quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Depois de Mubarak

A saída de cena de Hosni Mubarak deixou no ar muitas certezas e algumas dúvidas. As certezas dividem-se em dois grupos de ideias opostas: uns estão certos de que a democracia á ocidental vai frutificar na república árabe, sem sombra de dúvidas; os outros dizem que o Egipto vai ser "o novo Irão", e que lá a democracia com a entendemos é uma ficção. Pela minha parte, prefiro ser prudente. Até agora sempre tinha visto Mubarak como um estadista autoritário mas longe dos piores, e que além do mais travava os avanços do radicalismo islâmico saído da Irmandade Muçulmana, inspirada por Qutb. Aliás, nunca era referido como "ditador" (ao contrário de Ben Ali, por exemplo), talvez por ser o sucessor de Nasser e Sadate. Bastou que o povo viesse à rua para as mais infames classificações lhe caírem em cima.
Certo é que já há muito havia descontentamento, e mesmo muitos do que já estavam acomodados diziam em surdina não gostar do velho militar. Mas tal como ocorreu noutros países, não foram as condições políticas a fazer cair Mubarak, mas a situação económica e a subida dos preços, aliada à corrupção. A revolta atraiu mais e mais apoiantes, perante a placidez do exército. Depois de muitos contorcionismos, Mubarak caiu mesmo. Não nos esqueçamos de outro precedente, também ele num grande país muçulmano controlado por militares: a Indonésia. Suharto governou com uma mão bem mais férrea até a situação económica o derrubar.

A situação está demasiado nublada para que se possam fazer vatícinios sem olhar para o lado. A Irmandade Muçulmana é heterogénea, e tanto tem no seu interior radicais que sonham com o Califado (de lá saíram os assassinos de Sadate, por exemplo, que agora estão na Al Qaeda), como pragmáticos que preferem o exemplo turco de Erdogan. Os principais líderes dizem inspirar-se nesta última linha, mas nem isso afasta as desconfianças. Os liberais do Wafd parecem ser poucos, e El Baradei surgiu de repente, depois de toda uma vida de serviços externos na ONU. Desconhece-se absolutamente o que quer a maioria da população.


Entre os medos de que ocorra o mesmo que no Irão em 1979, surgindo ali uma república sunita (que ironicamente seria um rival de peso para os persas), ou a chamada de atenção para os democratas-islâmicos turcos, vem-me à cabeça outro exemplo, igualmente turco: o de Kemal Ataturk. Saiu Mubarak, mas as forças armadas controlam a situação e gozam de grande popularidade entre o povo. Provavelmente farão a gestão da casa, e caso achem que há caminho para um regime com um certo grau de liberdade, permitirão que haja eleições mais ou menos livres. Mas não deverão sair de cena. E não sendo permissivos com islamitas, serão também mais duros nas suas posições para com Israel.

Entre euforias e cinismos, pode-se tirar de tudo um pouco e tentar prever esta situação confusa, que não deixará de influenciar todo o Médio-Oriente e o Norte de África.

Ao certo, e das poucas certezas absolutas que tenho neste momento sobre o assunto, é que o editorial do Público de sábado passado - "O dia em que o século XXI recomeçou", "a Praça Tahrir foi o símbolo das aspirações de toda a humanidade", "uma nova geração rejeitou para sempre o autoritarismo e a ditadura", "o 11 de Setembro acabou na Praça Tahrir" - é das coisas mais estúpidas que li nos últimos anos, em todos os periódicos possíveis e imagináveis.

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