sexta-feira, julho 16, 2004

As Razões de Vitorino

António Vitorino, dado como o "D. Sebastião" do PS, recusou mais uma vez a passadeira vermelha que lhe estendiam e não se assumiu como futuro líder do Partido da Rosa. A decisão só pode surpreender os mais desatentos. Há diversos factores a ter em conta e que mostram bem o porquê da "nega".
Vitorino não esteve na Comissão Europeia por acaso. Durante o seu mandato como Comissário para a Justiça desempenhou um papel de elevadíssima importância em dossiers tão relevantes como o do terrorismo. Teve um trabalho que está já a dar os seus frutos e que lhe granjeou um enorme prestígio nas comunidades europeias. Relembre-se o quase desespero de Prodi quando surgiu a hipótese de substituir Guterres à frente do PS. Vitorino preferiu então continuar com o seu trabalho, que, relembre-se, respeitava a toda a União e não somente ao seu país; como agora quis continuar com o seu cargo até Outubro. sem interrupções partidárias. Todos esses actos granjearam-lhe uma aura de competência e respeitabilidade raros, que aliás José Manuel Fernandes expôs de forma clara no editorial do Público de ontem , o que lhe agradeço desde já por me poupar adjectivos (embora não concorde com a parte em que diz que "o país se desmorona à nossa frente", pelo óbvio exagero).
É exactamente por este prestígio granjeado ( e não nos esqueçamos que um político que convive com os grandes actores internacionais fica sempre prestigiado aos olhos dos seus) que o PS o quis tão sofregamente a comandar os destinos no Largo do Rato. Sucede no entanto que no panorama partidário português o PS é mais clientelar entre os clientelares, o movimento que congrega mais invejas, compadrios e interesses de toda a ordem na política nacional. As guerras fratricidas são uma constante, e mesmo agora prepara-se uma nova, entre neo-Guterristas, essencialmente. O que seria de admirar era a hipotética vinda de Vitorino para o partido. Mas quem tem as suas competências, o seu prestígio e demais qualidades jamais poderia aceitar de bom grado tomar o leme de tal organização. As frases que usou na conferência de imprensa que deu foram elucidativas. e reveladoras da superioridade do comissário sobre os mesquinhos jogos do aparelho partidário.
Indignaram-se algumas figuras graduadas do socialismo português. Como se atrevia Vitorino a mais uma vez recusar o bastão de marechal que tão generosamente lhe queriam colocar nas mãos? Que desplante, o de querer dar mais atenção aos seus últimos trabalhos na Comissão em vez de tomar as rédeas da oposição! Quando quiser voltar mais tarde, todos lhe voltarão as costas.
Ninguém terá pensado que Vitorino não precisa que lhe façam reverências (provavelmente com punhais escondidos), e muito menos que poderá jamais estar interessado em estar à frente do partido? Ou que tem uma vida própria, e que ninguém tem o direito de lhe indicar o seu futuro, e muito menos querer pôr o PS à frente da sua vida pessoal ou mesmo dos destinos da Europa?
Provavelmente não. Viam apenas o partido à sua frente, triunfante numas legislativas futuras, e atrás dele uma infinidade de novas oportunidades à espera que novos "boys" as agarrassem em força. Nada mais lhes poderia interessar. Eis aquilo a que Vitorino avisadamente se furtou, impedindo que o usassem para alcançar o Eldorado das serventias públicas, como de coisa própria se tratasse. E só por aí se pode ver o carácter e a inteligência de alguém que pode dar muito ao país sem colocar a sua imagem em cheque em questões menores. Porque está infinitamente acima disso.

A escolha de Bagão Félix para as Finanças Públicas é algo surpreendente, não só pelo seu trabalho à frente do seu ex-ministério ter sido controverso como também pela não ocupação de nenhum cargo de relevo em tempos recentes nesta área. A decisão que levou à nomeação será provavelmente motivada por trocas de pastas com o PP, e pela sua experiência na banca. Pede-se-lhe que siga uma política de rigor (embora não fosse demais exigir-lhe que fizesse os cortes orçamentais necessários nas áreas certas) e que não desbarate as contas públicas com eventuais delírios santanistas. Dá-se o benefício da dúvida. Mas um costume mantém-se: os sindicatos estão contra e as organizações empresariais a favor.
António Monteiro parece-me uma boa escolha, não só por ser amplamente respeitado no meio mas também por uma ocasião onde o vi a desempenhar um papel crucial : a crise de Timor, em 1999. Esteve em cargos de alto prestígio, na ONU e como embaixador em Paris (simbolicamente o apogeu da carreira diplomática), e preparava-se para ir para Madrid ou, segundo ouvi também, reformar-se da actividade. A alternativa óbvia era exactamente tornar-se o novo inquilino das Necessidades.
De Daniel Sanches quase nada sei, como aliás seria de esperar de um antigo dirigente do SIS.
Retenho na memória que António Mexia é um fiel santanista. De Álvaro Barreto lembro-me no governo de Cavaco Silva, embora fosse uma figura de mediano relevo, mas pergunto-me porque terá decidido ser o Decano do novo executivo, para mais com a pasta da Economia.
As restantes peças governamentais conhecê-las-emos até á tomada de posse, dia 20. Até lá, gozemos a descoberta de novas caras. E já agora, a tentar adivinhá-las.

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