Parece que depois das eleições de Domingo a Itália ficou "ingovernável", há pouca esperança de que haja um "governo estável" e fala-se em "coligações improváveis". Não é uma situação confortável, mas sendo Itália não é uma tragédia nem propriamente uma novidade. Antes pelo contrário.
A Itália da primeira república, de 1946 a 1993, teve perto de 50 governos, o que mostra bem a instabilidade governativa do país. No entanto, mesmo com esse e outros problemas (terrorismo, máfia, corrupção), o país desenvolveu-se e prosperou. Os dois grandes partidos eram a Democracia Cristã, que formava sempre governo com os liberais, os republicanos e os sociais democratas, e o Partido Comunista, o maior da Europa ocidental, inicialmente apoiado pelos socialistas. De fora ficavam os neofascistas, os monárquicos, os radicais e as formações regionais. A dada altura os socialistas passaram a suportar os democratas cristãos e tiveram até acesso à chefia do governo, com o célebre Bettino Craxi. Sendo sempre os mesmos a governar, e com o fim do perigo comunista, a partidocracia acabou por quebrar com o processo mãos limpas e os partidos tradicionais caíram como um castelo de cartas.
Com este cenário, em 1992/1993 surge a segunda república italiana. O Partido Comunista tinha entretanto alterado completamente a ideologia e a imagem e tornara-se no Partido Democrático de Esquerda, de ideologia social-democrata, excepto uma cisão mais saudosista que criou a Refundação Comunista. A Democracia Cristã acabou e a sua ala esquerda juntar-se-ia aos antigos inimigos agora do PDS. Outros dispersaram-se por pequenas formações centristas e "populares", mas a maioria do seu eleitorado, bem como dos partidos que a apoiavam, incluindo o socialista, seria absorvido por um novo partido que tinha como mentor o grande empresário e dirigente desportivo Silvio Berlusconi, pela crescente Liga Norte, de Umberto Bossi, até aí acantonada na Lombardia, e aos quais se juntaram os ex neofascistas de Gianfranco Fini, que num processo semelhante ao do PCI/PDS se tinham metamorfoseado na conservadora Aliança Nacional. Contra as expectativas iniciais, Berlusconi, aliado a Bossi e Fini, venceu as eleições gerais de 1994 ao PDS chefiado por Massimo D´Alema (que tinha um discurso pouco de esquerda, na opinião de Nani Moretti no seu filme Aprile). Seguiram-se anos em que ora vencia Berlusconi e as suas coligações (agora no Povo da Liberdade), ora o PDS e respectivos aliados ecologistas e centristas, com líderes como Romano Prodi, Rutelli e Veltroni, e que acabaria por se transformar no actual Partido Democrático. Pelo meio sucederam-se os inúmeros casos judiciais que envolviam sobretudo Berlusconi e até a entrada dos juízes na política, como Di Pietro.
Entretanto também esse cenário mudou. O Partido Democrático, chefiado pelo florentino Renzi, um Macron mais à italiana, prometeu reformar o país, mas a pressa e as mudanças de estratégia voltaram a adiar os planos. Fini retirou-se de cena, a Liga Norte expandiu-se para sul, agora com Matteo Salvini, e até Berlusconi regressou, em versão vegetariana e com mais cabelo, com a renascida Forza Italia, propondo-se a ser o árbitro das eleições e dos governos. Mais do que tudo, o Movimento Cinco Estrelas, primeiro com o histriónico Beppe Grillo e o cibernético Casaleggio, entrou de rompante na política italiana, conquistando em 2016 grandes cidades como Roma e Turim, e tornando-se no partido mais votado nas legislativas de há dias, agora como o jovem e quase licenciado Luigi di Maio à sua frente para lhe dar uma face mais institucional. Mas não se quer aliar a ninguém, tal como os outros partidos não se querem aliar uns com os outros.
Como se vê, governos precários, falta de entendimento e posteriores alianças que antes pareciam impossíveis (ex-comunistas e democratas-cristãos, socialistas e ex-neofascistas, etc) são a regra em Itália. Daí que a preocupação imediata talvez não seja assim tão grave. Instabilidade governativa e coligações improváveis em Itália, mais do que a regra, são autênticos pleonasmos.
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