Nunca cheguei a ir ao Montenegro. E contudo tive essa oportunidade, há alguns anos, quando se organizou em Budva a convenção bi-anual de uma associação de estudantes europeus de que fazia parte. Só que precisamente na mesma altura marcaram o meu último exame do meu curso, e optei por concluí-lo em lugar de me deslocar aos Adriático. Não mais tive ocasião de lá ir, fazendo o percurso que idealizara na altura: a rota Veneza-Budva, sempre por terra.
Há dias os montenegrinos escolheram em referendo a independência, por escassos 55,4% de votos, quando a percentagem mínima era de 55%. É pouco provável que não haja algum ranger de dentes e má vontade, com a quantidade de pessoas a viver no mesmo território que votou pela continuidade. Mas tratou-se de um acto pacífico, como pacíficas (e algo conformistas) foram as reacções do lado sérvio. Não se verificaram os mesmos horrores como quando a Croácia ou a Bósnia declararam a sua secessão, talvez porque o processo estava controlado, os sérvios não estão virados para guerras e têm mais afinidades com os montenegrinos, ou porque este território esteve à margem da violenta guerra dos anos noventa.
A decisão é soberana, e o Montenegro será a próxima nação independente da Europa. No fundo, é um retorno à realidade existente até 1918. Os montenegrinos têm, como disse atrás, fortes ligações aos sérvios, pela língua, pela religião - são ambos ortodoxos - e etnicamente. O que não quer dizer que sejam rigorosamente a mesma coisa, como o não são portugueses e galegos. A sua história está longe de ser comum. Enquanto os sérvios viveram totalmente subjugados pelo império Otomano, o Montenegro conseguiu sempre manter alguma autonomia, desde que em 1516 o Príncipe Jorge V retirou-se para Veneza e renunciou aos seus poderes de soberano a favor do Metropolita montenegrino. Os bispos escolhiam o seu sucessor na própria família (Petrovic), até ao Séc. XIX, altura em que se tornaram príncipes e puderam contrair matrimónio. Seguiu-se a total independência dos otomanos, juntamente com a Bulgária, em 1878, e a tranformação do principado em Reino, em 1910. Que não durou muito, já que depois da 1ª Guerra Mundial, num processo apressado e enviesado, o Montenegro, até aí um pequeno estado de pastores, uniu-se ao Reino dos Sérvios, Croatas, e Eslovenos. A capital mudou-se da histórica Cetinje, à sombra do monte Locven, para a incaracterística Podgorica. Permaneceu ligado à Sérvia depois da desintegração da Jugoslávia. Até agora.
Os problemas que advêm desta independência anunciada prendem-se mais com o Kosovo do que com a Voivodina. Como se sabe, o primeiro é uma parte da Sérvia habitado esmagadoramente por albaneses. A solução podia ser a divisão do território entre os dois povos, hipótese já rejeitada pelos kosovares, que apenas aceitam criar um segunda Albânia (ou quem sabe, constituir uma Grande Albânia). Parece-me que a divisão seria a mais ajustada, mas é também a mais improvável. E o pior é que os direitos dos sérvios têm sido tudo menos acautelados. Para evitar novos ressentimentos e novas escaladas de violência, seria bom que se deixasse de ver Belgrado como a má da fita em todas as questões balcânicas.
Quanto ao Montenegro, é um país de uma beleza estarrecedora, e se tudo correr bem, terá um belo futuro à sua frente. Façamos figas.





Freixo de Espada à Cinta ( há variadas histórias sobre a origem do nome ), no extremo sul do distrito de Bragança - que é o mesmo que dizer no mais recôndito e desconhecido canto do país - é tida como a vila mais Manuelina de Portugal. Por razões de vária ordem, as casas com aspectos do dito estilo arquitectónico abundam nas ruas mais vetustas, sobretudo nas janelas. A Igreja é um sólido monumento manuelino, com um belo portal e painéis no interior de autoria do maior pintor português do Séc. XVI: Grão Vasco.
Quem olhar para a parte inferior da foto de cima distinguirá uma estátua a meio da praça. Como é sabido, Trás-os-Montes é terra de navegadores, e Freixo não foge à regra. Trata-se de Jorge Álvares, comerciante, explorador, e primeiro português a chegar ao sul da China, em cujos braços morreu S. Francisco Xavier, no fim da sua peregrinação.
Foto, algo torta, da casa onde nasceu Guerra Junqueiro.
Torre de Moncorvo, Abril de 2006