Planear ficar em casa a trabalhar num dia de chuva e esquecer a chave numa curta saída até que os vizinhos que têm uma cópia cheguem é o cúmulo da distracção conjugado com a falta de oportunidade. No dia em que mais devia evitar sair, tive de andar a evitar poças de água e goteiras, com um frio glacial à mistura. Sempre deu para entrar num livraria e folhear uma volumosa biografia de Bruce Chatwin. A certa altura, saltou-me à vista uma passagem, sobre uma curta visita do escritor-viajante a Lisboa, em 1977, em trânsito do Brasil para Inglaterra: "Cidade triste, cartazes comunistas por todos os lados; um com metralhadoras portáteis, enxada e chave inglesa. Que curioso terem escolhido o emblema de Caim".
A referência é evidentemente ao PRP-BR (que ainda tem um site a navegar), esse partido-movimento armado que deu brado no PREC. Estranho é que em 1977, tal força oficialmente já não existisse: ou os cartazes estavam muito usados, ou Chatwin, na sua prosa com fantasia misturada, falava de murais de rua. Não impede que seja uma descrição deprimente e pouco abonatório de um período mais infeliz da vida portuguesa. E curiosa, a referência a Caim. Ficariam aborrecidos os PRPs com tal comparação? Ficariam contentes, dada a sua actividade violenta? Saberiam ao menos quem era o irmão de Abel? Certo é que a alusão do escritor era premonitória, já que alguns elementos do movimento transitariam mais tarde para as FP-25.
Resta acrescentar que escrevi esse trecho ilustrativo num Moleskine, um caderno também muito publicitado graças a Chatwin.
5 comentários:
Foi com a preciosa ajuda de Chatwin que mergulhei pela primeira vez, há duas décadas, na Patagónia. Tudo o que ele descrevia no seu livro eu encontrei ( inclusivé a casa pnde se escondeu Butch Cassidy, próximo de Esquel), Naquela altura, a Patagónia ainda era pouo explorada pelos europeus e o retrato de Chatwin correspondia à realidade. Hoje, quando alguns amigos me perguntam se o livro de Chatwin continua a ser a Bíblia da Patagónia digo-lhes que apenas em alguns capítulos. Cada vez menos, para dizer a verdade. Os livros de viagens têm este problema. Rapidamente se desactualizam, quando descrevem Paraísos. E a Patagónia já não é oo Paraíso de outros tempos, porque o turismo rebentou em força. A verdade, porém, é que ainda há locais que permanecem imaculados, fiéis à descrição de Chatwin.
BNão foi o que aconteceu, obviamente, com a descrição que ele faz de Lisboa. Essa é a imagem de um curtíssimo período. Tive a sorte de o ter vivido, mas não é mais do que um resquício de memória.
Foi com a preciosa ajuda de Chatwin que mergulhei pela primeira vez, há duas décadas, na Patagónia. Tudo o que ele descrevia no seu livro eu encontrei ( inclusivé a casa pnde se escondeu Butch Cassidy, próximo de Esquel), Naquela altura, a Patagónia ainda era pouo explorada pelos europeus e o retrato de Chatwin correspondia à realidade. Hoje, quando alguns amigos me perguntam se o livro de Chatwin continua a ser a Bíblia da Patagónia digo-lhes que apenas em alguns capítulos. Cada vez menos, para dizer a verdade. Os livros de viagens têm este problema. Rapidamente se desactualizam, quando descrevem Paraísos. E a Patagónia já não é oo Paraíso de outros tempos, porque o turismo rebentou em força. A verdade, porém, é que ainda há locais que permanecem imaculados, fiéis à descrição de Chatwin.
BNão foi o que aconteceu, obviamente, com a descrição que ele faz de Lisboa. Essa é a imagem de um curtíssimo período. Tive a sorte de o ter vivido, mas não é mais do que um resquício de memória.
Duvido que haja muitos sítios no mundo em que Chatwin não tenha posto os pés. Pena que não tenha vindo mais vezes a Portugal.
quanto à Patagónia, é um facto que tem recebido cada vez mais gente, e isso tem custos (ainda agora um grupo de familiares meus está lá). Quanto ao "Na Patagónia", tenho-o em casa, mas ainda aguarda leitura. Dessa região li "Patagónia Express" de Luís Sepúlveda, um livro absolutamente aconselhável e em que Chatwin também aparece.
Portugal mudou mais devagar do que a Patagónia, embora possa não parecer.
Então a Patagónia mudou mesmo muito, atendendo às mudanças desta país nas últimas décadas.
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