domingo, setembro 04, 2016

Memórias de um Agosto que passou

 
Moledo - faina do sargaço, 2016

Agosto acabou. A muito custo, há que passar à nova época e deixar os lugares sinónimos. Desde que me conheço que a imagem de Agosto é coada pelo Alto Minho. E no meu dia de anos é ali que devo estar, que me sinto em paz e onde o mundo inteiro se concentra. É verdade que já por muitas vezes pensei em viajar nesse dia, e que certamente o farei no futuro, mas por norma é ali que estou em casa, entre os meus. Não nasci aqui, mas quase. Salvo qualquer excepção, os meus anos serão em princípio sempre ali.

Como já não tenho 18 anos, fica sempre a sensação de que algo ficou por fazer. não é de espantar, porque as férias servem para preguiçar e para o dolce fare niente. Este ano, ao contrário do que reza o mito, o tempo foi condescendente, tanto que o Alto Minho se viu assolado por incêndios (eu próprio vi alguns entre os Arcos e Cerveira). A praia esteve convidativa, mas para além disso o tempo dividia-se entre as comemorações dos 50 anos da morte de António Pedro, as festas de Caminha, Viana e Ponte da Barca, que nunca perdem o encanto, e outras festas mais mundanas, os bares de Caminha e a redescoberta da velha Alfândega, os jantares com amigos em novas descobertas gastronómicas - o que não falta são restaurantes, inclusive do outro lado do rio Minho - passeios mais para o interior (finalmente conheci Sistelo e a Brejoeira), os cafés em Caminha, etc. Não houve oportunidade de voltar à Ínsua nem de arranjar uma bicicleta, nem quase de ir a Espanha, mas há sempre coisas que faltam, e por isso não há razão para queixas.

Entre as poucas coisas que tive pena de perder (em parte por uma alternativa, em parte por decisões de última hora) conta-se o festival de Vilar de Mouros. Não que fosse uma estreia - passei por lá duas vezes, com gratas memórias, além de que o local, à beira-Coura, vale bem um passeio - mas tinha alguma curiosidade em ver preciosas relíquias dos anos 80, em especial Peter Murphy, os OMD, os Happy Mondays ou Peter Hook (o que resta dos Joy Division, e tendo em conta que estes dois últimos actuaram na mesma noite, bem se podia dizer que os objectos do filme 24 Hours Party People se reuniram numa pequena freguesia do Minho), com a energia dos inclassificáveis Blasted Mechanism e a melancolia dos Tindersticks e o rock tuaregue de Bombino pelo meio. Outros planos, igualmente agradáveis se interpuseram pelo meio. Mas já depois do festival, soube que Peter Murphy, um dos pais do rock gótico, a cara dos Bauhaus (a banda, não a escola de arquitectura) e senhor de uma imagem e de uma voz poderosas e icónicas, andava a ensaiar no teatro Valadares, a renovada sala de espectáculos de Caminha, ali entre a matriz, a Alfândega e a movida da Rua Direita, em cujos bares me lembro aliás de ouvir algumas das suas músicas. E segundo conta, a apreciar a gastronomia local. Pena que não tenha visto o semi-mito a andar pela Rua Direita ou pela praça do chafariz, a experimentar um sidónio ou um cabrito à Serra d´Arga (apesar de saber que é muçulmano sufi, influência da sua estadia na Turquia). Provavelmente um criador do estilo gótico gostaria de saber que ao lado do local de ensaios existe uma ruela chamada Rua do Lobisomem. Noutros tempos, quem sabe, poderia servir de inspiração para uma canção. Paciência. Mas vou pensar que tenha acabado por saber de uma outra forma.
 
Sem a magia de Agosto, Setembro também é um mês que merece ser bem aproveitado.
 

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