Saúde-se o voluntarismo do filme Brava Dança, documentário sobre a carreira dos Heróis do Mar. Não por ser uma obra-prima, ter uma fotografia fabulosa ou um ritmo de narrativa esplendoroso. Mas o simples facto de ser um dos primeiras fitas do gênero produzidas em Portugal (a par de Lisboetas ou Diários da Bósnia) já é de si uma notícia a registar. Além do mais, debruça-se sobre uma época particularmente rica no panorama musical português: o boom do Rock nacional, a recuperação da cantiga popular, o renascer do interesse pelo Fado, com as baladas e as canções de intervenção a deixarem de ser gênero único, sem se eclipsarem. É interessante ver as origens do grupo, o quase experimentalismo punk dos efémeros Faíscas (um sub-punk absolutamente inenarrável e incompreensível) e Corpo Diplomático e as suas guitarras distorcidas, com o ubíquo Ayres de Magalhães; a vontade de fazer um grupo que tocasse música portuguesa; as cinco personalidades distintas dos seus membros, a começar pelas influências musicais; o espírito de provocação e rebeldia que caracterizou a banda e lhe trouxe alguns dissabores no início.
A pose e a estética marcial e nacionalista criaram reacções chocadas que se verificaram obstáculos difíceis de ultrapassar, mas deram aos Heróis a fama que eles desejavam, embora de uma forma que sem dúvida não esperariam. Os fatos de navegadores, as armas, as letras (ainda assim amaciadas) de carácter guerreiro e nacionalista, a Cruz de Cristo, tudo isso criou-lhes o anátema original de "fascistas" a "reaccionários", só ultrapassado com sucessos comerciais como Amor ou Paixão. Seguiu-se o habitual disco mal-recebido-pelo-público, Mãe, mais alguns êxitos pop e a renovação de energias, com Macau. Já na fase final, mais desinspirada e com claro ar de "vamos é acabar com isto", ainda editaram um disco homónimo, antes de se separarem definitivamente. O vocalista Rui Pregal da Cunha e Pedro Paulo Gonçalves constituíram os LX-90, com um estilo mais rocker, antes de se dedicarem a outros projectos fora da música; enquanto Pedro Ayres de Magalhães já tinha os seus Madredeus (para os quais recuperou depois Carlos Maria Trindade), cuja história e posterior sucesso internacional são sobejamente conhecidos.
O documentário abrange todos esses momentos, ouve inúmeros testemunhos da época e mostra imagens de videoclips, concertos digressões. Fica-se com uma ideia da movida lisboeta dos anos 80 (em que ninguém dormia, segundo Pregal da Cunha), da vida na "estrada", das dificuldades económicas para manter uma banda assim e das influências musicais absorvidas ao longo dos anos. Um filme que apesar de algumas deficiências e lacunas, vale o preço do bilhete, e que é uma justa homenagem a tão marcante banda e a tão agitada década.
PS: era bom que a Blitz não cometesse erros de palmatória como este. Primeira colectânea dos Heróis do Mar em 2007? Houve pelo menos outras duas, uma em dois discos, ainda nos anos 80, e outra, intitulada Paixão, em 2001, que é a que eu tenho. Enorme falta de atenção à discografia básica por parte de uma revista muito "profissionalizada" mas demasiado descaracterizada, e que comete erros básicos deste tipo.
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