quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Uma renúncia inspirada pela Providência?


Como toda a gente, fui apanhado de surpresa pelo anúncio de renúncia do Papa Bento XVI ao Trono de Pedro, em plena travessia de um Marão coberto de neve. Já tinha pensado para mim próprio quanto tempo ainda duraria, dada a sua idade e alguns problemas de saúde, mas nunca me passou  pela cabeça que pudesse renunciar. Mais uma vez, Bento XVI surpreendeu-nos, tal como tem feito desde que ascendeu a Bispo de Roma, perante a desconfiança de muitos (eu incluído) por causa do seu cargo de Prefeito para a Congregação da Fé e da sua fama de "perseguidor de teólogos". Mas desde então, a ideia que tinha dele tem vindo, felizmente, a mudar por completo.

A "biografia" do seu Pontificado está bem resumida aqui, mas há alguns momentos a realçar, como as encíclicas Deus Caritas Est e Caritas in Veritate, o diálogo ecuménico com outros credos e com intelectuais ateus, como Habermas, ou as visitas arriscadas à Turquia, depois de mais uma polémica desencadeada por radicais islâmicos, e ao Líbano, em Setembro último, onde rezou uma missa para 350 mil assistentes quando a poucas dezenas de quilómetros dali continuava (e continua) a sangrenta guerra civil síria.
 
É verdade que a sua reconhecida inteligência e capacidade intelectual não evitaram um dos períodos mais cinzentos da Igreja Católica nas últimas décadas, com os tristemente célebres casos de pedofilia que vieram à tona (e a incapacidade para os resolver conjugada com más opções), a polémica com a questão de readmissão de alguns grupos integristas ou o recente caso do furto de documentos pelo próprio mordomo pessoal do Papa, o que levou à detenção deste e a revelar a guerra surda que se passa entre a Cúria. Mais: revelou que Bento XVI não era informado de um conjunto de assuntos de que deveria ter conhecimento. 
 
Também por isso se percebe o desgaste físico e psicológico do Papa. A idade não perdoa - quem, aos 85 anos, consegue passar o tempo a escrever matéria teológica com força ex cathedra, a rezar missas para milhares de pessoas, a receber em audiências semanais, a viajar para todo o mundo com uma agenda carregada, a ouvir os problemas de uma Igreja de mil milhões de seguidores - a sua saúde está em declínio, e nessas condições não tem já forças para afastar todos os problemas que o sobrecarregam. A decisão, surpreendente e estranha, não terá sido tomada de ânimo leve pelo bispo de Roma e grande pensador e teólogo que é Bento XVI.
 
A comparação com os últimos dias de João Paulo II é gritante. As opiniões dividem-se entre a "coragem e humildade" de Bento XVI e a "abnegação e sentido de missão" do antecessor. Recordo-me com sincera admiração do enormíssimo esforço do Papa polaco nos seus últimos dia, mostrando as suas fraquezas humanas a todos, sem se esconder dos olhos do mundo. E ao mesmo tempo não posso deixar de admirar o gesto quase pioneiro do Papa germânico, estrondoso, arrebatador e corajoso, pois provocaria sempre ondas de choque, que lhe dá um tremendo carácter de humanidade, com todas as suas fraquezas, que o coloca entre os restantes homens, como era Cristo na sua vinda ao Mundo.
 
 
Dizia um amigo meu que a concordância com gestos tão opostos era afinal a prova de um enorme relativismo por parte dos católicos. Esqueceu-se no entanto de um ponto: só ao Papa cabe decidir a sua continuação ou não no Trono de Pedro, pelo que só pode ser tomada se motivada por fortíssimos motivos. E que por ser uma decisão que só a ele cabe tomar, nela se manifesta a intercessão do Espírito Santo e a tão generalizada "infalibilidade Papal". Bento. XVI encontrou esses motivos, e ainda decapitou em boa parte os jogos de influências para a eleição do sucessor. É certo que mesmo em Castelgandolfo projectará sempre a sua sombra sobre o Conclave, mas permite que o novo Papa seja escolhido rapidamente e enfrente os problemas como ele já não podia fazê-lo e com uma renovada energia que ele já não detinha. Algumas decisões de homens da Igreja podem chocar e causar estranheza, mas não se duvide que nelas reside uma decisiva influência Providencial.

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