quinta-feira, setembro 30, 2021

Uma questão maior

houve vários resumos às autárquicas, partidárias e locais, já se falou na vitória amarga do PS, na derrota doce do PSD, no esvaziamento da CDU, no CDS que se equilibra em arames, no Bloco que continua sem peso autárquico, nos razoáveis mas demasiado histéricos ganhos do Chega, no voto urbano da IL, no peso dos independentes, mas não vi nenhuma análise profunda aos nomes dos candidatos do Alentejo.

Permitam-me então felicitar, no Alandroal, Aranha Grilo (será entomólogo?), que bateu Saruga Matuto; Pena Sádio, de Estremoz; em Mora, 45 anos de presidência de PCP acabaram com o triunfo de Calado Chuço sobre Fortio Calhau; no Redondo, Fialho Galego soube fazer frente a Palma Grave e Rega Recto; em Vendas Novas, Hortelão Aldeias não logrou a reconquista; já na ducal Vila Viçosa, Ludovico Esperança ganhou a autarquia calipolense fazendo jus ao nome, para desconsolo de Canhoto Consolado e do desventurado Ventura Mila.

Mais para baixo, Mestre Bota mantém Almodôvar e Penedo Efigénio roubou Alvito a Feio Valério; Cuba é bem nacional quando Casaca Português não dá veleidades a Burrica Caniço; o histórico Pita Ameixa permanece em Ferreira do Alentejo e em Moura, apesar dos esforços de Ventura, Floreano Figueira não conseguiu destronar Pato Azedo e igual sorte tiveram André Linhas Rôxas e Fialho Acabado. Ao lado, em Serpa, Véstia Moisão, Efigénio Palma e Torrão Félix tiveram de se conformar com a vitória de Tomé Panazeite.
Mais a Norte, em Arronches, Ventura Crespo não deu hipóteses a Moacho Feiteira, Vicente Batuca e Amiguinho Cordeiro. Parabéns a Gonçalo Amanso Pataca Lagem, em Monforte, e lamente-se a derrota de Rosmaninho Bichardo em Nisa.
Mesmo não tendo o seu partido ganho a câmara, assistimos ao regresso autárquico do grande poeta elvense Chocolate Contradanças (que será feito de Borrega Burrica, de Campo Maior?). Lamentável a todos os títulos é o triste exemplo de Évora, que voltou a dar o triunfo, embora curto, a Carlos Pinto de Sá, em detrimento de Henrique Eva Sim-Sim e sobretudo de Raul Arromba da Silva Rasga.

Um abraço para o Alentejo, com desejos de sorte aos novos (e velhos) autarcas.

sexta-feira, setembro 17, 2021

A "desprestigiante" desconcentração

Os doutos juízes do Tribunal Constitucional, excepto dois (por acaso conimbricenses), não querem que a sua casa seja transferida para Coimbra, assim como o Supremo Tribunal Administrativo, porque, entre outros argumentos banais, alegam ser um "grave desprestígio". E também alegam que esses casos só se passam em estados com estrutura federal, como a Alemanha ou a Suíça.

Eu julgava que a desconcentração de serviços centrais era precisamente para colmatar a ausência de outras formas de descentralização, mas aqui apresenta-se o argumento contrário. Quanto ao "grave desprestígio", ainda bem que D. Diniz não teve isso em conta quando mudou a universidade de Lisboa para Coimbra.
A verdade é só uma: desconcentrar serviços para fora de Lisboa é quase impossível, porque gera imediatamente um coro de críticas dos que se agarram à capital com todas as garras. Mudar o Centro Português de Fotografia para o Porto foi um sarilho. A ideia de mudar o Infarmed também para o Porto - embora fosse um plano apressado e sem pernas para andar - deu origem a queixas por causa da deslocação dos trabalhadores para fora de Lisboa. Mas quando se trata de acabar com serviços pelo país fora para os concentrar, aí as dúvidas dissipam-se.
Seria uma boa solução, numa cidade desde sempre ligada ao Direito e a precisar de alguma revitalização. Mas de novo se demonstra que para isso será uma luta titânica.




quinta-feira, setembro 16, 2021

Jorge Sampaio

 



A propósito da morte de Jorge Sampaio, discordei dele em váriadas ocasiões, mas tinha aspectos de que muito poucos políticos se podem gabar. Claro que vai ficar como uma das figuras políticas cimeiras das últimas décadas, desde o seu papel de líder estudantil e advogado, depois como líder da oposição (de início parecia-me Vítor Constância de cabelo ruivo) e presidente da CML até Belém. Curiosamente a sua maior derrota aconteceu em 1991 contra Cavaco Silva - que lhe rendeu agora um dos elogios mais sentidos - e a sua maior vitória, nas presidenciais de 1996, também. Teve como ponto alto o seu papel na crise de Timor, e como ponto mais baixo a trapalhada com Santana Lopes, antes e depois de o nomear. Como legado mais recente deixa o seu trabalho em permitir que refugiados pudessem continuar os seus estudos.

Mas para além disso era um gentleman da política, naquele registo que parecia racional, low profile e legalista (no 25 de Abril resolveu ficar em casa, quando estava tudo na rua, porque era isso que o MFA estava a pedir, e chegou a dizer que se escolhesse lema seria "dura lex sed lex") mas que facilmente se emocionava. Deixo dois exemplos: numa visita à faculdade onde eu estudava, ouviu-me a perguntar, quase irado e à sua frente, porque é que o 1 de Dezembro não tinha mais destaque, ao que respondeu serenamente, com uma resposta que aceitei, dando a entender que também o lamentava. E quando ganhou as presidenciais pela primeira vez, ao chegar à varanda onde iria discursar à multidão que o vitoriava, mandou antes de tudo com autoridade retirar um enorme gigantone que representava e ridicularizava Cavaco Silva.

Sobre o momento mais polémico da sua presidência, a nomeação de Santana Lopes e a dissolução do Parlamento seis meses depois, convocando as eleições que depois dariam o poder a Sócrates, relembro que apesar das críticas que a direita lhe teceu então, ficaram ainda assim aquém das que a esquerda lhe disparou ao decidir convidar Santana a formar governo. Provavelmente a maioria acha hoje que ele faria melhor em convocar logo eleições (e o PSD em escolher a então segunda figura do governo, Manuel Ferreira Leite, para o liderar, quatro anos do que sucedeu mais tarde). Mas decidiu não o fazer e com isso atraiu a fúria da esquerda. Ferro Rodrigues demitiu-se da liderança do PS nesse mesmo dia, indignado com a decisão presidencial. Saramago disse que "a democracia acabara em Portugal". Francisco Louçã afirmou que era "o princípio do fim do 25 de Abril". Na festa do Avante desse ano usaram-se t-shirts anti-Sampaio. E como na noite seguinte, precisamente, morreu de súbito Maria de Lurdes Pintassilgo, não faltou quem dissesse explicitamente que se deveria ao desgosto da decisão de Sampaio. Em suma, provavelmente nunca nenhuma figura da esquerda (nem da direita) portuguesa atraiu tanto os ódios do seu espectro político como Jorge Sampaio. Curiosamente, muitos destes correligionários aplaudiram dez anos depois a constituição da "geringonça", que, tal como no governo Santana, se baseava numa maioria parlamentar.

Que o "cenoura", como lhe chamavam carinhosamente, descanse em paz.