O Público anda a publicar uma série de reportagens sobre "praias tradicionais" a Norte do Tejo. O "dossier" começou por Moledo, provavelmente por razões geográficas. E o que escreveu sobre a mais nortenha das praias portuguesas deixou-me de pé atrás sobre as restantes. A reportagem tem algumas curiosidades com a sua piada, focando-se principalmente no Moledo antigo. Mas comete alguns erros, até porque se baseia na visão de apenas duas pessoas, de um meio muito próprio.
Tratar alguém pela sua alcunha (que aliás detestava), como fizeram a "Trifaldino" Aguilar (que se chamava na realidade Manuel) é qualquer coisa de bradar aos céus. Ou presumir que as vendedeiras de bolos vendessem os frágeis caminhenses na praia, coisa que jamais aconteceu, até porque se estragariam com a maior das facilidades. Ou ainda considerar que pessoas que por lá passaram uma ou outra vez, como João José Cochofel, eram habituées normais.
Depois, há olhares demasiado parciais e datados nas divisões políticas. Não sabia que os monárquicos se reuniam em casa do Visconde de Sousa Rego, que ainda existe. Mas acho muito duvidoso que o Ínsua Clube tenha sido fundado para servir de pouso aos republicanos. Sei de vários monárquicos que não só o frequentaram desde então como até presidiram aos seus órgãos sociais. Além do mais, como é possível falar de republicanos em Moledo sem referir que Bernardino Machado, duas vezes presidente da República, era um assíduo frequentador da praia, assim como os seus descendentes, conhecidos como "os Bernardinos" (ainda há uns 15 anos me lembro de ver um senhor extremamente idoso, filho do próprio Bernardino)?
A própria divisão da praia está errada, ou não já corresponde à realidade. Se a esquerda continua a ser uma zona popular, a direita da praia, a do Clube, está reservada a um sector mais "social", e o meio é para quem quer fugir à maralha. Divisões políticas são coisas que já não têm lugar no areal.
O que se pode dizer do artigo em geral? Revela um pouco do Moledo de antigamente, com as suas famílias numerosas que se conheciam todas umas ás outras, a importância de António Pedro, o Ínsua Clube como único local de encontro, a par da praia, ou o tempo em que o Pica-Pau era o único bar disponível da praia, durante todo o ano (hoje já não existe). Apreciável também, a lembrança da saudosa Pensão Ideal, hoje demolida, em cujo café bebi as minhas primeiras cervejas. Mas se tivessem interrogado outros assíduos moledenses a reportagem por certo que seria menos hermética e daria outra visão de conjunto. Não faltam personalidades conhecidas que pudessem falar, como Vitorino de Almeida, Jorge Miranda, Mariano Gago. E quem não conhece Moledo poderia não só conhecer melhor o passado, como os ardentes torneios de canasta, a célebre visita de Zeca Afonso ao Clube, e os passeios de burro pela trela do Maestro Vitorino. Quanto ao presente, em que a segunda quinzena vê chegar uma onda de gente, não há só zaragatas na Avenida de Santana no regresso das noites da Alfândega e da Indústria (embora haja os seus problemas, como já tive oportunidade de fazer notar), mas também alguns bons dias de praia, longas conversas nocturnas no Palma, passeios pelo pinhal do Camarido e incursões a Espanha ou a outras localidades minhotas em dias de mau tempo.
É assim o Moledo actual. De imutável só mesmo os montes circundantes - Facho, Santo Antão e o imponente Santa Tecla - o vento, a Insua e o mar.
Moledo, Agosto de 2008 (com um tempo excelente)
Um comentário:
Não leste isto ?
http://enguiafresca.blogspot.com/2008/08/agosto-em-moledo.html
Não percas .....
Postar um comentário