Desde que vi o anúncio da sequela de Wall Street, filme de Oliver Stone de 1987, fiquei atento à sua chegada. Tinha gostado muito do original, e até o revi de propósito numa das sessões de Verão na esplanada da cinemateca. Quem o tenha visto conhece a sua crítica feroz ao sistema capitalista pronto-a-vestir e especulativo, a caracterização de uma época e dos seus traços distintivos, e da nova classe emergente dos anos oitenta, os corretores, com os fatos cruzados por suspensórios, os gadjets, os sinais de riqueza, a vida num corrupio imparável, etc. E uma espécie de vilão do sistema vigente, Gordon Gekko, financeiro sem escrúpulos, que não sendo a personagem principal consegue dominar o protagonista Bud Fox/Charlie Sheen e arrebatar o Óscar de Melhor Actor desse ano para o seu intérprete, Michael Douglas. Dele ficou para a antologia cinematográfica a máxima "Greed is good", que tão bem assentava naqueles anos antes do crash da bolsa de 1987, que marcou o fim daquela época. O filme é todo ele um conjunto de símbolos de uma época, recriados ou inventados. Os anos oitenta novaiorquinos estão ali espelhados, como se pode verificar pela banda sonora tão new wave dos Talking Heads.
A sequela dos anos dois mil e zero, merecendo mais do que a estrela solitária da crítica do género, desaponta um pouco. Ou a nossa era é demasiado desinteressante (e ainda mais cínica), ou Stone não conseguiu captar o mesmo espírito de época. Há alguns paralelismos interessantes entre as duas obras, tal como o financeiro escrupuloso mas desiludido com o sistema, que no primeiro filme era um Hal Holbrook amargamente irónico, e no segundo um Frank Langella bem mais trágico. A saída de Gekko da prisão logo no início, com o seu tijolo celular na mão tem a sua piada. Com a apêndice "Greed was good, now It´s legal" e o pequeno reencontro com Bud Fox (Charlie Sheen lá arranhou tempo entre um divórcio e uma bebedeira), é dos momentos mais interessantes da fita. Mas falta muito mais a Wall Street dos nossos anos; ao correctorzinho bem intencionado e ecolo de Shia Leboeuf falta a vertigem de ganhar dinheiro rápido e de fazer pequenos truques, como Bud Fox; os "maus da fita" não têm um centésimo da espessura cínica do original Gekko (apesar dos esforços de Josh Brolin), mesmo que a fasquia da pose de obras de arte tenha subido - os promissores quadros pop art são substituídos por Goyas autênticos. E ainda aparece, um pouco enfiada a martelo (provavelmente para mostrar que os filhos não têm de seguir os maus exemplos dos progenitores), a filha de Gordon Gekko, uma jovem idealista que é noiva do seu novo discípulo, precisamente a personagem de LeBoeuf, e que não fala com o pai há anos. A tentativa de reconciliação será uma das tramas principais do filme, o que dá a Gekko um ar mais humano, juntamente com o passado de ex-recluso e o cabelo grisalho, mas a coisa começa a dar para o torto quando o jovem casal pensa que os sonhos se vão cumprir e o corretor aproveita para "to back in business" com o espírito de tubarão que lhe víramos no primeiro filme. Só que o a voz do sangue fala mais alto, e afinal Gekko até tem alma e coração. A coisa acaba com um happy end digno de um "filme para toda a família", literalmente falando. Dá ideia que não haverá um Wall Street 3, até porque o efeito surpresa, ou coque, como quiserem, desvaneceu-se com a sequela. O capitalismo anda à solta, precisa de ser regulado, o dinheiro dá a volta à cabeça das pessoas, mas no fundo, no fundo, há sempre uma réstia de humanidade. Se a mensagem de Oliver Stone não era esta, anda lá perto.
Já agora, as cenas com mais charme são as passadas em Londres. Waal Street é ainda poderosa, mas Saville Row deixa-a K.O. em classe e elegância.
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