segunda-feira, maio 19, 2008

Os bancos, inimigos das cidades?
Tornou-se um lugar comum dizer que o capitalismo de hoje em dia é financeiro e especulativo, e não produtivo; que os bancos ganham lucros fabulosos por via dessa especulação; ou que a dada altura começaram a abrir agências bancárias como cogumelos.

Só que muitas vezes os lugares-comuns são a representação fiel da realidade, e os casos de cima seguem essa mesma regra. O capitalismo é muito mais especulativo, como se pode ver por estas subidas vertiginosas dos preços do petróleo e de bens alimentares, ou por alguns estranhos humores da bolsa. Poucas esquinas haverá sem a sua pequena agência bancária, anunciando as melhores taxas do mercado.

Essa mudança dos padrões económicos manifestou-se em diversas áreas, entre as quais uma certa imagem das cidades. Quem estiver atento verificará que os bancos, tirando as suas sedes históricas, funcionam normalmente em prédios modernos, sobretudo em mamarrachos revestidos a vidros fumados, castanhos ou pretos, construídos nos lugares onde antes havia edifícios da Belle Époque. Em Lisboa, nas Avenidas Novas, há inúmeros exemplos disso. Muitas vezes entalam-se entre pequenas pérolas arquitectónicas de há várias décadas, seriamente ameaçadas de demolição. Noutros casos, descaracterizam-se gravemente os edifícios. O exemplo que me vem à cabeça é o do Palácio Atlântico, no Porto, na Praça D. João I, outrora um dos mais elevados prédios do país, em belo mármore castanho, e hoje coberto por placas de cor creme. Felizmente, restaram as pinturas do pórtico e da entrada.
Depois, há os casos bem conhecidos de cafés de renome, palcos de tertúlias, discussões ou longos almoços de cavaqueira das "elites" locais, com as compridas salas de bilhar e vidraças para as movimentadas ruas da respectiva localidade, que ao longo do tempo foram desaparecendo para dar origem a mais uma agência com as tabuletas rosa, laranja, verde e todas as outras cores de que as instituições de crédito se quiseram munir para criar um efeito visual mais poderoso mas nem por isso mais atractivo. Tantas são que poder-se-ia atribuir a cada um dos principais partidos portugueses um banco diferente: ao PS caberia o BCP (na prática não anda muito longe disso), ao PSD o BPI, o PCP ver-se-ia convertido à classe dos capitalistas financeiros com o Santander Totta, o CDS arrebataria a estatal CGD, Os Verdes ficariam com o BES, e, tendo em conta o novo lilás que o BANIF adoptou, deixar-se-ia o banco madeirense aos cuidados do BE (além de que o Centauro que faz parte do novo símbolo é uma minoria que urge proteger).
Dessa poluição visual não sofrerá A Brasileira do Porto, se se tiver em conta as promessas de Artur Santos Silva. O edifício onde funciona o histórico café pertence ao BPI, e os actuais locatários, incluindo o Café di Roma, têm ordem de saída, apenas adiada por interposição de uma acção de suspensão. Seja como for, e mesmo crendo na palavra de Santos Silva, é um bom exemplo de como os bancos modelam, controlam e gerem as mudanças da vida urbana, condicionando as suas instituições e até o seu modelo de urbanismo. Estranhamente, o crescimento das agências é inversamente proporcional ao do número de bancos, com todas as fusões e aquisições que se verificaram nos últimos anos (apesar da entrada de bancos estrangeiros), que deram origem aos grupos actuais. Mas não haja dúvida: os letreiros berrantes são mesmo mais numerosos e ocuparam o seu próprio espaço, seja em blocos espelhados e desenhados à pressa, seja em edifícios de traça mais clássica que em tempos albergaram outras instituições, menos dadas a créditos e débitos, mas com outra relevância cívica e social. Era bom que pensássemos mais nisso ao dar de caras com mais um inestético anúncio bancário, ente mais uma dúzia num raio de 50 metros.

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