sexta-feira, fevereiro 25, 2011

O regresso do "cão raivoso"

A repressão dos rebeldes e revoltosos na Líbia, com recurso a mercenários de todas as partes de África e bombardeamentos da força aérea, revela que Kadhafi não deixou de ser o "cão raivoso", como lhe chamou Reagan, que era antes da sua "regeneração" táctica.


Recordemos. Muammar al Kadhafi, filho de beduínos e oficial do exército, chefiou um golpe de estado em 1969 que depôs o velho rei Idris e aboliu a Monarquia. Impôs uma república em que se auto proclamou "guiada revolução líbia", baseada nas "assembleias do Povo", com uma ideologia simultaneamente pan-arabista, socialista e islamita, em que na prática ele era a figura tutelar e inquestionável. Os opositores foram encarcerados aos milhares, e muitos foram publicamente enforcados.
Com os fundos das enormes reservas de petróleo, Kadhafi não apenas se lançou em programas de infra-estruturas e irrigação de campos. Na política externa, apoiou tudo o que era grupo terrorista, dos palestinianos (em operações de grande repercussão, como os atentados nos Jogos Olímpicos de Munique), ao IRA, da ETA aos diversos grupos armados que se opunham a regimes africanos rivais, além de ditadores tenebrosos como Idi Amin. Frequentemente recorria à "prestação de serviços" de gente como Abu Nidal e Carlos, o Chacal. Tornou-se assim um dos principais inimigos do Ocidente, particularmente dos Estados Unidos. A gota de água aconteceu quando uma discoteca em Berlim explodiu, vitimando soldados americanos. O atentado tinha sido ordenado pelo ditador líbio. Os americanos não hesitaram e bombardearam Tripoli e Bengazi, em 1986, neutralizando a máquina de guerra líbia e aterrorizando Kadhafi, que viu o seu palácio ser destruído e desde então passou a habitar exclusivamente em tendas. Esse valente susto parece que produziu os seus efeitos, não sem antes se verificar um último e terrível caso: a bomba que explodiu num avião sobre a aldeia escocesa de Lockerbie, matando todos os seus tripulantes. Depois disso, o coronel líbio apostou numa estratégia de moderação e conciliação, abrindo a economia da Líbia ao mundo e passando a ocupar um lugar "respeitável" entre as nações, como o velho líder excêntrico com trajes típicos e guardado por mulheres oferecendo boas perspectivas de negócio, particularmente do petróleo. Além de se reconciliar com a Itália, a antiga colonizadora, veio a Portugal na cimeira UE-África, em 2007, instalando-se na célebre tenda na forte de S. Julião da Barra. José Sócrates tornar-se-ia então um dos aliados preferenciais na Europa.

Agora, cercado, acossado e ameaçado, Kadhafi regressa à sua faceta mais temida e odiada e reage com extrema violência, o que originou ainda mais tumultos. A Líbia enfrenta uma autêntica guerra civil. Os rebeldes controlam a Cirenaica e a segunda cidade, Bengazi, onde flutua a bandeira da monarquia, e avançam para oeste, para Tripoli, guardada pela guarda pretoriana do regime verde e pelos mercenários. Tudo pode acontecer, desde o esmagamento da rebelião (e os muitos mortos não auguram nada de bom) até ao colapso do regime, cenário em que Kadhafi não hesitaria em rebentar tudo à sua volta, além da divisão do país em duas ou mais partes, dadas as diferenças tribais. Até há pouco mais de uma semana, este cenário era inimaginável.


A rebelião prolonga-se, com um crescente número de vítimas, os estrangeiros fogem apressadamente de barco, o valor do petróleo sobe e o futuro da Líbia não augura nada de bom. O seu coronel "guia da revolução" está disposto a levar o país consigo para o inferno.
PS: perdoem-me a imodéstia, mas ou muito me engano, ou este artigo do Público inspirou-se neste post.

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