Acabou no último fim de semana o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Lá me desloquei ao certame, tal como já tinha feito no ano passado, embora com o risco de me perder no meio daquelas fieiras de prédios todos iguais. O pretexto eram os cinquenta anos de Astérix; a razão era a minha velha mas controlada paixão por BD.
Sobre o herói gaulês esperava mais. Uma única sala com memorabilia, os álbuns todos da colecção, e um ou outro autógrafo de Uderzo, mais dois simpáticos sósias de Astérix e Obélix a cumprimentar as pessoas e a animar a miudagem era manifestamente pouco para a importância que os gauleses tiveram para a BD. Se a cultura francesa está em declínio, os "irredutíveis" são a excepção mais óbvia. Tornaram-se personagens conhecidas no mundo inteiro, os seus álbuns deram origem a filmes (animados e não só), o Parc Astérix rivaliza com a Eurodisney. Não admira que o general De Gaulle gostasse tanto do pequeno guerreiro.
Fui e sou um fã de Astérix desde miúdo, quando lia os álbuns que os meus pais compravam, em francês e português (aprendi em grande parte a ler em francês graças à banda desenhada). Os meus preferidos serão talvez o Astérix entre os Godos, Astérix entre os Bretões (o mais hilariante, influência do "british humour"?), A Zaragata, e Astérix Legionário. Todos absolutamente brilhantes, com aqueles anacronismos propositados, como os capacetes dos godos, a lembrar os pickelhaubes alemães da 1ª Guerra, os hábitos dos bretões, as vendettas dos corsos e o modo de falar dos belgas. Com a morte de Gosciny, Uderzo tomou o argumento em mãos. A série tornou-se mais desvairada mas perdeu a subtileza e o brilho anteriores.
Mas havia mais para além de Astérix no certame. De novos talentos a homenagens a Maurício de Sousa (da "Turma da Mónica"), havia de tudo. Gostei acima de tudo das recordações de outras edições anteriores e de outros mestres da BD portuguesa. Não faltavam exemplares do Mosquito e entrevistas gravadas a desenhadores como José Garcês e José Ruy.
Mas acima de tudo gostei de ver a memória de Eduardo Teixeira Coelho, um dos maiores autores de sempre da Nona Arte portuguesa, senhor de uma farta bigodaça que faria inveja a Dali e a Nietzsche e que ganharia com certeza o concurso da modalidade. Era açoriano, de Angra, mudou-se para Lisboa nos anos trinta, trabalhou como ilustrador, tornou-se conhecido no Mosquito e, mais tarde, no Mundo de Aventuras. Viveu em Espanha, em Inglaterra e em França (com o pseudónimo Martin Sièvre), até se mudar para Florença, onde morreu em 2005.
As suas obras eram acima de tudo de aventuras ou acontecimentos históricos, com um traço limpo e simples. O Caminho do Oriente, dos anos quarenta, com textos sem balões, é um dos melhores exemplos disso. A viagem de Vasco da Gama vista pelos olhos de um endiabrado grumete, Simão Infante, contada em banda desenhada a preto e branco. Tenho os seis álbuns da obra, oferecidos num Natal já muito longínquo, teria os meus nove, dez anos. Para se conhecer a obra de Eduardo Teixeira Coelho, é uma óptima iniciação. Reflecte bem o talento do autor em mergulhar o seu leitor num universo de aventuras de outros tempos, e numa dimensão histórica que de outra forma, excepto no cinema e em rara literatura, é quase impossível de recriar. Para além do inevitável escape, a capacidade didáctica e cultural da Nona Arte, num mundo tão tecnológico como o que vemos hoje, consegue sempre surpreender.
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