sábado, março 30, 2013

Os trabalhistas na confusão eleitoral israelita

 
 
Israel ficou novamente perante o enorme quebra-cabeças de formar um governo, depois de novas eleições, em Janeiro, confirmarem uma enorme polarização dos votos em inúmeras formações populistas, centristas, e ortodoxos. Os tradicionais partidos que se revezaram a partir de certa altura no poder têm de se confrontar com novos adversários que lhes aliciam o eleitorado, e vêem-se obrigados a fazer concessões à esquerda e à direita, aos seculares e aos religiosos. O sistema eleitoral, muito proporcional, não ajuda.

Porém, e ao contrário do que vinha sendo observado nas votações mais recentes, os eleitores não se viraram tanto para as formações de direita e ortodoxas, à excepção do Casa Judaica, novo movimento criado sobre as cinzas do Partido Nacional-Religioso. O Likud de Benjamin Netanyahu falhou a tentativa de solidificar-se o poder e perdeu votos para todos. O único partido que teve uma sangria eleitoral superior foi o Kadima de Shaul Mofaz, que há poucos anos governou Israel, mas que com a saída de Tzipi Livni para formar o Hatnuah (depois de uma humilhante derrota interna), recuou para níveis quase irrelevantes, com apenas dois lugares no Knesset. Quem apanhou os votos directos do Likud e do Kadima foram o supracitado Hatnuah, o esquerdista Meretz e principalmente o novo partido centrista "da classe média" liderado pelo mediático jornalista Yaïr Lapid, que apareceu como um furacão e ficou em segundo lugar. E com toda esta dispersão de votos, Netanyahu viu-se obrigado a formar um governo altamente instável, com cinco partidos, composto por membros do Likud, ultra-ortodoxos e centristas seculares, entre os quais Lapid e Livni.

No meio disto tudo, o histórico Partido Trabalhista recuperou um pouco das sucessivas tareias eleitorais que vinha levando nas votações anteriores. Com a saída, aos poucos, de líderes carismáticos como Shimon Peres, Barak ou Amir Peretz, o esboroamento do eleitorado tradicional (que escolhe partidos mais recentes) e o crescimento do números de judeus ultra-ortodoxos, e ainda com a incapacidade demonstrada em levar a cabo o processo de paz com os palestinianos, o velho Avoda, ou Labor, tornou-se dispensável e secundário. No entanto, este partido, anteriormente com o nome de Mapai, tem um enormíssimo peso histórico: governou Israel desde a sua fundação até aos anos setenta, e teve como líderes Ben Gurion (que declarou a independência de Israel em 1948) e Golda Meir.
 
Após a independência e a invasão árabe que se lhe seguiu, Israel teve as suas primeiras eleições legislativas. O Mapai ganhou-as, deixando em segundo lugar o Mapam, de tendência mais marxista. Os israelitas estavam na altura firmemente virados à esquerda. A maioria vivia em Kibbutzim, comunidades em que o colectivismo (voluntário e cooperativo) era levado quase ao extremo. Todos trabalhavam na agricultura e pesca, à cabeça, e noutros ofícios. As ferramentas eram comunitárias, assim como quase todos os bens, e até mesmo o nome das crianças que nasciam era por vezes decidido pelos membros do kibbutz, e não apenas pelos pais. E chegado o tempo de combater, todos, homens e mulheres, pegavam em armas para defender o Estado de Israel (ainda hoje todos, independentemente do sexo, têm de cumprir o serviço militar), lembrando as provações por que tinham passado. Com esse espírito radicalmente comunitário e de pertença à terra, o exíguo estado judaico conseguiu assim defender-se de inimigos à partida mais fortes, embora os seus comandantes militares e a tecnologia de guerra também ajudassem.
 
O Mapai era o principal impulsionador da política de kibbutz. O próprio Ben Gurion, assim como a maioria dos governantes israelitas, vivia num. A URSS chegou a apoiar Israel nos primeiros anos, na esperança de ali encontrar um estado soviético no medio Oriente e um aliado. Quando percebeu que a sua natureza era diferente, resolveu apoiar o Egipto, onde Nasser assumira o poder, e desde então o grosso dos estados e dos movimentos comunistas a mando da URSS tornou-se virulentamente anti-israelita. Outra das bandeiras do partido eram os serviços públicos, como a saúde e os transportes.
 
Nos anos sessenta, sofrendo de algum desgaste, o Mapai agregou alguns pequenos partidos de esquerda e tomou o nome de de Partido Trabalhista, mas nos anos setenta veria o seu principal adversário, o conservador e revisionista Likud-Herut, de Begin, chegar pela primeira vez ao poder. Pior que isso: seria Begin a assinar pela primeira vez um tratado de paz com um país árabe, o Egipto de Sadat.  Durante 15 anos, o Likud permaneceu no governo e só em 1992 os trabalhistas conseguiriam afastá-los, com Yitzhak Rabin. Este assinaria os acordos de Oslo com Arafat, mas em 1995 acabaria assassinado numa manifestação pela paz, e pouco depois, sem que fosse previsível, o Likud, agora com Ariel Sharon, voltaria ao poder. Em fins dos anos noventa, os trabalhistas chefiaram pela última vez um governo. A partir daí, e com a sangria de quadros dirigentes, seria o declínio do partido. A sociedade dos kibbutzim era bem mais exígua do que nas origens do estado de Israel, as ambições dos israelitas eram outras, o número de ultra-ortodoxos, pouco receptivos às ideias dos trabalhistas, cresceu enormemente, e outras formações de esquerda e de centro levaram-lhe dirigentes e eleitorado e ocuparam em boa parte o seu lugar.
 
Agora, o Partido Trabalhista tem à sua frente um jornalista feminista, que conseguiu uma pequena inversão na tendência de queda. Mas para fazer frente aos novos movimentos de centro, parece insuficiente. O histórico movimento que representou o sionismo socialista deu um enorme contributo a Israel, começando na sua formação e continuando na sua defesa, mas parece não passar de uma instituição discreta e inofensiva nos dias que correm. Conserva algum peso histórico mas não diz muito às aspirações dos israelitas (que são aliás muito contraditórias, entalados entre seculares e religiosos, pacifistas e irredentistas). Provavelmente, com a sua romântica memória dos agricultores-soldados que se entregavam ao colectivismo dos kibbutzim e defendiam o estado tão arduamente conquistado com unhas e dentes, permaneceu algures no século XX.

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