sexta-feira, junho 24, 2016

Onde estavávamos no dia do Brexit


Há datas marcantes em que nos lembramos dos sítios onde estávamos e do que fazíamos na altura. Há datas que marcam colectivamente uma época por mais do que uma razão, em que um acontecimento de monta se dá num dia fácil de memorizar.

Daqui a uns anos, recordaremos, provavelmente com mágoa, que o Reino Unido decidiu deixar a União Europeia num dia de S. João. E eu lembrar-me-ei onde estava e o que fazia: em Miragaia, à espera que me servissem uma bifana ao som de música de baile, quando soube que a BBC dava já o "leave" como irreversível. A grande maioria das pessoas que me rodeava não se apercebeu, embalada pelos festejos de S. João, mas houve quem soubesse e não escondesse a surpresa (mais desagradada que outra coisa).

Esperemos que daqui a uns dez, vinte anos, quando recordarmos esse S. João como recordamos o de 1996 como o do "chapéu do Poborsky", ainda exista UE, de preferência menos burocratizada e mais solidária. Veremos se o Reino Unido ainda existirá como tal, com a pulsão independentista da Escócia, que votou "remain", a ganhar novo e fortíssimo alento mas é pouco provável. E assim, desmembrada, fora da UE, sem indústria nem império, perdida a importância estratégica e de parceria com os EUA, com o marcado financeiro da City desvalorizado e ultrapassado, tornar-se-á uma país europeu de segunda categoria?

David Cameron jogou a sua liderança, e o seu oportunismo pode ser o despoletar de acontecimentos gravíssimos. As grandes mudanças na história nascem por vezes de decisões banais, omissões que parecem inócuas ou acasos imprevisíveis. Cameron tinha ganho as últimas eleições gerais com surpreendente maioria, ganhara a manutenção da Escócia, mas desperdiçou o seu capital político neste gesto imprudente e irresponsável. Ficará na história com uma marca trágica, não longe de um Neville Chamberlain. Boris Johnson e Jeremy Corbyn apanharão os cacos de uma mudança para a qual contribuíram. E Nigel Farage poderá a ficar na história como uma personalidade nefasta na história do seu país, um dos arquitectos da sua desagregação, num tempo em que pululam políticos radicais e inquietantes, como Putin, LePen e Trump, todos adeptos do Brexit e do fim da UE em geral.

Esperemos que os tempos futuros não sejam tão negros como parecem neste solarengo dia de hoje. E que tenhamos sempre S. João.

                             
                                                   Alvorada de S. João, 2016. O dia do Brexit.

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