Em Setembro deixei interrompido um périplo pela Roménia. Retomo-o agora, um pouco tardiamente, a poucos dias dos vinte anos da Revolução romena de 1989.
Da Moldávia para a Transilvânia segue-se por uma planície sem fim à vista, de campos e rectas, até que se avistam os cumes dos Cárpatos. Atravessá-los, de noite, em estradas de curvas e contra-curvas, é tarefa de resistência. Quase não se vêem outros carros, não há iluminação, e a paisagem em redor, formada por montanhas imponentes e barragens lá em baixo, que se distinguem pelo brilho da água, mete respeito. Pela cabeça passam as lendas e histórias maléficas em que esta região é fértil...
Chegar ao fim da travessia e ao planalto onde começa a Transilvânia é por isso um alívio. Daí a pouco, vêem-se as luzes de Brasov. Depois dos Cárpatos, não deverá haver cidade mais acolhedora.
Como a maior parte das urbes nesta região, Brasov tem o seu nome romeno, alemão (Kronstad) e húngaro (Brassó). A Transilvânia é uma mescla destes três povos, mas durante centenas de anos foram os saxões que predominaram. Residem aqui desde o Séc. XII, quando os Reis magiares os trouxeram para que povoassem a região. Com o tempo, criaram raízes profundas, adquiriram privilégios, tornaram-se agricultores, artesãos, comerciantes. Esta burguesia próspera ergueu castelos e povoações, e mais tarde desenvolveu grande actividade cultural e literária. Foram maioritários em tempos. Hoje, depois das Guerras Mundiais e do regime comunista, são uma ínfima minoria.
A cidade estende-se pelo planalto, mas protege-se à sombra de um imponente massivo, onde o seu nome está inscrito de forma Hollywoodesca. Não faltam edifícios medievais, do renascimento ou classicistas. A par do edifício da municipalidade, a Casa Sfatului, a construção que domina a cidade é a Igreja Negra, ou Biserica Neagra, templo evangélico luterano de ar austero, com os seus 89 metros de altura, "a maior igreja gótica entre Viena e Istambul". Dentro está decorada com um conjunto de magníficos tapetes turcos, que recordam o domínio otomano nos séculos XVI e XVII, sobre um principado semi-autónomo da Transilvânia. O espaço fronteiro é pequeno para se admirar o templo, e para isso isso há que trepar a uma das elevações próximas, onde estão a Torre Branca e a Torre Negra, sentinelas que vigiam de perto o bastião fortificado que segue ao longo de um pequeno canal. Das torres colhe-se o melhor skyline da cidade velha.
A Torre Branca, uma das sentinelas da cidade
Na fachada lateral da igreja vê-se a estátua de Johann Honterus, um cartógrafo germânico de Brasov que introduziu e difundiu o protestantismo na Transilvânia. À sua frente, do outro lado da rua, a instituição que fundou, o liceu Honterus, ainda hoje a escola alemã da cidade, e uma das referências dos saxões que por aqui permaneceu. Lobriga-se a escadaria do liceu, com um busto do seu inspirador a meio, no patamar.
Estátua de honterus, ao lado da Igreja Negra, e o liceu alemão com o seu nome em frente.
No Verão, o evento mais mediático é o festival de música Cerbul Aur, ou Cervo de Ouro. Já dura há uns anos e realiza-se na praça Sfatului, no coração da cidade, à sombra da imponente edifício municipal. É uma espécie de festival internacional da canção ao ar livre, onde por vezes acorrem músicos mais conhecidos (Scorpions e Kylie Minogue, por exemplo).
Mas a maior atracção da região de Brasov é sem dúvida o Castelo de Bran, mundialmente conhecido como "Castelo do Drácula". É uma estrutura impressionante mas longe de ser sinistra, construída pelos cavaleiros Teutónicos, estrategicamente localizada num vale junto à aldeia do mesmo nome. Não se percebe o porquê da ligação a Vlad Tepes, o "Empalador", que inspirou a Bram Stocker a personagem do morto-vivo vampírico. Tepes, um príncipe da Valáquia do Séc. XV, intrépido inimigo dos emergentes turcos, raramente passou por aqui. Terá ficado uns dias, quanto muito, para orientar este bastião defensivo. O Castelo serviu de morada à rainha Maria, viúva do Rei Fernando e mãe de Carol II, nos anos posteriores à 1ª Grande Guerra. Recentemente, os tribunais romenos devolveram a propriedade aos descendentes da família real, que dele tinha sido expropriada pelo regime comunista. De qualquer maneira, é a memória de Vlad Tepes que se lembra aqui. O castelo, profusamente decorado com mobiliário do Séc. XI e algumas relíquias mais antigas, e pintado de branco, atrai incontáveis turistas. À sua volta, uma autêntica feira de bancas e barracas de produtos relacionados com Drácula. Para quem não aprecie tal ambiente turístico e de comércio nómada talvez seja preferível conhecer a fortaleza de Rasnov, mais a Norte, entre Brasov e Bran, e facilmente identificável no alto da montanha...e pelas letras também hollywoodescas que a assinalam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário