terça-feira, maio 27, 2008

A faraónica sede da Caixa


Uma das evidências do que falei no post dos bancos e urbanismo é a sede da CGD, em Lisboa. Tive oportunidade, há pouco tempo, de observar mais atentamente o ciclópico edifício entre o Campo Pequeno, o Arco do Cego e a Avenida de Roma. Da autoria do Arquitecto Arsénio Cordeiro, e terminado em 1993, é um expoente do novo-riquismo Cavaquista da altura, bem expresso noutros sinais exteriores de "riqueza" (contemporâneo da CGD são o CCB e a Torre do Tombo, do mesmo autor). Quem der alguns passos ao lado da construção não pode deixar de ficar espantado com as suas dimensões hiperbólicas, o comprimento desmesurado, o volume esmagador, recordando as obras totalitárias da URSS, da Itália de Mussolini e da Roménia de Ceausescu, e que certamente seria do agrado de Duarte Pacheco. Aliás, outra comparação pode ser feita com as loucuras romenas: o edifício, aquando do início da sua utilização para que aí funcionassem todos os serviços centrais da Caixa, estava subocupado, tal como ainda acontece com o "Palácio do Povo" de Bucareste. De forma a explorar melhor toda aquela massa enorme e conseguir alguma rentabilidade, Rui Vilar criou a Culturgest, uma empresa de gestão de espaços culturais dependente do banco, da qual ressalta o grande auditório, com 700 lugares. Foi a solução encontrada para de alguma forma humanizar aquele elefante branco, meio soviético, meio neoclássico, com entradas formadas por uma espécie de cúpulas em estilo neobizantino fashion (quanto é que essas cúpulas não terão custado, Deus meu!), que esmaga e domina toda a área vizinha. O bairro do Arco do Cego fica ali todo acanhado. Meia Avenida João XXI pertence-lhe. E a praça de touros do Campo Pequeno perde o protagonismo de zona que lhe caberia. Em suma, toda uma vasta área pertence ao monolito cor de creme.


A sede da CGD podia até ser parecida com a actual, mas em dimensões mais suaves e diminutas, (e sem as horríveis cúpulas). Não seria difícil juntar os serviços centrais e a Culturgest numa obra um tudo de nada mais modesta. Mas não. Tinha de ser em grande, como qualquer obra de relevo em Portugal. Os nossos governantes, especialmente os que têm a tutela das obras públicas, e os gestores de empresas estatais julgam-se certamente reencarnações dos faraós. Mas a sede do maior banco português não é apenas um monumento visível ao desperdício de fundos (pelas empresas públicas) ou um dos maiores edifícios comerciais da Europa: é também mais um exemplo de como os bancos alteram e dominam o skyline de uma cidade, ou parte dela, e de como o simbolismo do seu poder se torna tão incomodamente concreto e visível.

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