quinta-feira, janeiro 19, 2006

Vou votar em...

Falei apenas uma vez, com mais profundidade, sobre as actuais presidenciais, expondo os meus pontos de vista, as minhas causas de (des)interesse, e explicando porque razão votava sendo monárquico. Olhando bem, e na véspera do escrutínio, houve alguns pontos que mudaram ligeiramente.
O mais importante será sem dúvida quem gostaria que ganhasse. Soares não, pelas razões expostas. O mesmo para Jerónimo e Louçã, e Garcia Pereira apenas se candidata por uma questão de intervenção (embora a minha cruzinha há cinco anos tivesse sido precisamente para o juslaboralista do MRPP). Quanto a Cavaco, nada a opôr, mas para além de não ser cavaquista e de me lembrar de alguns aspectos mais negativos daquele a quem muitos vêem como um salvador, não acho que a sua candidatura seja particularmente entusiasmante (sim, os silêncios do candidato que parece não se comprometer com nada contribuem para isso).

E Alegre? No início, tinha apenas uma vaga simpatia pelo candidato sem tropas e pela confusão que trouxe a estas eleições, não permitindo que cada partido se identificasse com um candidato. A sua campanha não decorreu da melhor forma, fosse pela ausência de meios e de fundos ou pelo temor reverencial que muitos militantes socialistas demonstraram se o apoiassem abertamente.
Contudo, as sondagens começaram a ser-lhe favoráveis e a sua candidatura passou a ser levada a sério. Várias razões justificam esta simpatia emergente: além da posse marialva e quase única do candidato, o seu afastamento dos apoios partidários, da forma como disparou sobre todos sem fazer ataques pessoais e de uma basta coerência com os seus princípios, há um certo lirismo pueril e um sentimento patriótico que veria com agrado um poeta em Belém. E o patriotismo levantado por Alegre não é menos apelativo: entre os radicais da esquerda com medo do "Antigamente" que se dizem "cidadãos do mundo" e uma direita sem ideologia e memória para quem os sentimentos patrióticos "são coisa do passado" e que só responde perante o mercado, a pátria surge como um valor de importância maior, numa época de globalização e encontro de raças e povos, sem a carga xenófoba que tantas vezes lhe atribuem.
"E a diversidade, o cosmopolitismo?" perguntarão alguns, lembrando os perigos que o desejo de pureza nacionalista representa. Sim, tudo isso é louvável, mas que interesse há em falar de diversidade cosmopolita se não houver identificação de cada povo ou cultura? E afinal, qual é o perigo de se clamar pela pátria quando desde o início dos sentimentos patrióticos que grande parte dos combates pela liberdade passa por aí? Um mundo globalizado terá de ser uma salada russa sem identificação nem causas?
Por mim, podem dizer que Alegre está ultrapassado, é um lírico pseudo-nacionalista, não vive neste mundo, etc. Eu já escolhi. Estou farto dos argumentos a favor da "experiência", do "relançamento da economia", de "homens providenciais ou que sabem unir", de tudo o que se tem ouvido das outras campanhas. Não escolhi viver em República, não acho que as competências do Presidente sejam determinantes nem decisivas, como se quer fazer crer, exceptuando a da dissolução do Parlamento. Assim sendo, porque não um presidente-poeta? Medo do ridículo, ausência de exemplos? Temos o de Vaclav Havel, um dramaturgo, com quem os checos se deram muito bem, como já lembrou o Blasfémias (que também usaram o argumento da "superioridade estética"). Chefe Supremo das Forças Armadas? Não lhe falta coragem nem experiência militar. E quanto à questão da representação do Estado, a função não podia ficar mais bem entregue do que um poeta que invoca a pátria. Querem melhor representação de Portugal do que esta? Procurem-na. Se a poeisa é a alma deste povo tão particular, quem a cria e compreende é indubitavelmente o mais habilitado a representá-lo.

Por isso, e por outras razões mais, eu, monárquico e católico, vou votar em Manuel Alegre, um republicano agnóstico, no próximo dia 22.



PS: não é razão para isso, mas inspirado nesta campanha decidi-me finalmente a ler Alma, a autobiografia de infância de Alegre. O livro é magnífico e absolutamente cativante, como também o afirma esta já longínqua recensão. Encontrem-no e devorem-no, mas tentem não o fazer em transportes públicos durante o fim-de-semana, não vão sofrer acusações de "violação do dever de reflexão" iguais aquelas que recaíram sobre Mário Soares há pouco tempo.

Um comentário:

João Pedro disse...

É sempre um prazer, Luz.