quarta-feira, novembro 27, 2024

25 de Novembro, 49 anos depois

As cerimónias de 25 de Novembro, as primeiras que houve, foram meramente protocolares, sem grandiosas manifestações nem descidas das avenidas, mas francamente também não serviram para isso. Contudo, teve graça ver alguns a fingirem ser o que não foram há 49 anos, como o PS, que fugiu da comemoração dos factos de 1975 para os quais contribuiu mais do que qualquer outro partido, fingindo não ser nada com ele, até Pedro Delgado Alves, o tribuno da ocasião (podiam ter posto algum deputado que falasse mais devagar: Delgado Alves parece estar sempre a ler recomendações de medicamentos, tal a velocidade), desculpar-se com um "para o ano é que é importante".

O Chega, pelos ditos de Ventura, parecia ter sido o autor do 25 de Novembro, ou que o Grupo dos 9 eram todos filiados no movimento, até contraditoriamente dizerem que "a corrupção começou a partir daí" (como se antes não houvesse). Daqui a nada dizem que "não era para isto que fizeram o 25 de Novembro". Sabiamente, o General Eanes, ao ouvir Ventura saudar o seu nome, fingiu que nem estava ali.
O PCP nem apareceu, supostamente revoltado pelos "comunismo nunca mais", embora na realidade deva ao 25/11 a sua existência e até influência durante muitos anos, ou não tivesse recuado na altura ciente de que em caso de confronto iria apanhar por tabela. Em parte Cunhal reconheceu isso.
Os outros estiveram mais ou menos dentro das disposições do que se lhes pedia, confirmando o Bloco, pela irada Mortágua 2, o seu saudosismo pelo PREC e pela reforma agrária, Deus os acuda.
Do pouco que ouvi, bom discurso do Presidente da AR, na senda de um trabalho que tem sido bastante digno, e discurso pedagógico do PR, que se lembra bem dos factos.
Merecidas, sempre, as homenagens ao general Ramalho Eanes (só não se levantou numa), que na ausência de todos os outros vultos os representou com a dignidade de sempre, mostrando de novo que o 25 de Novembro não era uma nova revolução mas sim um ajuste necessário, e que por isso se deve comemorar serenamente e na justa medida.
Esperemos, pelos 50 anos, daqui a um ano se Deus quiser.

quarta-feira, novembro 20, 2024

Uma igreja para os pobres

No Dia mundial do Pobre, onde é que a Igreja tem de estar? Entre os pobres, precisamente. E não só neste dia.

E em zonas onde os laços familiares, comunitários, institucionais, etc, (clubes recreativos, desportivos, culturais, até mesmo o bar da esquina, como se pode ver com os Pubs nas ilhas britânicas) não abundam, levando a ainda mais marginalidade, pode ter um papel ainda mais importante e agregador.

quarta-feira, novembro 06, 2024

Trump, de novo

Analisemos: um tipo que não reconheceu uma derrota eleitoral sem dar provas disso e que inspirou um assalto ao Congresso nacional do seu país, pondo em risco de vida o seu próprio vice, e com inúmeros processos à perna, acaba de ser reeleito presidente por números que não deixam grande margem para dúvidas, para além de ter ganho o Congresso e o Senado. Como já tinha superioridade no Supremo Tribunal, podemos dizer que um homem com tendências cesaristas e autoritárias tem na mão o poder executivo, legislativo e judicial dos EUA, pulverizando o sistema de contrapesos políticos que equilibra os EUA, ou seja, vai poder fazer o que quiser, inclusindo auto-indultar-se.

Para além disso, e o que é pior para nós, é um isolacionista que pouco conhece do mundo, justamente quando alguns dos aliados tradicionais dos EUA enfrentam ameaças e guerras que colocam a sobrevivência do seu modelo político e social em jogo. O isolacionismo é uma corrente antiga e poderosa nos EUA, mais nos republicanos que nos democratas, mas não haveria altura pior do que esta para ser posto em prática. Para além disso, os elogios a Putin, Netanyhau, Xi Jiping e Kim Jon Un revelam muito das suas referências. Significa isto que a Ucrânia perderá grande parte do apoio americano, ao passo que Israel terá respaldo para fazer o que quiser. Pode significar o corte da aliança militar entre Europa e EUA e o fim de uma relação que vinha desde a II Guerra. Não é apenas alguns países da NATO, como o nosso, não contribuírem com 2% do PIB para a defesa. Antes fosse. É realmente um corte com a NATO e a Europa, aumentando ainda mais a possibilidade de guerras futuras.
Em suma, Donald Trump II, com poder quase absoluto nos EUA, será provavelmente o primeiro presidente (descontando o primeiro mandato) que não é amigo da Europa, para ser simpático. Kamala também não o seria, ao contrário de Biden, mas Trump promete vir a ser muito mais hostil. Isto diz muito tanto das prioridades do actual Partido Republicano como de boa parte dos americanos desde há muito (veja-se como Bill Clinton, com o seu "it´s the economics, stupid", venceu um George H. Bush que estava em grande no plano internacional), como da incompetência do Partido Democrata que não se soube rejuvenescer, ao convencer tardiamente Biden a desistir e a lançar a incógnita Kamala, que subiu nas intenções de voto graças à convenção que a entronizou e ao debate com Trump, mas que se revelou quase monotemática, vazia e pouco carismática. E chegamos ao belo resultado que o mapa vermelho dos EUA nos apresenta.



The new Tory boss

Enquanto esperamos pela eleição nos States, houve outra mais discreta, no fim de semana, precisamente no país que originou os Estados Unidos: Kemi Badenoch é a nova líder do Partido Conservador. Qual o interesse? Segundo as teorias da interseccionalidade publicitadas pela nova esquerda, todos os oprimidos, na base dos quais estão as mulheres negras, devem unir-se e combater todos os opressores, no topo do qual estão os homens brancos, ocidentais, heterossexuais, etc. O problema? É que nem todos os oprimidos vão nessa. Alguns, imagine-se, são opressores por outras vias e Kemi Badenoch é mulher, negra, e abomina essa teoria assim como toda a cultura Woke. É mesmo considerada da ala direita dos conservadores.

Resultado: as mulheres negras já ocupam lugares de topo nos países ocidentais (e talvez muito em breve haja outra, não exactamente negra) sem terem recorrido a qualquer revolução armada. Se isto é complicado para os defensores da interseccionalidade, como a inefável Katar Moreira, talvez seja tempo de se debruçarem sobre a natureza humana. A literatura clássica ajuda. Talvez encontrem algumas surpresas.



terça-feira, novembro 05, 2024

A presença dos Reis

Ainda sobre a recepção violenta às autoridades espanholas em Valência, parece claro que se deveu sobretudo aos membros do governo regional e a Pedro Sánchez. Seria ridículo assacar culpas aos soberanos que não têm a tutela da protecção civil e que estavam lá a prestar solidariedade.

Mas pelo arremesso de algumas pedras e lama, houve certamente reacções dirigidas ao Rei e à Rainha. Não é de espantar assim tanto. Naquele desespero, naquela impotência de se acudir aos vivos e desenterrar os mortos da lama, qualquer vislumbre de autoridade pode tranformar-se no bode expiatória das desgraças à vista. Acresce que em Espanha há alguns elementos anti-monárquicos profundamente radicais, cuja motivação ideológica (ou niilista) transcende a do desespero do momento. É bem possível que lhes tenha dado para a selvajaria, ao ver ali o objecto máximo do seu ódio.
Certo é que Sanchez e os elementos do governo regional se puseram a andar e Filipe e Letizia ficaram, cumprindo o seu dever como soberanos: consolando as vítimas e representando o Estado e a solidariedade do povo espanhol para com elas, também visível pelos milhares de voluntários que para lá se deslocaram, muitas vezes antes da própria ajuda estadual.