à primeira vista. Engano fatal: quando os voltei a observar, a dita mulher faz um longo, explícito e descarado movimento para o qual só necessitou do dedo indicador e do nariz, seguido do qual mirou a consequ~encia de tal gesto. Felizmente era chegado o momento de pagar a conta e zarpar dali para fora. Para observações sociológicas o dia estava definitivamente acabado.
quarta-feira, setembro 15, 2004
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