quinta-feira, novembro 12, 2009

Robert Enke


A notícia da morte de Enke é daquelas coisas que choca, pelas circunstâncias e pelo surpresa. à partida, um jogador de futebol que joga num campeonato de topo e numa das melhores Selecções do mundo e ainda é relativamente novo, tem poucas razões para querer deixar a vida. O mediatismo que acompanha os jogadores de futebol, os de topo, sobretudo, ainda aumentam a estupefacção.


Lembro-me de quando chegou ao Benfica, em 1999, proveniente do Borrusia Monchengladbach, que descera de divisão. Tinha 22 anos (fazia anos no mesmo dia que eu, outra das coisas que retive) e jogava normalmente na selecção alemã de esperanças. Era uma aposta do treinador Jupp Heinkes, uma das antigas glórias do clube alemão, e nessa altura, a da reforma do grande Michel Preud´Homme, estava destinado a ser o guarda-redes suplente de Gustavo Bossio, rotulado de craque. Mas com as fífias do argentino chegou depressa à titularidade, e nos dois anos que se seguiram, quase não a largou. Parecia discreto mas simpático. Aprendeu depressa a falar português ("está tudo bem, só falta vir namorrado", dizia numa entrevista, ainda sem saber distinguir o masculino do feminino), afeiçoou-se ao país e preparou Moreira (na altura júnior) para defender num futuro próximo a baliza benfiquista.


Anos penosos a nível desportivo, diga-se, coincidindo com o fim de mandato de Vale e Azevedo. Uma das coisas em que se repara é que Enke esteve quase sempre bem por onde passou, mas escolheu os seus clubes na altura errada. No Monchengladbach chegou à titularidade no ano em que o clube desceu. No Benfica, era o guarda-redes do fatídico sete-zero em Vigo, no qual terá sido o menos responsável, e nas piores épocas do clube, em que não se conseguiu sequer chegar às competições europeias. Assinou contrato com o Barcelona, em anos tormentosos do clube catalão, que desde Zubizarreta não mais conseguiu assegurar devidamente as suas balizas, e jogou um ou outro jogo para esquecer. emprestado ao Fenerbache de Istambul, no primeiro jogo sofreu uma goleada em casa e viu os adeptos turcos a atirarem-lhe petardos e a partirem-lhe o carro. Atarantado, recusou-se a continuar a conseguiu ser emprestado ao Tenerife, da segunda divisão espanhola. Por fim, o Hannover, mediano clube da Bundesliga, contratou-o, e lá conseguiu finalmente a estabilidade exibicional, tanto que o chamaram para a Selecção.


A vida de Enke mudou com essa permanente impossibilidade de se fixar, e com a morte da filha de dois anos. Ao que parece, terá começado a sofrer grandes depressões, e do medo de ser internado e de lhe tirarem a filha que com a sua mulher tinha adoptado há meses. Andou em tratamentos psiquiátricos, mas nem a possibilidade de ser o próximo titular da baliza da Mannschaft o terá feito melhorar. Pôs termo à vida de forma premeditada, ao que tudo indica, debaixo de um comboio na linha de Bremen para Hamburgo.


Na semana em que se festejavam vinte anos da queda do muro de Berlim, um natural da ex-RDA, da cidade universitária de Iena, encontrou razões para acabar. Tinha doze anos quando as manifestações começaram ali ao lado, em Leipzig. Não terá sido certamente a Ostalgie a culpada, mas será sempre difícil avaliar as razões do desespero de Robert. E fica-se ainda mais melancólico quando se sabe que, numa entrevista há um ano, tinha dito que gostaria de regressar a Portugal na fim da carreira. Afinal, quando nos lamentávamos das desgraças do Benfica, Enke terá aqui vivido os seus anos mais felizes. Um caso singular de como os azares profissionais por vezes são inversamente proporcionais à felicidade.

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