Inspirações no Danúbio
Revi o Concerto de Ano Novo da Orquestra Filarmónica de Viena, emissão que tento nunca perder mesmo que tenha de gravar. É verdade que é sempre igual, do edifício à narração de Eládio Clímaco, com os eternos japoneses a assistir, mas já se tornou um hábito de estimação de boas vindas ao novo ano. Quando a orquestra atacou o Danúbio Azul, a intemporal valsa de Johann Strauss (a que Kubrick emprestou uma memorável cena espacial), viram-se imagens do percurso do rio, desde o começo, a Floresta Negra, até ao seu termo, o Mar Negro, desdobrando-se na teia do delta. Só aí reparei no contraste entre as "cores" dos extremos do rio, e a da valsa que o imortalizou. Curiosa a razão porque terá invocado Strauss a cor azul, mas deve ser porque em Viena atinge por vezes uma coloração magnífica - quando não está cinzento. E provavelmente para dar um tom de encantamento à então capital do Império dos Habsburgos.
Danúbio é também o nome da opus magna do italiano Claudio Magris. Da(s) nascente(s) ao Delta, o professor de literatura alemã da Universidade de Trieste percorre todo o curso do rio e regiões circundantes, mesmo algumas mais afastadas, estudando a sua história, os seus povos, o seu espírito, entre a ocidental Alemanha e a margem leste da Europa, isto numa altura em que o Muro de Berlim ainda não tinha caído. É talvez o guia que melhor expõe a Mitteleuropa e a herança dos Habsburgos. O meu recente percurso na Roménia não levei guias, porque não os encontrei. Assim, socorri-me de Danúbio, tanto para ficar com uma ideia mais clara do país como para deixar as minhas impressões. O que aprendi da Transilvânia deve-se em muito a Magris.
Na parte referente à Roménia, falando do Banato, região cuja capital é Timisoara e que até há uns anos tinha uma colónia germânica apreciável, Magris referia-se a vários novos autores suabos de língua alemã. Entre eles, estava uma jovem escritora apenas conhecida localmente chamada Herta Muller. O italiano, que é todos os anos colocado como um dos grandes aspirantes a ganhar o prémio Nobel, dificilmente poderia imaginar na altura que aquela jovem e obscura romena de etnia alemã vivendo sob o regime de Ceausescu iria, mais de vinte anos depois, suplantá-lo na corrida para o prémio. É a lógica da atribuição do galardão a autores menos conhecidos, mas que têm a "sorte" de representar num determinado ano o povo certo ou de escrever no idioma indicado.
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