A Itália vai a votos. Uma banalidade, nos últimos sessenta anos. Como nação unida, raras vezes teve estabilidade: um pouco na República Romana, com alguns imperadores, como Augusto, e na monarquia dos Sabóia - em especial com Mussolini, por razões óbvias. Entretanto, assistiu ao derrube e assassínio de imperadores, às invasões bárbaras, à constituição de pequenos estados, a estar entre os Bizantinos, os Habsburgos e os Otomanos, a suportar Napoleão, e finalmente a unir-se sob a domínio piemontês. Pelo meio houve reinos divididos, ducados e condottieres, repúblicas marítimas e estados pontifícios. Seguiu-se a 1ª Guerra, o estado fascista, a 2ª Guerra e a invasão alemã, suportando a fantoche República de Saló, e depois o parcial referendo que criou a república que não pára de coleccionar governos. Desde o início que a Democracia Cristã e o Partido Comunista se impuseram face aos demais, corporizando uma espécie de luta Vaticano vs Moscovo, de que os livros e filmes de D. Camillo são fiéis testemunhas. A DC, mesmo nunca tendo por si só alcançado a maioria absoluta, logrou sempre coligar-se com outros partidos, como o Liberal, o Republicano, o Social Democrata, e a certa altura, o socialista, quebradas as últimas amarras com o PCI. Ao longo das décadas, uma classe política misturou-se com o estado, envelheceu e corporizou os seus piores vícios. O PCI, arredado por vontade parlamentar, paulatinamente afastou-se da URSS, tornou-se eurocomunista nos anos setenta, e com o fim do Pacto de Varsóvia virou socialista, convertendo-se nos Democratas de Esquerda. Já nos anos noventa, os sucessivos escândalos fizeram enfim ruír a massa governamental e implicaram o fim dos partidos que a compunham. Nasceram então várias pequenas formações democratas cristãs e socialistas, deu-se espaço de crescimento à Liga Norte e ao seu truculento líder Umberto Bossi, e até o neo-fascista MSI, que nos anos setenta tivera um crescimento notório, se dividiu, tendo a maioria comandada por Alessandro Fini criado uma nova formação conservadora.
A maior novidade desse terramoto político foi a entrada da política do boss da comunicação social italiana e presidente do AC Milan, Sílvio Berlusconi, e a criação do seu mediático e audiovisual partido Forza Italia, que logo em 94 levou a melhor ao DS e alcançou o governo. Poucos meses depois da sua estreia política Berlusconi, aliado a Bossi e a Fini, chegava a chefe do governo. Manteve o cargo durante dois anos, até que uma vasta coligação chefiada por Romano Prodi, onde se acantonavam centristas, socialistas e ex-comunistas, o derrotou. Mais cinco anos de Prodi, Massimo D ´Alema e Amato e Berlusconi regressou ao poder. E, em 2006, com a sua Unione, outra coligação que ia dos comunistas aos centristas católicos, Prodi, depois de 5 anos à frente da Comissão Europeia, voltava ao governo. Até à recente dissolução da câmara dos deputados e novo acto eleitoral, que se prevê que será ganho por Berlusconi, pela terceira vez.
O cenário é cada vez mais instável e não há razões para optimismos. A economia cai a pique, há um descrédito quase total da classe política, e a crise social está instalada, com novas reivindicações regionalistas da Liga Norte e com a sintomática crise do lixo em Nápoles, que transformou a bela cidade vizinha do Vesúvio num contentor gigante controlado pela Camorra. Toda a ingovernabilidade das últimas décadas é a principal culpada, evidentemente. Mas depois das fracturas que varreram a antiga classe política nos anos noventa, esperar-se-iam melhoras. Que não aconteceram. Há partidos para todos os gostos em Itália - quem não se lembra do célebre partido de Ciciollina, depois de sair do correspondente ao nosso BE? Por causa do seu sistema proporcional, as câmaras de deputados e senadores está dividida em pequenos blocos que se fazem valer da sua necessidade para obterem as suas reivindicações. São o terror de qualquer governo, e exactamente por isso é que o executivo Prodi caiu. Mais a mais, não houve tempo para referendar uma reforma eleitoral que permitiria uma menor divisão parlamentar e um maior predomínio dos principais partidos, o que contraria Berlusconi e o seu novo partido-coligação, o Partido da Liberdade. Talvez para forçar tais reformas, Walter Veltroni, ex-jornalista, ex-presidente da câmara de Roma e actual líder dos Democratas, o novo partido com inspiração americana que engloba a Oliveira, a Margarida e os antigos Democratas de Esquerda, apresentou-se sozinho, sem coligações ou outros escolhos. No entanto, a incapacidade do governo de Prodi em resolver quaisquer problemas urgentes, até pela camisa de forças ideológicas que tinha, fará com que Sua Emitenzza regresse ao governo.
Berlusconi, nas suas famosas e humorísticas tiradas, já se comparou a Jesus Cristo e a Napoleão. Em qualquer país normal, uma pessoa que diga tais coisas estaria no manicómio. Em Itália, está à frente do governo. Só mesmo em tal nação, ou conjunto de nações transalpinas, é que uma personagem tão odiada e amada, tão ridícula quanto poderosa, é que dominaria a cena política. Duvida-se no entanto que o seu novo partido de direita consiga resolver os problemas que não eliminou em vários anos de anteriores governos. O antigo neo-fascista Fini espreita a sua oportunidade, com paciência, embora esta tenha limites, como já demonstrou. Ao lado, a democrata-cristã UDC, de Buttiglione, já não quer nada com os antigos aliados. E à esquerda, Veltroni sabe que o futuro será seu, agora que se libertou da tralha ideológica e dos anacrónicos pró-comunistas. Não sabe é quando, como Durão Barroso. Nem o que poderá fazer quando um dia chegar ao poder.
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