Os legítimos detentores da "resolução"
A campanha eleitoral decorre sem grandes rasgos ou novidades de maior, excepto a quase ausência de outdoors. Qualquer declaração potencialmente mais abrasiva ou "politicamente incorrecta" é uma notícia em si. Assim, não surpreende que as respostas de Pedro Passos Coelho às questões levantadas pela Rádio Renascença sobre a questão ao aborto tivessem causado um turbilhão de recriminações, aproveitamentos descarados e urros indignados, não sei se por deficiências interpretativas ou por mera total ausência de aceitar ideias alheias.
Passos Coelho é a favor da actual lei, como esclareceu aos microfones, e não pretende alterá-la mas tão somente melhorar a sua supervisão e analisar se está ou não a ser correctamente aplicada, de forma a não tornar o aborto num meio contraceptivo. Não é, claro está, a minha opinião, já que discordo da actual lei onde o aborto não é meramente despenalizado, tendo-se tornado uma prática comum financiada pelo estado. e como não acho que um feto de 10 semanas seja meramente um apêndice sem vida, moralmente não podia discordar mais disso.
Mas consigo perceber a ideia de Passos Coelho, e mais ainda o comentário de tolerância para quem não pensa da mesma forma: a legitimidade de um grupo que perdeu uma causa em referendo poder voltar a exigir nova consulta popular (com algum intervalo de tempo).
Essa legitimidade é recusada por muitos que defendem a actual lei, e que consideram que qualquer mudança seria um "retrocesso" e o regresso "às trevas" e à "Idade Média". Isso verificou-se no habitual censor da esquerda radical, Francisco Louçã, que acha que a lei anterior "só é defendida por uma minoria ultra-reaccionária" e que Portugal "já está no século XXI". Deixando de lado os habituais determinismos temporais de que "a sociedade não volta para trás", seria bom saber em que é que o coordenador do Bloco se baseia para falar em "minorias" (que de resto está habituado a apoiar, por mais ridículas que sejam). Se pensarmos que em 2007, num referendo cuja abstenção foi superior a 50%, 41% dos eleitores votaram "não", é caso para perguntar qual é o conceito de minorias para Louçã. Semelhante ideia exprimiram outros conhecidos defensores do aborto livre, como Vital Moreira, ainda hoje no Público, e mesmo o editorial deste diário, que ultimamente anda a resvalar para o absurdo.
De todo este "caso" retive duas ideias, cada uma mais inquietante do que a outra: a de que não falta gente que, ao contrário do que dizia na campanha dos referendos, e a fazer fé nos comentários facebookeanos à notícia, são "a favor da aborto", e não meramente à sua despenalização; e que os que se opõem à legalização dessa prática não têm o direito nem a legitimidade de exigir alterações à lei nem um hipotético futuro referendo, ainda que os seus defensores o tenham feito durante anos a fio, mesmo depois de derrotados, porque era preciso "resolver a questão".
Estará a questão resolvida? Quem é que decide isso? Os senhores defensores da "IVG" têm o exclusivo? Às vezes retroceder não é pior, sobretudo se se tiver com um precipício em frente.
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