Nesta coisa da morte de personalidades ligadas à literatura há sempre episódios menos edificantes por razões extra-literárias. Se o artigo do Observatore Romano era infeliz, que dizer do que se passou com a proposta de voto de pesar pela morte de António Manuel Couto Viana, que antecedeu em poucos dias a de Saramago? O caso passou despercebido, mas Eduardo Pitta resume-o aqui: alguns deputados do PS apresentaram a proposta, mas retiraram-na depois da recusa e dos protestos do Bloco e do PCP com o pretexto de que tinha combatido na Guerra Civil Espanhola ao lado dos Nacionalistas (ou seja, quando era um adolescente). Não sei de onde vem essa desinformação; mesmo que fosse verdade, estou certo de tais partidos que aplaudiriam outrém que fosse veterano das fileiras republicanas (que também cometeram as suas atrocidades). O que é certo é que a mesma gente que se indignou com a ausência de Cavaco Silva no funeral de Saramago vem agora invocar razões políticas - e falsas - para recusar um mero voto de pesar a um vulto respeitável da poesia e do teatro. Um voto de pesar, note-se, não uma homenagem, ou dias de luto. Ficaram claros os argumentos culturais desta gente: se não pertencem à sua trincheira, devem ser esquecidos e ostracizados. É a velha tara marxista de que a arte será sempre um meio para atingir objectivos "sociais", nunca um fim em si. E ainda se atrevem a zurzir quem não se curvou perante Saramago. Mal estiveram igualmente os proponentes, que deviam ter insistido na votação. Mas bom será que este caso não caia no esquecimento, e que seja recordado o seu papel de controleiros culturais quando os excelentíssimos deputados bloquistas e comunistas invocarem qualquer "perseguição" a algum vulto do respectivo "sector intelectual".
segunda-feira, junho 28, 2010
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