quinta-feira, abril 05, 2012

A Dama de Ferro e o regresso da questão Falklands


O filme A Dama de Ferro, tentativa de biopic sobre Margareth Thatcher, ainda se exibe nalgumas salas de cinema. Consegui vê-lo já depois da esperada consagração da grande Meryl Streep na última sessão de Óscares. De facto, e tal como diziam inúmeras críticas, não é tanto uma "biografia filmada" mas mais um filme sobre a caminhada para o topo de uma self made woman, a posterior perda desse mesmo poder e a cruel comparação com a decadência física e mental de quem o assumiu. É um pouco também uma afirmação feminista.
 
Esperava esta obra há já alguns anos. A ideia se fazer um filme sobre Tatcher não era nova e já tinha bastante tempo. A de que o papel principal fosse interpretado por Streep também, e houve mesmo quem visse um ensaio em The Manchurian Candidate, de 2004, onde a podíamos encontrar como uma senadora fria e manipuladora (que no estilo, que não nas intenções, lembrava um pouco Thatcher).

Se a ideia era mostrar as fragilidade dos que em tempos assumiram um poder que parecia inexpugnável, então o resultado é satisfatório. Uma Thatcher de terceira idade, trôpega e semi-esquecida, atormentada pelo fantasma do marido Dennis, mas que ainda conserva parte da lucidez, necessária para as recordações de tempos idos e as comparações. Interessante, nesse ponto, para quem gosta do género da "biografia psicológica". Mas eu prefiro as clássicas, e nesse sentido senti-me um pouco defraudado pela insistência na "velha Thatcher", que aparece tantas vezes no filme como o restante percurso. Não que haja qualquer problema em construir uma biografia filmada com recurso a flashbacks e recordações, mas a insistência na senilidade da dama de Ferro, e sobretudo na obsessão com o marido torna-se cansativa.
Esperava, confesso, que o filme se debruçasse mais sobre a vida de Thatcher, em especial os anos oitenta. A política económica, que marcou o seu governo, quase nem aparece, assim como a crise social que se gerou (desemprego, hooliganismo, etc), e entre a Guerra das Malvinas e a saída provocada pelos adversários internos, ou seja, oito anos, limitam-se a colocar algumas fotografias e nada mais. E depois da demissão, passa-se directamente para o período da "Thatcher velha", num enorme salto sem que se perceba o que lhe aconteceu nos anos subsequentes aos seus governos. A minha semi-desilusão com o filme deve-se a esses saltos não explicados, às omissões graves e à escassa explicação dos factos. Para mim, uma verdadeira biografia não deve deixar buracos nem cenas que só lá estão porque sim (e que na realidade têm mais relevância do que aparentam). Preferiu-se enveredar pelos intrincados caminhos psicológicos do poder e da sua passagem. São opções...
 
Meryl Streep ganhou o Óscar pela sua interpretação da baronesa. Houve quem dissesse que era "o papel da sua vida", mas discordo, porque a maior parte das interpretações da actriz americana seriam a "da vida" de quase todos os actores de cinema. Este é soberbamente interpretado, de acordo, e mereceu o galardão, mas Streep já o merecia noutras ocasiões. Madison County, "I had a farm in Africa", só a título de exemplo.
 
É interessante verificar que o filme chegou aos cinemas em 2011 e 2012, e que precisamente por estes dias comemoram-se os trinta anos do início da Guerra das Malvinas, em Abril de 1982, um dos principais momentos de A Dama de Ferro (e no ano em que Streep recebia o primeiro Óscar de melhor actriz). Justamente, a Argentina, pela voz da presidente Cristina Kirchner, vem de novo reivindicá-las, com um discurso nacionalista e populista, apostando agora não na guerra militar mas na diplomática, apoiando-se nos vizinhos sul-americanos. O argumento é o da contiguidade territorial e a pouca distância das ilhas do continente sul-americano. Mas parecem esquecer-se do princípio da auto-determinação dos povos, e que a população das ilhas é exclusivamente composta por ingleses e escoceses que não têm a menor vontade de ficar sob domínio argentino.

É claro que Londres já respondeu que quanto à soberania das Malvinas/Falklands não havia qualquer conversa. Mas para além da onda de nacionalismo populista, Kirchner sabe que os mares a área à volta das ilhas escondem inúmeros recursos, incluindo petróleo e gás natural. As razões são mais compreensíveis do que em 1982, quando a junta militar, para fazer subir a sua popularidade, invadiu as ilhas, certas de que o Reino Unido não reagiria. Enganaram-se, e depois de semanas de combate, os britânicos afundaram o cruzador General Belgrano (as imagens constam do filme), cercaram as forças argentinas, na sua maioria compostas por soldados inexperientes, em contraste com os ingleses, habituados às emboscadas no Ulster, e forçaram-nas à rendição, hasteando de novo a Union Jack no território. A humilhação da derrota conduziu a grandes revoltas e à queda da junta, levando ao regresso da democracia no país das pampas. O grande jogo da Mão de Deus, no Mundial de 1986, entre os dois inimigos de 1982, tinha por isso uma carga política enorme.

Evidentemente que ninguém espera um confronto militar, nem Kirchner será tão obtusa e audaciosa como o ditador Galtieri, apesar de Londres estar a cortar nas despesas militares. Mas poderá ser um caso a seguir com interesse no futuro. Irónico é ver manifestações esquerdistas em Buenos Aires, queimando bandeiras britânicas em frente à embaixada, como se estivessem ao lado do brutal regime ditatorial e pró-fascista que então vigorava, durante o qual foram mortas e desapareceram milhares de pessoas, e que caiu precisamente graças à derrota militar. Nesse aspecto, os argentinos que não fossem apoiantes da ditadura deviam estar gratos à Dama de Ferro.


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