Há cem anos acontecia o desastre (quase anunciado) de La Lys. Nas trincheiras da Flandres, a IIª Divisão do CEP - Corpo Expedicionário Português - sofria uma humilhante e enormíssima derrota. Num só dia, sete mil e quinhentos soldados e oficiais eram mortos ou feitos prisioneiros pela poderosa máquina de guerra prussiana, superior em número, em treino e em equipamento. O CEP, a que alguns previdentes chamaram Carneiros Exportados de Portugal, era composto por soldados mal treinados e armados, com pouca experiência de combate, comandados por uma oficialidade medíocre, habituada aos quartéis, a África (poucos) e à pancada de rua tão comum nesses tempos atribulados. Estavam enfraquecidos pelo tempo e pelas condições a que eram sujeitos, desmotivados e sem os reforços previstos, apesar de se anunciar uma rendição de contingentes para as horas seguintes. Tinham ido em grande parte contrariados, obrigados pela República, que pretendia a todo o custo uma qualquer glória que a legitimasse a nível internacional. Os argumentos eram de que se não se interviesse no cenário europeu se perderiam as colónias para ingleses e alemães, "a importância portuguesa no mundo" e até que Portugal seria invadido. Ou seja, um conjunto de desculpas esfarrapadas para legitimar tal intervenção para além da estrita defesa das colónias, e que aliás era desaconselhada pela Inglaterra, que apenas aí via um estorvo.
O resultado de Afonso Costa, João Chagas e Jaime Cortesão andarem a brincar às guerras é conhecido. Em quatro horas dessa madrugada de 9 de Abril, milhares de mortos abatidos pela artilharia germânica na forte ofensiva comandada pelo lendário Erich Von Ludendorff, pânico generalizado entre as hostes portuguesas, e o avanço rápido dos alemães entre o vazio provocado pelas brechas da 2ª divisão. Houve alguns actos de heroísmo sobre-humano, como o do "soldado Milhões", outro de entre muitos que tinham sido levados da sua aldeia para as trincheiras, mas a maioria daqueles homens a quem chamaram soldados sem lhes ensinar esse estatuto debandou ou lá ficou.
Os portugueses foram carne para canhão nesse desgraçada aventura, uma das maiores derrotas lusas a par de Alcácer-Quibir ou Alcântara. Portugal ficou entre os vencedores da Guerra, mas pouco recebeu por isso. Pelo contrário, os gastos deixaram as finanças públicas em estado lastimável, escassearam os bens de primeira necessidade e deram-se revoltas populares, violentamente rechaçadas. Curiosamente, morreram quase tantos soldados como em toda a Guerra Colonial. Invoca-se o nacionalismo do Estado Novo para justificar a pesada operação mantida em África. Mas as menos aí defendíamos o que era nosso e a superioridade militar sobre os insurgentes era evidente. Em La Lys, defendíamos apenas uma noção republicana de nacionalismo, enviando uns pobres coitados que mal sabiam disparar uma arma para as horríveis trincheiras, fazer frente a forças imensamente superiores. Uma triste memória e um crime que a República em vão tentou apagar, mas que seria mais um motivo para a sua impopularidade e subsequente queda, em 1926, curiosamente às mãos do comandante dessa desafortunada 2ª divisão do CEP: Gomes da Costa.
Paz às suas almas, desses pobres soldados tombados a 9 de Abril de 1918. Há cem anos.
* Texto escrito há dez anos neste mesmo blogue, e devidamente actualizado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário