quinta-feira, abril 28, 2005

Sósias ao longo dos séculos

Estava ali a ver uma série na TV sobre Mussolini e lembrei-me da célebre constatação quanto ao cinema da época 2004/2005: este é o ano dos biopics. Não é certamente o caso desta "soap" sobre o Duce, mas tal afirmação só será verdadeira se pensarmos que os tais biopics são os filmes mais visíveis, com mais promoção e mais estrelas (actores/realizadores) envolvidos, já para não falar dos prémios.
Mas o que me espanta mais é o desdobramento de certos actores em personagens várias, completamente diferentes entre si, até fisicamente. O exemplo de Bob Hoskins, que interpreta o Duce, é talvez o mais notório. Observando a sua ficha, reparo que além do líder fascista já esteve na pele de João XXIII, Nikita Krushev (precisamente o contemporâneo oposto), só para referir os que sabia, e ainda de Noriega, Jonh Edgar Hoover, Laventry Beria. Na mesma série, Sir Anthony Hopkins é o conde Ciano, figura grada do fascismo e genro de Mussolini, mais tarde caído em desgraça. Outro habitué dos biopics, Hopkins, que além de Ciano já foi Ptolomeu do Egipto (em Alexandre, mais um filme do gênero), Picasso e dois presidentes americanos (Quincy Jones e Nixon). Figuras reais que, como é visível, têm tudo a ver uns com os outros.
Um outro corredor de fundo do gênero surge-nos numa estreia desta semana. Geoffrey Rush é agora Peter Sellers (cujos papeis foram tudo menos reais), depois de ter sido o pianista David Helfgott, o que lhe valeu um Óscar, o Marquês de Sade e Trotsky. Neste último caso, também inserido num biopic, Frida, pode-se ver Salma Hayec como Khalo, Alfred Molina como Diego Luna e, como amante deste último, a italiana Valeria Golino, que também já entrevi como Calpurni, a tão citada mulher de César.
Também amante do ecletismo real na sétima arte é Gary Oldman. O actor britânico tornou-se conhecido pelo seu papel de Vlad Tepes (sim, existiu mesmo) na versão de Drácula realizada por Copolla. Antes disso já tinha sido Sid Vicius e Lee Oswald (em JFK), e nos anos seguintes resolveu encarnar Pilatos e Beethoven. Não sei se este último era por saudades de fazer outra personagem "musical", mas é duvidoso, se pensarmos que Sid Vicious seria tudo menos músico.
Há ainda actores que não só não se parecem fisicamente com as figuras que tentam imortalizar como também pouco fazem por isso, apesar da excelência das suas interpretações. Como os meus muito apreciados Jeremy Irons, a fazer de Kafka, ou da "Musa" Cate Blanchett, como Katharine Hepburn (interpretação já aqui descrita), ou ainda no mesmo filme, O Aviador, DiCaprio como Howard Hughes. Ou Peter O ´Toole, que se tornou autenticamente no rosto de T. E. Lawrence - da Arábia - mas que causa estranheza quando o imaginamos travestido de dois Césares, Caligula e Augusto, Conan Doyle e Von Hidenburg. Já Ben Kingsley, como Ghandi, ou Bruno Ganz, como Hitler, no recém-chegado Der Untergang, são o retrato perfeito das reais personagens que interpretam, por muito que isso custe ao segundo.
Mas o campeão dos biopics arrisca-se a ser Liam Nesson. É que depois de ter sido Oskar Schindler, Rob Roy, Michael Collins e Alfred Kinsey, parece que irá reencarnar em Lincoln num projecto de Spielberg. E entre o pacífico sexólogo e o malogrado presidente americano que venceu a guerra civil vai um passo não tão curto como isso.
Garanto que não inventei nenhum destes papeis: eles podem ser facilmente comprováveis no guia do costume.
Seria no entanto curioso pensar nos actores adequados para outras interpretações da vida real. No hipotético filme de Mel Gibson sobre Fátima, por exemplo; veríamos a miudagem que pulula nas novelas da TVI a fazer de Pastorinhos? Nicolau Breyner, que até é conservador, como Afonso Costa? Ou Albert Finney (olha outro que já vi como Churchill e João Paulo II)? E Eunice Muñoz como Irmã Lúcia de Jesus nos seus tempos mais recentes?
Mas a minha proposta é menos canónica e mais entusiasmante: proponho que daqui a uns dois, três anos se faça um filme sobre José Mourinho e o seu sucesso futebolístico, já que se fala na posta de Hollywood no desporto-rei. O técnico sadino poderá ser interpretado por George Clooney, Abramovitch pode ser Edward Norton bem caracterizado, Wesley Snipes como Didier Drogba, Jake Gyllenhaal como Paulo Ferreira, James Woods no papel de Pinto da Costa (se conseguiu ser Giulliani também pode ser o líder Andrade) e Philip Seymour Hoffman como José António Camacho. E ainda Jammie Fox fazendo de Aloísio e Tom Selleck como Reinaldo Telles. Só faltava saber quem ficaria na pele de Vale e Azevedo e sobretudo do célebre Hélder dos Super-Dragões, o autor das simpáticas missivas que deixaram Mourinho muito comovido na final da Liga dos Campeões. Com um treinador que aceitasse o projecto (tanto de se dava ser Eastwood como Ron Howard) estavam criadas as condições para um blockbuster à maneira, que faria o nosso país inchar ainda mais de orgulho e de superioridade.

Um comentário:

mfc disse...

E o Zé Cabra e o Emplastro??
Esqueceste-te desses??