terça-feira, janeiro 25, 2005

Heaven

Passei um serão mais para o televisivo, ontem, domingo, pensando em ver um blockbuster que a TVI anunciava para a noite, O Patriota, filme de Rolland Emerich com Mel Gibson, passado na Guerra da Independência Americana. Como tantas outras vezes, a TV de Paes do Amaral e Eduardo Moniz defraudou o seu público e mandou o filme ás malvas, em detrimento de um qualquer pós-quinta das celebridades, mostrando de novo os princípios que norteiam a sua programação. Levemente enfadado, pus-me a fazer zapping, acabando por me fixar no filme da Dois, que estava a principiar. Tinha ouvido vagamente falar na fita, de nome Heaven, na altura do seu lançamento, vai para dois anos, apesar de ser protagonizado por uma das minhas actrizes favoritas, Cate Blanchett, especialista em interpretar rainhas. Fiquei então a assistir ao desenrolar da história, a princípio algo confusa, mas que se tornou clara pouco depois. Uma professora inglesa a viver em Turim, Philippa Packard, tenta vingar a morte do marido (e de alguns alunos) pondo uma bomba na secretária do responsável, um empresário ( na realidade um traficante de droga), mas acidentalmente a explosão apenas provoca vítimas inocentes. Revelando o seu acto, Philippa é interrogada pela polícia e confessa as razões do atentado, perante a estupefacção das autoridades, metidas também no negócio dos estupefacientes, que a acusam de fazer parte de um grupo terrorista. Somente o jovem intérprete -a interrogada faz questão de responder em inglês- um sentimental Giovanni Ribisi (o fotógrafo workaholic, marido de Scarlett Johanson em Lost in Translation), acredita na sua versão, acabando por cair de amores por ela. Quebrando todas as regras, o polícia novato consegue pôr a prisioneira em fuga, na sua companhia, bem como a eliminar o causador da morte do seu marido, fugindo depois para uma pequena cidade na Toscana. Perseguidos por tudo quanto é autoridades judiciais, e depois de recusar a ajuda do pai do tradutor, encontram refúgio numa quinta, onde são no entanto detectados. O filme termina com a desaparição do casal num helicóptero, rumo aos céus.

Retirando uns pós de lamechice e abstraccionismo, o sentido do filme, que nem sempre é bem conseguido, vai sendo apanhado com o seu desenrolar, sobretudo já na fuga. O caminho de alguém que se sente perdido, sem sentido de vida nem esperança alguma no futuro, acompanhada por outrem que larga tudo para seguir um amor arrebatado, mas que nem por isso perde o sentido total da razão. Duas almas errantes, perdidas, ligadas por sentimentos recíprocos e com um destino mais que incerto, que calcorreiam as estradas poeirentas sem saber de todo o que fazer. Philippa sente que tem de pagar pelos seus crimes, mas não se atreve a entregar-se (notável a cena da sua confissão, numa igreja, ao seu acompanhante, qual sacerdote, até ao momento em que lhe declara o seu amor). A certa altura são como um mesmo ser, andando pelos campos toscanos com a mesma t-shirt gasta, os mesmos jeans, o mesmo cabelo rapado, na mesma direcção. Até os nomes, Philippa e Filippo, bem como a data de aniversário, comum aos dois, os confundem. A sua individualidade esbateu-se. O seu amor uniu-os. Doravante, aqueles dois seres entregues a si próprios não mais se poderão separar.
Ainda que contendo alguns momentos mortos, a ideia de redenção depois dos excessos, de um caminho até algo de mais sereno e transcendente, perceptível por mais do que uma vez no filme (não só a imagem final mas também o plano do comboio a aproximar-se da saída do túnel, e da consequente luz), é obtida de forma satisfatória. Ressalve-se talvez a excessiva "pureza" de Philippa em entregar-se conscientemente, depois dos seus assassinatos, que sabe não poder justificar face à lei. A opção de Filippo, atrás do objecto de seu amor, uma fugitiva perseguida por todos e sem qualquer outra pessoa em quem se apoiar, não só é tocante como também desenha o rumo de todo o filme. E para interpretar um anjo em queda, procurando em vão redimir os seus erros, não vejo muitos mais actores a conseguir fazê-lo para além de Cate Blanchett.

2 comentários:

Freddy disse...

Qdo se lê um post grande, normalmente o q fica é o início e o fim dele. Para mim ficou o início, da linda realidade da TVI que é sempre a mesma merda, e nunca respeitam os espectadores

http://zonafranca.blogspot.com

Joao Augusto Aldeia disse...

Também admiro muito o talento de Cate Blanchett e também vi esse filme, na televisão, por acaso. São raros estes momentos em que encontramos uma pérola no meio da confusão televisiva. Excelente comentário!

J.A.
puraeconomia.blogspot.com