Traição contínua
Mais uma prova da absoluto desrespeito da CP e da REFER pelos seus utentes, uma atitude que se está progressivamente a tornar rotineira. Depois de encerramentos contínuos de inúmeros troços de linha férrea, desde o fabuloso Sabor até vários percursos alentejanos, e quando se prepara, embora ainda não o admita, para eliminar a linha do Tua, um património único na Europa, a notícia da "suspensão" das linhas do Tâmega e do Corgo caiu que nem uma bomba entre os habituais utilizadores. Pela calada da noite, como quaisquer vulgares bandoleiros, aqueles que tinham obrigação de velar pelos caminhos de ferro acabaram com eles num ápice. A história da "suspensão indeterminada" é truque velho, demasiado datado para que alguém acredite, fora os desonestos.
Enquanto isso, discute-se o traçado do TGV, se entra em Lisboa pelo Norte ou pelo Sul, se passa ou não no aeroporto, se vai a Vigo ou a Ayamonte. O TGV é um dos Bezerros de Ouro do regime, tal como o EURO 2004 era "o desígnio nacional". Promete o futuro radioso à mão de semear por meros 40 Euros, depois de milhares de hectares expropriados, incontáveis discussões e projectos, milhões de Euros gastos nisto tudo e nas inevitáveis derrapagens.
E o ambiente, as energias renováveis, o cumprimento dos protocolos de redução das emissões de CO2, tudo alardeado com ar beatífico e de aluno cumpridor, quando o interior e o miolo das grandes cidades se esvazia inexoravelmente para os subúrbios dos blocos de betão de má qualidade decorados a marquises ensebadas no meio de campos semi-agrícolas. Para isso, constroem-se barragens concessionadas previamente à EDP, que podiam ser evitadas caso se aumentasse a potência de outras, destruindo-se património humano e natural, com a falsa promessa de que vão atrair turismo e emprego (isto é, construção civil), quando na realidade apenas "secam" tudo à sua volta, quais eucaliptais.
As linhas férreas foram uma forma de vencer as barreiras entre o litoral e o interior, penetrar nas serranias e nos planaltos, quebrar o isolamento de populações desde tempos imemoriais confinados ao seu horizonte montanhoso. Um projecto ambicioso, levado a cabo desde o Fontismo até aos últimos anos da Monarquia, em que os Reis iam pessoalmente à inauguração destes novos troços que mudaram o país para melhor, fosse no Carregado ou nas Pedras Salgadas. Agora, a república em que vivemos resolve unilateralmente e por interposta empresa pública acabar com meios de transporte, que além de ligarem populações carentes de outros meios de comunicação, eram já um património histórico testemunhando a vontade intrépida de ultrapassar obstáculos, como o haviam sido os Descobrimentos e o Douro vinhateiro. A isto tudo a CP obedece sem pestanejar, traindo o compromisso com os seus utentes, continuando a prestar-lhes maus serviços pelos mesmos preços sem sequer ouvir-lhes as queixas (o Intercidades não tem serviço de bar há seis meses). É bem o exemplo do que não deve ser uma empresa pública. Infelizmente, é a regra, e não a excepção.
Ainda me posso dar por feliz por ter conhecido a linha do Corgo, mesmo que amputada da sua metade até Chaves. Tinha planos para conhecer as do Tâmega e do Tua, mas infelizmente essas esperanças goram-se agora. Já não poderei conhecer essas velhas composições, as paisagens únicas que atravessam, nem os rostos das pessoas traídas pelos seus governantes, para quem não passam de pormenores do seu feudo de "progresso" e inimputabilidade.
PS: ver igualmente a Origem das Espécies
(Publicado em simultâneo no Estado Sentido)
Nenhum comentário:
Postar um comentário