sábado, novembro 23, 2013

Vamos a ver o que resulta do "Livre"


À margem de assembleias "alternativas", manifestações com mais ou menos violência ou outras que tais, o pré-anúncio, de resto já com algum tempo, da criação de um novo movimento à esquerda, que tem como denominação (não sei se provisória) "Livre", é uma das notícias mais interessantes da vida política partidária dos últimos tempos. Tavares já "ameaçara", mas agora parece mesmo querer dar corpo a uma ideia que já há muito vinha expondo nos seus artigos jornalísticos.
 
O velho problema da constituição de maiorias estáveis em Portugal em caso de vitória do PS sempre se pôs. Ou o PS ganha com maioria absoluta, coisa que só aconteceu por uma vez, ou sujeita-se a governar em minoria, com acordos pontuais aqui e ali. A outra hipótese, mais improvável, é coligar-se com outros partidos. Até agora, fê-lo com o CDS, em 1978, e com o PSD, o célebre bloco Central dos anos oitenta. Nenhuma dessas experiências durou muito. Talvez por isso muitos colunistas se perguntem porque é que os entendimentos à esquerda nunca se fazem, ao contrário do que acontece À direita. A resposta é óbvia, mas parece que lhes escapa: a natureza política dos partidos à esquerda é absolutamente distinta. O PS é um partido da área social-democrata, que defende um regime parlamentar pluralista e a economia de mercado, com alguns limites. O PCP (o apêndice Verdes não conta para os números) é um velho partido marxista-leninista, que envia condolências pela morte do tirano da Coreia do Norte. Já o Bloco de Esquerda é um conjunto de capelinhas mais ou menos radicais, onde cabem trotsquistas, neo-maoístas, comunistas "renovadores", etc, que entre outras coisas pugna pela saída de Portugal da NATO. Só por oportunismo ou por pura ignorância é que alguém defende que o PS se pode aliar a nível nacional com qualquer destes partidos. Sim, é verdade, houve já coligações entre eles que nem correram mal, como em Lisboa, nos anos 80/90, sob a presidência de Sampaio. Mas uma coisa é fazer coligações locais (até o PSD e o PCP já as fizeram, depois das eleições), outra absolutamente diferente é dar ao país um governo PS/PCP/BE. Alguém imagina? O caso mais próximo é o da França aquando da primeira vitória de Mitterand: o PS francês estava mais à esquerda, o PCF era mais aberto que o "nosso" PCP, e mesmo assim nunca mais repetiram a graça.
 
Por isso, a nova formação pode ser uma espécie de CDS de esquerda. Um partido mais europeísta e pluralista, sem o sectarismo e o radicalismo irresponsável do Bloco, e evidentemente sem a férrea disciplina e a ideologia imutável do PCP. No fundo, pode ser para Portugal o que Os Verdes foram na Alemanha, e que permitiram ao SPD fazer coligações à esquerda. Com o tempo, o partido de Joschka Fischer passou de movimento de protesto a partido responsável. O "Livre", agrupando pessoas fartas do BE, nada receptivas ao PC, ecologistas que repudiem Os Verdes (e não se enquadrem no Partido da Terra ou no PPM) mas que não tenham grande vontade de entrar num partido tão "governamental" e pleno de interesses e jogos de poder como o PS, poderá vir a constituir uma alternativa interessante nesse campo. Adivinha-se que para além de Rui Tavares lá possam caber pessoas como Daniel Oliveira (os dois eram a espinha dorsal do blogue Barnabé), Joana Amaral Dias ou até elementos próximos do PS, como Inês Medeiros ou Ana Paula Victorino. Talvez já nas próximas europeias possamos ver o novo movimento apresentando-se às urnas, numa primeira prova de fogo (embora isso já tenha atraído as esperadas críticas a Rui Tavares, acusando-o de "estar atrás de um tacho", talvez esquecendo que o mesmo dispôs de parte do seu vencimento de eurodeputado para patrocinar algumas bolsas). Se poderá atrair algum eleitorado de esquerda desiludido com o que há, ou se não passará de uma formação efémera de algumas figuras semi-mediáticas, como infelizmente aconteceu ao MEP, é coisa que terá de provar. A escolha da papoila para símbolo é que já não parece muito feliz...
 
 

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