Resultados
A coisa ficou confirmada ainda antes das dez da noite: Cavaco ganhou mesmo à primeira volta, com os mesmos 50.6% que obteve em 91. Ainda assim, ficou abaixo de Sampaio, quando o derrotou há dez anos. e não se livrou de um breve susto. por uns momentos, estava aver que teríamos segunda volta, mas os resultados acabaram por estagnar lá pelas nove e meia.
Cavaco será o novo Presidente a partir de Março. Seria talvez um excelente pretexto para se voltar a discutir a questão monarquia-república, mas neste momento talvez me interesse mais pensar que tipo de relação terá com o governo: complementar e de cumplicidade? Quezilenta e belicosa? Irá chocar com Sócrates, com óbvias parecenças consigo mesmo, ou pelo contrário, completar-se-ão? A partir de dia 9 de Março sabê-lo-emos. Será curioso ver como será o Presidente Cavaco silva: austero e autoritário como há dez anos, ou mais humilde e aberto (ainda que mudo) como agora.
O dia marca ainda o mais que provável fim do poder do clã Soares. O velho patriarca sofreu uma derrota estrondosa, ele que venceu sempre os seus combates mais difíceis. Uma queda da qual não se recomporá eleitoralmente, até porque a idade pesa sempre, mesmo que não o admitamos. Serviu para provar que não há titulares de cargos políticos e que mesmo aquele que consegue 70% numas eleições pode à vontade perder mais de 50% do total nacional em condições diferentes. Desconfio porém que daqui a uma ou duas semanas Soares já se terá esquecido dos resultados. Desconfio mesmo que a razão pela qual se candidatou terá sido a de fazer nova e prolongada campanha eleitoral, onde se sente como peixe na água. Como está assegurado o seu lugar na história, que se encarregará de fazer esquecer esta derrota, não tem muito com que se preocupar.
Jerónimo de Sousa é um fenómeno curioso cujo sucesso nenhum dos nossos analistas, habitualmente tão visionários, conseguiu prever. Num ano em que sucederam os acontecimentos que fatalmente acelerariam a derrocada do PC (a morte de Cunhal e e eleição de um ortodoxo, Jerónimo himself, para o lugar de Carvalhas), não só conseguiu estancar a hemorragia de votos contínua como ainda pôs o partido de novo em 3º lugar e subiu nas autárquicas, tendo mesmo reconquistado a junta metropolitana de Lisboa. Agora tem este resultado muito razoável e bem acima de Louçã. É uma derrota tendo em conta que Cavaco ganhou logo à primeira; mas não é um mau resultado comparado com os índices eleitorais da CDU, e com as amorfas campanhas presidenciais que protagonizaram no passado, quando era sempre para desistir ou para ficar pouco acima dos 5%.
Louçã teve um resultado aquém do esperado (por ele) e abaixo do que o seu BE teve há menos de um ano. Será talvez um indicador dos limites do seu movimento, que se estendeu demasiado nas legislativas. Conseguiu passar a barreira dos 5% por pouco, o que o salvou de algumas contas mais pesadas, e no duelo com Jerónimo perdeu claramente a partida; já devia saber antes que o PC tem uma organização velha mas bem oleada, com a qual o Bloco não pode competir. Não será, apesar de tudo, o princípio do fim de Louçã, como ouço para aí dizer. Mas dificilmente conseguirá atingir votações muito mais altas.
Garcia Pereira eclipsou-se: depois de quase 2% há cinco anos, teve uma votação marginal, abaixo mesmo do normal no velhinho MRPP - caso espantoso, sabendo que o advogado é maior que o seu partido. Consequência directa da divisão da esquerda em inúmeras candidaturas e da escassa mediatização da sua campanha. Provavelmente o único com razões para se queixar da comunicação social.
Alegre: o meu candidato. Como era previsível, ficou em segundo, a distância considerável de Soares. Não conseguiu porém atingir o objectivo principal, a segunda volta, que poderia hipoteticamente dar-lhe a vitória a 12 de Fevereiro. Ainda que não tenha ganho, é um dos vencedores da noite. Sem figuras gradas da política, sem grandes fundos ou máquinas partidárias, obteve um milhão de votos e suplantou as candidaturas de esquerda. Sussura-se que no PS prepara-se já a contagem de espingardas. Outros, pelo contrário, dão como certo que os votos de pouco servirão a Alegre e que Sócrates tem o partido na mão. Não estou tão certo nem de uma coisa nem de outra. Parece-me é que o poeta de Águeda tem os pensamentos noutra dimensão, abstraída do PS, e que se prepara para voltar a novas batalhas neste novo formato, mais independente. Pode até voltar à AR, da qual é vice-presidente. Mas com certo distanciamento do partido, depois da forma como o puseram de parte. Seria bom se expusesse novas ideias, novas soluções para uma maior participação cívica. Ficou muito por dizer nesta campanha, em que por vezes a emoção e o sentimento toldaram a razão. Mas não terá sido exactamente por isso que tantos eleitores não só puseram a sua cruz, como apostaram, literalmente, no seu Quadrado?
Outras curiosidades: a interrupção da declaração de Alegre por Sócrates, com o primeiro-ministro a vir mais tarde defender-se porque "não sabia que Alegre estava a falar no momento da sua declaração". Está-se mesmo a ver...
Pensamento de terror: Maria Cavaco Silva vai ser a primeira-dama provavelmente nos próximos dez anos.
Supra-partidária: com o surgimento das projecções, o aparecimento de Cavaco e o seu discurso de vitória deixou de valer a pena vir com o estafado discurso do "supra-partidarismo". Quase não se viam bandeiras da candidatura; o que se via era um mar laranja, com as setas do PSD, e algumas do CDS à mistura. Parecia um comício da AD. Nem faltaram os gritos de "PSD, PSD", até alguém vir oportunamente mandá-los substituir a palavra de ordem.
Todos dizem que pela primeira vez a direita chega à presidência da República em trinta anos. Mas fico com uma dúvida: como hão de justificar que o novo presidente seja alguém que se define como um...social-democrata? Uma boa questão para todos os conservadores, liberais e demais gentes de direita que nele votaram. No Acidental já se percebeu isso mesmo.
segunda-feira, janeiro 23, 2006
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2 comentários:
Do seu comentário( perdoe não o tutear, nem o chamar pelo nome que simpaticamente publica) retenho as possibilidades futuras do Manuel Alegre. Quando co-fundei a Tertúlia Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, lá para 83, e pus - passados 50 anos, capas rasgadas e negras a esvoaçar por Lisboa - cantávamos a Trova do vento que passa, em plena Democracia. Manteve-se como Hino da "Academia de Lisboa". Mas acho que o Alegre não pode fugir ã responsabilidade de que, enquanto jovens nossos morriam pela Pátria, tantas vezes madrasta, em África, formando até uma mentalidade nova e não racista, com que seriam depois manipulados pelo PC em Abril ( é verdade que a mentalidade da maioria da gente do MFA era boa e generosa), o Alegre traía-os pelas costas. Vejo-o como um indivíduo que teima em ser um Grande Macho contra a juventude efeba do seu próprio Partido.Mas não sei se irá para além deste seu machismo ultra. Nisso, o Soares era mais "assexuado", como deve ser a Política. Ouvi a KÁTIA (!?)rODRIGUES, do Mov. jovem pelo Cavaco e ela disse que "Cavaco, entretanto foi avô", se "tornou mais humano" e que "evoluíu muito nesse aspecto".Mas sei que nada disto basta para um país, um monárquico sabe-o melhor do que eu, e quando a Democracia declina exala sempre umas quintessências perfumadas de humanidade. O pior é quando, lá fora ( Irão e EUA) os estrategas já não pensam em termos humanos...
Seu,
Elíseo ( pseudónimo)
Comente sempre que quiser, "Elíseo", e não precisa de me chamar nada. Não percebi a 100% todos os pontos do seu comentário, mas retive a sua pouca simpatia por alegre - a pessoa, não o poeta, e da forma como fugiu da guerra de África. Certo é que se todos tivessem tido a mesma oportunidade, tê-lo-iam feito, e com razão.
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