Se há coisa de que me farto de ano para ano são os balanços de "melhor" e "pior" do ano. Houve tempo em que achava piada à coisa, sim, mas com o tempo e a constante repetição, aquilo perdeu a graça. Mas às vezes, se a lista for curta, até a vejo.
Ontem ouvi uma qualquer estatística em que se anunciava que a frequência dos portugueses no cinema em 2010 tinha superado largamente os anos anteriores. É uma inversão do abandono progressivo das grandes salas. Mas das razões invocadas para esse crescimento, ou seja, os blockbusters, só tinha visto um ou outro. Começou em Avatar, uma maravilha de 3D que emprestava graça a um pastelão New Age ecológico, e que teve um êxito retumbante em todo o Mundo, prosseguiu com um conjunto de filmes-documentário portugueses, com uma ou outra fita de interesse (O Escritor Fantasma, ou O Caso Farewell, por exemplo), alguns equívocos (Knight and Day, uma rebaldaria sem tempo para respirar em que colocaram as Sanfermines em Sevilha), e outros que nem consegui ver, como A Rede Social (Dos Homens e dos Deuses já o apanhei em 2011, quase a sair de cena. Aconselhá-lo-ia se ainda estivesse em exibição, mas assim só em DVD).
Um dos mais curiosos é precisamente um dos blockbusters mais badalados do início do Verão: a versão de Robin Wood, de Ridley Scott. O mítico herói de Sherwood já teve muitas caras na tela, em média uma por década. O mais famoso é certamente o de Errol Flynn, o aventureiro por excelência, mas depois disso já vimos Sean Connery a interpretar um Robin envelhecido e desencantado com a vida pós-salteador, e Kevin Costner, no auge da carreira, que era o herói possível (ou o "princípe dos ladrões" macambúzio) em inícios dos anos noventa. Agora, Scott ofereceu a personagem ao seu actor-fetiche, Russell Crowe. Mas as semelhanças com o mito que regressava das cruzadas e enfrentava o xerife de Nottingham, valete de João Sem Terra, roubando os ricos (e os cobradores) para dar aos pobres, são mínimas. O Robin de Crowe é um desertor das cruzadas que se faz passar pelo desaparecido filho do senhor de Loxley, apenas para salvar a pele. Com o desenrolar da trama, assume o papel como se fosse a sua real identidade, enfrenta a desconfiança inicial de Lady Marian (aqui interpretada por Cate Blanchett, que já se sabe que pode fazer qualquer papel mas que na minha opinião fica melhor em personagens mais "femininas", não tanto em mulheres de armas), antes da previsível paixão entre ambos, e acaba a auxiliar João Sem Terra (agora rei) da invasão francesa. As cenas épicas não são as dos salteadores contra soldados "oficiais", mas uma batalha convencional nas praias inglesas, uma espécie de Dia D invertido.
Os aspectos históricos (e o facto de Ricardo coração de Leão estar morto) que tanto influenciaram a Inglaterra posteriormente, aliados a este Robin ser inicialmente um peão desertor, não um nobre regressado, marcam a diferença em relação ao que nos habituámos a ver na mítica personagem. É também mais duro, seco, um fora-da-lei que quer acima de tudo salvar a pele, e não o herói justiceiro frequentemente evocado, papel que assenta nas sete quintas a Russell Crowe. Não sendo uma obra-prima, Ridley Scott conseguiu uma viragem em relação à lenda, muito mais realista e (relativamente) fiel à história da época. E o fim deixa adivinhar um futura sequela. Mas só pela originalidade e desvio do arqueiro de chapéu verde, o filme merece uma vista de olhos. Em DVD também se deve ver.
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